NATO global e incerteza americana

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A mudança da centralidade económica mundial para a região da Ásia-Pacífico e para o sul da Ásia e a nova guerra fria entre os EUA e a China, levaram já os órgãos políticos americanos a assumir que a sua prioridade é, doravante, o "Indo-Pacífico".

No passado, seja aquando da invasão do Iraque a pretexto de inexistentes armas de destruição maciça, seja cavalgando outros pretextos, não raro sem fundamento na Carta das Nações Unidas, os EUA não sentiram necessidade de alargar o âmbito geográfico da NATO.

Nos últimos anos, para reforçar a sua presença militar na região do "Indo-Pacífico", os EUA forjaram novas alianças militares (Quad e AUKUS) com parceiros da região. No novo (2022) Conceito Estratégico da NATO, classificou-se pela primeira vez a China como uma das suas prioridades estratégicas, declarando-se que "a R. P. da China declarou ambições e políticas coercivas que desafiam os nossos interesses, segurança e valores". Uns parágrafos de críticas à China não significam a adoção da "NATO global".

A invasão e guerra na Ucrânia decorrentes da deriva imperial de Putin levaram os EUA a reforçar a sua presença militar na Europa. É neste pano de fundo histórico de ameaça militar russa que o governo americano vem pressionando os seus aliados europeus na NATO para que se juntem a si na Ásia nos esforços de "contenção militar da China". Mas os EUA sabem bem que os seus aliados europeus na NATO não podem envolver-se em palcos militares longínquos sem ter mandato específico para isso. E a opinião pública europeia não parece apoiar esse envolvimento.

CitaçãocitacaoA Aliança Atlântica tem enorme valia para a Europa, mas, a prazo, não é sábio estar totalmente dependente do aliado americano.esquerda

A Aliança Atlântica tem enorme valia para a Europa, mas, a prazo, não é sábio estar totalmente dependente do aliado americano. Por várias razões. A UE não aspira a ser uma superpotência militar. Enquanto os EUA são uma superpotência militar com presença militar global em todos os continentes e com 750 bases militares espalhadas pelo mundo - nenhum país europeu tem essa ambição. A UE não tem interesse em contribuir para a criação de um mundo bipolar, ainda por cima em ambiente de nova guerra fria; pelo contrário, é importante para a UE ser parte ativa num mundo multipolar.

Apesar da lição a retirar da interdependência económica com a Rússia, a situação não é igual em relação à China, nem a liderança chinesa parece poder incorrer numa deriva insana contra os interesses europeus, como sucedeu com a liderança russa recentemente.

As empresas europeias não querem perder as oportunidades existentes em novos mercados emergentes como o da China (e do sul da Ásia e do sudeste asiático). E a Europa não deve ficar dependente da cada vez mais incerta evolução política nos EUA, com dois campos políticos cada mês mais polarizados, não sendo de todo possível prever se o próximo Congresso e o próximo presidente americanos serão favoráveis à manutenção de uma relação privilegiada com a Europa ou se quererão regressar a uma política externa isolacionista.

Para a Europa, mister é priorizar a autonomia estratégica no plano da defesa e assumir que o reforço dos orçamentos militares dos países europeus - bem mais limitados que o dos EUA - é para ser utilizado na defesa europeia e no apoio à defesa de países amigos adjacentes (como a Ucrânia).

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