Negar ou ver a realidade dos números da pandemia?
Os negacionistas têm invadido as redes sociais e incentivado a comportamentos que me parecem irresponsáveis. Posso estar errada? Posso. Sou especialista em ciência ou em virologia, como alguns portugueses? Não. Admito que de ciência pouco sei, não é (ainda) a minha área de formação ou investigação. Mas confiar nos médicos foi algo que aprendi ao longo destas mais de quatro décadas de vida. Nunca me aconselharam mal.
O uso de máscara ou a desinfecção frequente das mãos, para enfrentar uma pandemia cujo vírus ataca o sistema respiratório, parece-me plausível. Usar máscara ou lavar as mãos não é obedecer cegamente aos governantes, aos políticos em geral ou à líder da DGS. São medidas preventivas e de bom senso para enfrentar uma das piores epidemias da história e que já matou mais de 1 milhão de pessoas no mundo.
Esta semana, também nas redes sociais, um médico grego desafiava os negacionistas a passarem um dia com ele nos cuidados intensivos de covid sem usarem máscara, para perceberem e sentirem na pele a gravidade da situação. Foi uma forma dura de chamar a atenção? Claramente. Mas em tempos de guerra não se limpam armas e também os apelos, as mensagens e os alertas devem ser de guerra.
Não vivemos tempos de paz. Vejamos: ontem Portugal bateu o recorde em número de novos casos de covid-19 e em internados nos cuidados intensivos. Morreram 40 pessoas num só dia. Já perdemos 2468 cidadãos em Portugal. Há 137 272 casos confirmados de covid-19 no país e mais de 57 mil ativos. É preciso escrever, ler e reler os números para acreditar na curva crescente, galopante.
Um médico português, de uma unidade de saúde do Norte, também teve necessidade de recorrer às redes sociais - onde estão muitos leitores, nomeadamente os jovens - para alertar para a gravidade da situação nos hospitais e, em particular, nos cuidados intensivos. "Isto vai rebentar. Isto vai doer e vai rebentar", disse.
Quando os próprios médicos, - que regra geral são discretos na sua forma de comunicar, até por respeito ao dever de sigilo profissional -, têm a necessidade de gritar ao mundo "protejam-se", algo vai mal, muito mal. Será preferível fazermos uma escuta ativa dos seus apelos ou sermos negacionistas e não darmos ouvidos aos médicos que, por sua livre iniciativa e sem ideologias à mistura, querem ajudar a travar o caos?
Na hora em que ler esta edição já poderão ser conhecidas as novas medidas restritivas anunciadas após o conselho de ministro extraordinário, marcado para de manhã. Em cima da mesa está a possibilidade de um recolher obrigatório e o alargamento das medidas restritivas a mais municípios de Paços de Ferreira, Felgueira, Lousada. Lá fora, vários países já foram mais longe nas medidas tomadas. Por cá, aguardemos... Uma coisa é certa: haverá um incentivo ao teletrabalho para manter as pessoas em casa mas sem parar as empresas. O país dificilmente aguenta um novo apagão económico. É importante que todos percebamos isso, para salvarmos vidas e empregos.
Jornalista