NESTA ALDEIA DE ASTÉRIX HÁ QUEM MATE INVASORES
Se tivesse havido alguma vez uma aldeia de Astérix na Península Ibérica seria no País Basco. Tal como no cantinho da Gália inventado por Hergé, também ali nunca entraram os romanos. Por isso, sobreviveu nos seus vales um idioma que terá parentesco com o falado pelos nossos antepassados celtiberos há dois mil e tal anos. Uma língua que nada tem a ver com o castelhano, o catalão ou o português (todas filhas do latim) e em que aita vale como pai, txakur significa cão e askatasuna é liberdade. Nesse seu idioma, o euskera, o País Basco chama-se Euskadi e neste, apesar de ser a região mais autónoma de toda a Europa - com finanças e polícia próprias -, boa parte da sua população reclama mesmo assim a independência. Uma pequena minoria, inclusive, está disposta a matar em nome dessa causa. Voltou a acontecer há três dias, quando um pistoleiro da ETA assassinou Isaias Carrasco, um ex-autarca socialista.
Mondragón fica no coração de Euskadi, quase a igual distância de Vitória, Bilbau e San Sebastián. Filho de castelhanos de Zamora, Isaias Carrasco vivia desde sempre nessa cidadezinha industrial, onde se fabricam os electrodomésticos Fagor. Região próspera, Euskadi acolheu ao longo do século XX sucessivas vagas de imigrantes de outras partes de Espanha, gente como os Carrasco que buscavam melhor vida. Como homenagem à terra que os acolheu, muitos até baptizaram as crianças com nomes bascos, como Mikel ou Ainara (uma das filhas de Carrasco chama-se assim). E, no entanto, continua a haver quem os veja como invasores, quinta coluna do espanholismo, obstáculo pela força dos votos a que um dia chegue a independência. Ainda na semana passada, o El Mundo contava como na rua alguém gritava a Rosa Díez que esta não era uma verdadeira basca, apesar de a antiga deputada socialista ter nascido na Biscaia e sido já membro do Governo de Euskadi. Carrasco, vítima número 822 da ETA, também não era um verdadeiro basco para quem o matou. Pior ainda, militava no partido que governa a Espanha e que, apesar de ter tentado negociar com a ETA, nunca deixou de prender etarras.
A ETA não é a única face do nacionalismo basco. O PNV, que governa Euskadi, também sonha com a independência (não é por acaso que o precedente do Kosovo assusta Madrid). Mas felizmente é capaz de condenar crimes como o de Mondragón e de se juntar ao luto da família Carrasco. Afinal, só com a unanimidade dos seus 2,5 milhões de habitantes o País Basco poderá um dia fazer justiça ao nome. E concorde-se ou não com o projecto independentista, este só se concretizará se na versão ibérica da aldeia de Astérix deixarem de distinguir entre gauleses e romanos. Só a ETA não quer perceber isso, nem que cada novo tiro ou bomba reduz as simpatias que se possa ter por uma ambição que é legítima apesar de bizarra no contexto da Espanha democrática.|