Com as eleições nacionais à porta, os gregos estão preocupados principalmente com o combate à implacável onda de calor que atormenta o país e não com a febre política que antecede umas eleições nacionais muito importantes. Os gregos são chamados às urnas quase um mês depois das eleições europeias para decidir se manterão no poder os esquerdistas radicais do Syriza transformados em sociais-democratas ou a Nova Democracia (ND), um partido conservador de centro-direita que abarcou os neoliberais e os nacionalistas. "Apesar dos esforços dos partidos políticos para criar tensão, as pessoas têm outras coisas com que se preocupar", diz ao DN Alexandra Souri, de 64 anos, comerciante de equipamentos de pesca. Ela acredita que "durante os últimos dez anos as pessoas sofreram tanto que duvidam de todos os que estão a pedir o nosso voto. Neste momento, os gregos questionam as intenções de toda a gente. Chegámos a um ponto em que a vida política do país está muito desvalorizada"..O líder do Syriza, Alexis Tsipras, convocou eleições antecipadas no início de junho, para este 7 de julho, depois de o seu partido ter ficado para trás nas europeias com uma diferença fenomenal de 9,43%, não querendo perder tempo e deixar o país na incerteza durante um período crítico, com milhões de turistas em férias, questões orçamentais, prováveis incêndios florestais e o conflito greco-turco na agenda. A pressão exercida pela ND durante os últimos quatro anos pareceu finalmente surtir efeito e, apesar da participação de 58,76% nas eleições europeias, as sondagens mostram que Kyriakos Mitsotakis e o seu partido lideram as intenções de voto por sete a oito pontos..George Saratsiotis, com 48 anos e dois filhos, pensa que o Syriza não é confiável e é inconsistente em muitos aspetos. Ele considera Mitsotakis um líder mais confiável, que não vai mentir ao povo, tem vontade de mudar as coisas e de fazer reformas dolorosas, mas necessárias. "Parece que as pessoas tentaram a abordagem da esquerda às coisas e perceberam que o seu modelo ideal não passa de promessas que não podem ser cumpridas", diz ao DN..Mitsotakis diz que o seu partido traz uma mensagem de esperança para combater o medo e a insegurança, acrescentando que o plano que têm para a Grécia é o de impostos mais baixos, mais empregos e maior segurança. Ele está a pedir um mandato forte, porque não quer que o país "mergulhe em novas aventuras" se a Nova Democracia não tiver um forte mandato no dia a seguir às eleições. "À medida que nos aproximamos das eleições de 7 de julho, a unidade do país continua a ser a questão-chave", comenta..A Grécia tem agora a menor taxa de juro, com 35 mil milhões de euros em depósitos, o desemprego caiu 9% e o salário mínimo aumentou 11%. Como Alexis Tsipras afirmou na comunicação social grega, "estamos prestes a restaurar as negociações coletivas e a normalidade no trabalho... No entanto, é um facto que ainda não conseguimos criar o sentimento, para a grande maioria da sociedade, de que essa mudança se tornará cada vez mais forte na sua vida"..Infelizmente, disse Tsipras, "ainda não vimos o quanto melhor a esquerda, com o seu plano político, pode fazer porque só há oito meses estamos livres para criar melhores condições para o país". Tsipras afirma que o Syriza ajudou a Grécia a sair dos memorandos da troika e que não se afastou das suas raízes ideológicas e da sua principal orientação, que é defender o povo trabalhador, os menos privilegiados e a grande maioria das pessoas. Deu ainda como exemplo o facto de não ter hesitado em prosseguir com o Acordo de Prespes porque "fomos buscar a força à nossa convicção de que é do interesse do país e à certeza de que um governo de esquerda deve fazer grandes mudanças"..Os gregos concordam que dois dos principais erros de Alexis Tsipras que lhe custarão as