Nem razão nem coração
Em mais uma radiante demonstração de cultura democrática, Rui Rio reduziu a representação parlamentar do PSD aos homens e mulheres que o apoiaram na sua disputa contra Paulo Rangel.
Depois de quatro anos de vazio político, Rio apresenta-se aos portugueses como o pequeno tiranete, que num país civilizado não seria mais do que um tesoureiro de freguesia, rosto de saneamentos e purgas ao estilo soviético, promotor de conferências de imprensa onde as perguntas dos jornalistas são já apupadas pela sua turba de seguidores.
Se não era um congresso do Chega, imitou bem. Se não é um Sócrates com casa em Viana do Castelo, parece muito um Sócrates com casa em Viana do Castelo.
A questão é que a culpa não é dele. Ninguém vence três eleições internas no PSD por sorte nem se aguenta líder do partido depois de três derrotas nacionais meramente por capricho. Rio é muito mais do que as suas limitações e a sua perceção popular ultrapassa, por enquanto, as suas idiossincrasias.
Não se pode, ainda por cima, acusá-lo de as esconder. Repetidamente, Rio escarneceu da liberdade de imprensa, perseguiu repórteres nas redes sociais, fugiu a debates, destratou instituições basilares como o parlamento e apelou a que se realizassem menos eleições em Portugal. Não se trata, portanto, de um democrata. Tal é público e semanalmente demonstrado. Mas nada disso o impede de ter sucesso numa democracia ‒ ou, pelo menos, nesta ‒ o que não deixa de ser revelador. A personalidade autocrata do ex-presidente da Câmara do Porto não diminuiu a sua adesão entre a militância do PSD, revelando-se também superior à do seus rivais quando comparados com António Costa. Dito de outro modo: o povo não quer saber. E um homem que pode muito bem ser primeiro-ministro no próximo mês possui as crenças democráticas de um abacate. Sendo otimista quanto aos abacates, claro.
Voltar ao poder a qualquer preço ‒ liderado seja por quem for, apoiado na Assembleia seja por quem for ‒ custará caro ao PSD. Após seis anos de acusações de radicalismo à cara do Partido Socialista, a oposição propõe-se ir a eleições com as seguintes hipóteses: ou perder, viabilizando a continuidade do PS, ou ganhar, tendo como primeiro-ministro um indivíduo radicalmente iliberal. O sentimento, no centro-direita, só pode ser de orfandade.
Acresce que todas as forças que poderiam contrabalançar Rio, caso a alternância de facto ocorra, não estarão lá para isso. O Presidente da República não terá a relação que o liga aos governos de Costa desde 2016. O CDS, natural parceiro de coligação, dificilmente conseguirá representatividade para integrar um executivo. O Chega, na hipótese de apoio parlamentar, não é propriamente um símbolo de bom-senso. O PS, perdendo as eleições, submergirá num tumulto idêntico ao vivido hoje na direita. E o próprio PSD, ainda albergue de personalidades democraticamente sérias, não mostra a mínima capacidade de desejar fazê-lo.
O fait-divers das listas de deputados ‒ fenómeno, suspeito, absolutamente irrelevante para o cidadão comum ‒ foi um exemplo disso. Rio fez a limpeza que havia prometido não fazer, sim, mas distritais como Lisboa e Porto apresentaram listas à direção do partido sem quaisquer apoiantes do presidente reeleito. Esperavam o quê? Aceitação? Tiveram o que mereceram.
No país não será diferente.
Sem razão, nem coração.
Colunista