A incriminação do chamado "negacionismo" é uma estupidez e uma violência. Atinge a liberdade de pensamento e de expressão no seu próprio cerne e provoca uma inaceitável interferência da política sobre a História..Há sempre posições adversas quanto a qualquer ponto: umas de evidente má-fé, como a negação do Holocausto; outras, de deliberada vigarice sensacionalista, como a imputação do 11 de Setembro aos próprios americanos. E há outras em que a ideologia, a política e as mais desvairadas modalidades do politicamente correcto se dão as mãos para criar o mais pesado dos silêncios, ou, quando muito, para enveredar por atitudes mitigadas, em matéria de posições a tomar pelo Estado, como é o caso dos genocídios estalinista e maoísta, ou o dos que ocorreram no Cambodja e na ex-Jugoslávia, e ainda dos que têm ocorrido em África..Mas, se sabemos que é assim, nenhum desses aspectos é razão suficiente para se considerar crime a defesa de um ponto de vista oposto ou, sequer, diferente daquele que temos como incontestável. Pelo contrário: se tais atitudes podem (poderão?) envolver algum perigo social ou civilizacional, é preferível que sejam claramente identificadas e que se lhes contraponha um conjunto de provas irrefutáveis, como acontece com as relativas aos casos que acima mencionei..É por isso que a incriminação, pela Assembleia Nacional francesa, do chamado genocídio arménio imputado aos turcos é mais uma patética demonstração de que, em França, as conveniências de momento se sobrepõem à consideração séria dos problemas. A razão principal do novo dispositivo incriminador é subreptícia: trata-se de criar um mal-estar, a acrescer a vários outros, quanto à entrada da Turquia na União Europeia....Este problema não tem solução fácil, porque no seu enunciado se contrapõem dois aspectos de conciliação deveras complicada: o civilizacional, em que há incompatibilidades que não devem ser ignoradas (a despeito de grande parte do território da Turquia corresponder historicamente a uma fase matricial da civilização europeia...), e o geostratégico, em que há compatibilidades e vantagens que devem, necessariamente, pesar na balança. E há, para além da obrigação assumida pela Europa no pressuposto de que os critérios de adesão seriam cumpridos pela Turquia (o que levaria a que aquela devesse cumprir a sua palavra se tais pressupostos se verificassem), que ponderar seriamente se deve ou não ser inflectida a solução para um dos planos referidos, o civilizacional ou o geostratégico, com exclusão do outro, ou se ambos são conciliáveis de alguma forma..Com tudo isto, a incriminação do genocídio que os franceses querem adoptar só vem criar mais uma cortina de fumo e aumentar a confusão, contribuindo ao mesmo tempo para azedar a imagem que a Turquia tem da Europa, dado o peso da posição das Gálias no contexto da União....Mas se a França está possuída de tal vis incriminatória, podia e devia também preocupar-se com outros genocídios. Para já não falar do decorrente das guerras de religião entre católicos e huguenotes, sempre haveria que considerar o que se situa no momento fundador da França moderna, o genocídio da Vendeia em 1794. "La Vendée doit être un cimetière national", proclamava Turreau. E, entre homens, mulheres e crianças, foram exterminados 117 mil seres humanos, o que corresponde a um habitante em cada oito. Que se saiba, nenhum dos crimes da Revolução Francesa ou de Napoleão Bonaparte foi reconhecido como tal pelo Estado francês....Tão-pouco o foram os genocídios de sinal comunista (Estaline, Mao, Pol Pot e outros) que vitimaram dezenas e dezenas de milhões de criaturas..Em França, para além de um partido comunista muito forte, que suportou, quando não legitimou e aplaudiu sucessivamente, todos os crimes de Estaline pela prática do mais repugnante dos negacionismos, há também uma intelligentsia que se foi sucessivamente deixando fascinar pela aplicação da violência à concretização das ideologias mais desumanas de que há memória e que continua a ter um peso mediático muito forte..E agora, quanto a várias partes de África, culminando com o caso do Darfur, acontece o mesmo..Perante o genocídio à vista de todos, a França não se lembra de incriminar a atitude de quem se lembre de negá-lo. Talvez por não haver interesses norte-americanos em jogo. Ou talvez porque pode sempre haver algum bandido à frente de um Governo africano com quem interesse estar de boas relações...