eleições são o referendo de 2015, quando ele transformou o "não" que foi votado com uma grande maioria num "sim" e o Acordo de Prespes, um acordo bilateral com a Macedónia do Norte que, embora fortaleça a posição da Grécia nos Balcãs, fez ressurgir nacionalismos generalizados, especialmente no norte da Grécia..Afrodite Pantiora, aposentada e ex-sindicalista da indústria têxtil, está a viver a melhor época da sua vida. Vai todas as manhãs para uma praia próxima com os seus amigos e o seu filho, um web designer, acabou de encontrar um emprego de que gosta com um salário competitivo. Ele é feliz, então ela é ainda mais feliz. "O meu filho não encontrava emprego, mas tem vindo a tentar há anos e de diferentes maneiras." Apesar da felicidade pessoal, Pantiora está muito preocupada com a política na Grécia. "Fiquei muito desapontada com as percentagens da ND. O Syriza dececionou-nos, mas não esperava que os gregos virassem à direita mais uma vez. Nenhum outro país que passou por uma crise tão violenta recuperou todos aqueles que o levaram à falência. Não faço ideia do motivo por que um pensionista e um funcionário público votam na ND. Somos uma nação conservadora e queremos que as famílias nos governem. Semideuses.".Pantiora refere-se ao histórico familiar do líder da ND. Mitsotakis, um ex-capitalista de risco, educado em Harvard, é filho de um ex-primeiro-ministro, irmão de um político experiente e ex-presidente da Câmara de Atenas e tio do recém-eleito presidente da Câmara de Atenas. Souri acredita que tanto Mitsotakis como Tsipras são jovens, apaixonados e dispostos a trabalhar arduamente. "Tsipras provou que tem boas intenções, mas o seu plano e a sua equipa não funcionaram. O histórico familiar de Mitsotakis, com as suas relações e a sua experiência, pode ser útil", disse ela..Yorgos Stavropoulos, de 32 anos, é um jovem empreendedor progressista que lidera um bem-sucedido negócio de moda de propriedade familiar em Patras, um porto e a terceira maior cidade da Grécia. Há uns anos, Yorgos viu o Syriza como um pequeno e promissor partido de esquerda, mas as suas expectativas não foram satisfeitas. Agora, considera o Syriza responsável por criar diferenças sociais, destruir a classe média e, além disso, promover um modelo medíocre. Acredita que eles criaram um ambiente melhor para as grandes empresas que sugam a riqueza da sociedade oferecendo poucas coisas às comunidades locais..Yorgos sente que há entre a população uma grande necessidade de mudança do sistema político e de um governo sólido para implementar um programa de salvação com muitas reformas estruturais, de modo a sair da crise e a tornar a Grécia um país europeu novamente.."Apesar das duas principais escolhas entre o legado da ND e o Syriza, que tentou mas falhou, há um grupo de pessoas que ainda veem o Syriza como a solução contra os velhos partidos políticos, a corrupção e as famílias bem estabelecidas", diz Stavropoulos ao DN..Pantiora foi sempre uma eleitora do Partido Comunista da Grécia (KKE) e acredita que os comunistas devem subir porque eles só provaram ter razão ao longo dos anos e não desapontaram os seus eleitores. "Votar no KKE é uma decisão difícil, porque o KKE não irá alterar as coisas para nós, o KKE espera que nós nos juntemos e mudemos as coisas com eles." Apesar da sua devoção a um partido lendário com uma história de um século, acredita que com o Syriza o país ficará muito melhor do que com a ND. Como pensionista, Pantiora testemunhou o progresso na saúde e na economia. "Não posso comparar o Syriza com a ND", refere..Apesar das suas fortes críticas ao Syriza, Saratsiotis deu-se bem durante o governo deste partido, pois o seu trabalho como agente de seguros é fomentado pela insegurança das pessoas. "Apesar de eu ser bem pago em comparação com os outros gregos, a carga