Nem escândalos nem covid-19 são uma ameaça para teflon Rutte
A alcunha não é de agora, mas o primeiro-ministro neerlandês deverá provar mais uma vez, quando forem divulgados os resultados das eleições desta quarta-feira, porque é conhecido como "teflon Rutte". Tal como o material antiaderente, Mark Rutte tem conseguido sempre escapar ileso às crises e às críticas desde que chegou ao poder, em 2010. Agora, apesar do escândalo que o levou a demitir-se e a ficar como interino nos últimos dois meses e da contestação por causa das medidas para conter a covid-19, deverá conquistar uma vitória histórica.
"Nestes tempos de incerteza, as pessoas preferem escolher estabilidade, continuidade e experiência. Não deixas uma pessoa que nunca pilotou um Boeing voar pela primeira vez durante uma tempestade", disse o antigo conselheiro de Rutte, Jan Driessen, ao site Politico. E também não parece haver alguém desejoso de assumir os comandos. O primeiro-ministro deverá conseguir um quarto mandato, numas eleições onde a principal preocupação dos neerlandeses é a covid-19 - e não os temas de imigração ou de economia que dominaram os anteriores escrutínios.
As eleições surgem em plena pandemia, tendo o país de cerca de 17 milhões de habitantes registado cerca de 1,1 milhões de casos e 16 mil mortes. Por causa do coronavírus, o voto foi alargado, estando as urnas abertas desde segunda-feira para pessoas de maior risco.
Depois de inicialmente ter aplicado uma política menos restritiva para lidar com o novo coronavírus, Rutte endureceu as medidas e, em janeiro, o país aprovou o primeiro recolher obrigatório desde a II Guerra Mundial. Uma decisão que gerou protestos das ruas, os mais graves nos últimos 40 anos. Ainda no último domingo houve confrontos entre manifestantes e forças de segurança, que usaram canhões de água para dispersar uma manifestação em Haia. Apesar disso ou dos atrasos na vacinação, sondagens mostram que 77% dos neerlandeses apoiam a resposta de Rutte à pandemia.
O recolher obrigatório e o início dos protestos coincidiu com o rebentar do escândalo referente aos abonos de família nos Países Baixos. Uma comissão parlamentar concluiu que houve uma "injustiça sem precedentes" na forma como as autoridades tributárias acusaram, erradamente, milhares de famílias de receber indevidamente apoios entre 2013 e 2019. Ao exigir a devolução do dinheiro, levaram muitas dessas famílias à falência.
Por causa disso, o primeiro-ministro demitiu-se a dois meses das eleições, tendo ficado o seu governo a funcionar de forma interina. Ou seja, nada mudou. Os únicos a cair por causa do escândalo foram o líder do Partido do Trabalho, Lodewijk Asscher, que era ministro dos Assuntos Sociais quando o escândalo começou, e o ministro dos Assuntos Económicos e Política Climática, Eric Wiebes, na altura secretário de Estado das Finanças.
Segundo as sondagens, o liberal Partido Popular para a Liberdade e Democracia (VVD, na sigla original) deverá conquistar cerca de 25% das intenções de voto, e entre 34 e 38 deputados (atualmente tem 32). Em segundo lugar, surge o Partido pela Liberdade (PVV, extrema-direita), de Geert Wilders, que deverá ter entre 17 e 21 (tem 20) - conseguindo travar a tendência de queda que registou em 2019, quando perdeu quatro dos nove senadores que tinha e quase não entrava para o Parlamento Europeu (só o fez após a redistribuição de lugares, com a saída do Reino Unido).
Num Parlamento com 150 lugares, onde se sentam representantes de 13 partidos (há 37 a votos nestas eleições), será preciso esperar para ver que coligação será possível criar para governar. A aliança atual é de quatro partidos, incluindo o de Rutte, que só deixou claro que não se aliará a Wilders - entre 2010 e 2012, o partido anti-imigração apoiou o seu primeiro executivo.
O primeiro-ministro neerlandês será, depois da saída da chanceler Angela Merkel, o segundo líder europeu há mais tempo no cargo, atrás apenas do húngaro Viktor Orbán. E prometerá continuar a ser uma dor de cabeça para aqueles que, entre os 27, defendem uma maior integração política e económica. Os Países Baixos lideraram o grupo dos chamados "frugais" (que incluía Áustria, Dinamarca e Suécia), que se opuseram inicialmente a um plano de recuperação da União Europeia para responder à crise causada pela pandemia.