Negócio da 'comida religiosa' estagnado em Portugal
Comércio. No resto do mundo a alimentação 'halal' e 'kosher' está a crescer
Um frango 'halal' é 20% mais caro, mas há nichos de mercado entre muçulmanos e judeus
O negócio da "comida religiosa" em Portugal está estagnado, contrariando o forte crescimento que o sector alimentar halal e kosher tem a nível internacional, o que é explicado pela fraca expressão das comunidades muçulmana e judaica no País.
A aposta em produtos halal e kosher, ou seja, alimentos e outros produtos considerados apropriados para o consumo pela fé muçulmana e judaica, respectivamente, é um novo nicho de mercado que cresce em todo o mundo. Segundo dados internacionais, só o sector dos produtos halal já "abrange 1,8 mil milhões de consumidores muçulmanos em todo o mundo", gerando um lucro estimado em "1,3 milhões de milhões (de euros)".
Em Espanha, país onde vivem 1,5 milhões de muçulmanos e cerca de 40 mil judeus, várias empresas já identificaram o negócio com as religiões e apostam na produção e distribuição de produtos adaptados a estas confissões, um público fiel e disposto a pagar um valor extra.
Portugal não é excepção. Há empresas que apostam no sector, mas o mercado halal (termo árabe do Alcorão que significa "lícito" ou "permitido") está "actualmente estagnado", porque a comunidade muçulmana não "tem grande expressão no país [cerca de 40 mil] e não está a aumentar", explicou à agência Lusa Ismail Karolia, gerente de uma empresa sedeada em Odivelas e no Seixal, que há seis anos vende e distribui produtos halal.
"Além dos talhos tradicionais muçulmanos e alguns restaurantes, só há meia dúzia de empresas que opera neste sector. Como a procura continua a ser pouca, a aposta neste mercado também não tem sido muita", explicou Karolia.
Por sua vez, Haider Pestamgy, engenheiro de qualidade alimentar e investidor no conceito halal, afirmou que, tendo em conta o número de muçulmanos no País, "já se pode falar de um mercado significativo a nível da procura", considerando que este sector "pode ainda ser expandido".
Tanto Karolia como Pestamgy afirmam que o acesso aos produtos "permitidos" "ainda é difícil para muitos consumidores islâmicos", uma vez que são "exclusivamente vendidos no pequeno comércio e dentro da comunidade".
"A oferta existente ainda não é totalmente conhecida. O consumidor islâmico continua muito habituado ao conceito do talho tradicional muçulmano, sobretudo na compra de carne para cozinhar em casa", disse à Lusa Haider Pestamgy, sublinhando que "fora de casa, ou seja, ao nível da restauração e das possibilidades de compra destes produtos, a oferta não é muita".
Nesse sentido, explicou, os objectivos em Portugal passam por "aumentar a oferta de restauração", introduzir uma "certificação de produtos halal" - seguindo o exemplo espanhol e francês - e fazer com que esses "produtos, com selo de garantia, sejam vendidos em grandes superfícies", tornando-os "mais acessíveis e baratos". A comunidade islâmica "está a organizar-se nesse sentido. É a grande aposta. Mas é preciso encontrar o equilíbrio entre a produção em larga escala e o respeito pelo ritual islâmico", explicou.
A carne vendida nos talhos muçulmanos - que são pelo menos cinco nos arredores de Lisboa - é "ligeiramente mais cara", uma vez que o abate da carne segundo regras estipuladas pela lei islâmica (Sharía) - que a torna apropriada ao consumo - é "feito manualmente e é mais moroso do que o industrial".
"Um frango halal é cerca de 20% mais caro do que um frango normal. Nas outras carnes [menos a carne de porco, considerada impura], a diferença varia entre 30% e 40%", explicou Ismail Karolia, lembrando que os muçulmanos "pagam a diferença porque é uma questão de crença, mas também porque é mais saudável".
Situação algo diferente é a dos produtos kosher, que "já tem um canto específico numa grande superfície a operar no País", onde os judeus religiosos "podem comprar carne, queijos, e vinhos", e com a qual todos os anos existe "um acordo para a realização da encomenda prévia e personalizada de produtos", no âmbito das celebrações da Páscoa Judaica, segundo disse à Lusa a vice-presidente da Comunidade Israelita de Lisboa, Esther Mucznik.
A preparação da carne kosher, tal como na fé muçulmana, lembrou, tem de seguir certas regras. Esta só pode ser consumida se os animais forem mortos ritualmente por um especialista do abate ritual, o shohet: "Antigamente tínhamos um shohet nos matadouros portugueses, mas hoje é mais fácil importar carne de França ou Espanha", disse, sublinhando ver "com bons olhos o aumento da venda de produtos kosher nas grandes superfícies".