Natascha "aprendeu" a amar o seu raptor

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Natascha Kampusch não o reconhece mas os psicólogos afirmam que, a terem existido relações sexuais entre ela e o seu raptor, estamos perante um caso óbvio de abuso. A jovem austríaca, actualmente com 18 anos, foi raptada quando tinha apenas dez anos e viveu todo este tempo enclausurada, tendo como única companhia Wolfgang Priklopil, 26 anos mais velho do que ela.

À polícia, Natascha reconheceu que manteve relações com este homem e que estas foram consentidas. Um jornal alemão fala mesmo de uma possível gravidez. A polícia ainda não revelou mais pormenores, mas uma coisa parece certa: o consentimento não diz nada quando uma pessoa se encontra privada da sua liberdade e num estado emocional debilitado. "É claro que se trata de um abuso", afirma o psicólogo Rui Abrunhosa Gonçalves. "Os agressores sexuais de meno-res não fazem, normalmente, uma abordagem violenta. Vão seduzindo a vítima, conquistando a sua confiança, até consumarem o acto", explica. Daniel Cotrim, psicólogo da APAV, Associação Portuguesa de Apoio à Vítima, lembra que é importante saber em que idade ocorreram as relações mas duvida de que, mesmo que estas tenham acontecido recentemente, "elas tenham sido consentidas".

A aceitação e a desculpabilização fazem parte dos sintomas da síndrome de Estocolmo, sublinham os psicólogos. Natascha terá começado por se sentir grata por Priklopil não a ter morto. Depois, com o tempo, "aprendeu" a gostar daquele homem. "Acaba por ser uma vivência muito próxima, apesar de ter consciência de que perdeu a sua liberdade, ela estabeleceu uma ligação com ele e entende os seus motivos", explica Daniel Cotrim.

Especialista em psicologia da justiça, sobretudo no estudo da violência e das vítimas, Rui Abrunhosa Gonçalves acredita que, como quase todas as pessoas que são alvo de sequestro, Natascha terá utilizado a "resignação e aceitação da inevitabilidade da sua situação" como uma "estratégia de sobrevivência". Mas sempre à espera de uma oportunidade para tentar a fuga. Para este psicólogo, o facto de ela ter esperado o melhor momento para fugir revela que tem uma forte personalidade. "A grande questão aqui é como é que durante este tempo todo viveu esta rapariga e a que maus tratos é que foi submetida. Ela está perturbada mas estamos perante uma vítima resiliente. Conseguiu fugir e contar o que passou", diz. Também Daniel Cotrim sublinha esse facto: "Ela tinha consciência que não estava bem, senão não teria fugido."

Na carta que enviou aos jornalistas, Natascha confessou lamentar o suicídio do homem que, para o bem e para o mal, fazia parte da sua vida. Mas esclareceu: "Não chorei desde que fugi, não tenho motivos para estar triste." Está confusa. Perdeu o melhor amigo que era, ao mesmo tempo, o maior inimigo.

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