fiscal da classe média, bem como as reformas inaceitáveis feitas nas contribuições para o sistema de segurança social, além do aumento do custo de vida, fizeram que a minha vida quotidiana se tenha tornado uma luta pela sobrevivência de modo a cumprir as minhas obrigações financeiras", desabafa..Souri quer que os jovens permaneçam na Grécia, que se evite uma "fuga de cérebros" e que a economia seja reforçada com investimentos. "Toda a gente que trabalhou durante 40 anos para levar uma vida decente não depende de benefícios sociais e empréstimos externos, mas de trabalho e produção reais. A economia grega é como uma mola de aço", diz ao DN, "só espero que ela salte".."Neste momento, a situação está de tal forma descontrolada que só por se fazer as coisas mais simples tudo vai melhorar. Em relação à sociedade, o governo deve trazer de volta a segurança para todos os cidadãos, etnias à parte, bem como a tranquilidade entre as pessoas. No que concerne às empresas, espero que a tributação estável assegure a cobrança de impostos dos maus pagadores, remova o poder dos sindicatos, mas ao mesmo tempo crie leis diretas que protejam trabalhadores e empregados e, finalmente, haja uma digitalização do setor público. Depois virá a hora de descentralizar a Grécia, dando incentivos para que as pessoas saiam de Atenas e criem uma nova Grécia com fortes cidades periféricas", diz Stavropoulos ao DN..Pantiora, por seu lado, espera que a ND não seja capaz de formar um governo com maioria absoluta porque isso seria desastroso para a democracia grega. Acredita em coligações devido à sua natureza colaborativa. "Os partidos políticos, tal como os gregos, deveriam aprender a trabalhar juntos", afiança, concluindo: "Esse é o futuro.".* Editor do Athenslive.org.A Grécia em datas.Cinco datas-chave para ajudar a perceber o que se passou na Grécia nos últimos 19 anos. Syriza de Alexis Tsipras passou de crítico e feroz opositor da troika a seu aliado e executante..Abril de 2010 Então primeiro-ministro grego, George Papandreou, do Pasok, pediu formalmente o primeiro resgate financeiro internacional para a Grécia à troika (UE, BCE e FMI). O valor do primeiro resgate foi de 110 mil milhões de euros..Novembro de 2011 George Papandreou demite-se e a chefia do governo é assumida por Lucas Papademos, numa coligação entre o Pasok, a Nova Democracia e o LAOS. É acordado um segundo resgate de 120 mil milhões com a troika. Os protestos e os confrontos com a polícia tornam-se parte do quotidiano..Junho de 2012 Duas eleições decorrem num intervalo de seis semanas sem que houvesse um vencedor claro. Nova coligação é formada pelo então líder da Nova Democracia, Antonis Samaras. No mês seguinte, Mario Draghi, líder do BCE, inverte o curso da crise, prometendo fazer tudo o que for possível para preservar o euro..Janeiro de 2015 O Syriza de Alexis Tsipras vence as eleições antecipadas com promessas de expulsar a troika, de proibir Angela Merkel em Atenas e de tirar a Grécia do euro. Acabou a pedir um terceiro resgate de 86 mil milhões de euros, depois de desrespeitar o resultado do referendo de 5 de julho - que o próprio convocou. Nele 61,3% dos gregos disseram "não" ao acordo submetido pela troika ao Eurogrupo sobre a Grécia. O seu ministro das Finanças, Yanis Varoufakis, demitiu-se. Foram convocadas novas eleições..Setembro de 2015 O Syriza vence as eleições e coliga-se novamente com os Gregos Independentes, de Panos Kammenos. Em janeiro de 2016, Kyriakos Mitsotakis torna-se líder da Nova Democracia. A 20 de agosto de 2018, a Grécia saiu dos resgates. Ao mesmo tempo, faz face ao grave drama dos refugiados e dos migrantes. Kammenos demitiu-se em janeiro deste ano por causa do acordo sobre o novo nome da vizinha Macedónia do Norte. Tsipras antecipa eleições, inicialmente agendadas para outubro.