Natalie Portman e as desconcertantes forças do universo

Chega hoje à Netflix Aniquilação, título da Paramount, um dos mais provocadores filmes de ficção científica dos últimos tempos
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Já se percebeu: os filmes de Alex Garland são experiências sobre o espaço do imaginário da ficção científica. Em Ex Machina filmava a excentricidade do poder da inteligência artificial, em Aniquilação aborda a matéria de que somos feitos perante os mistérios do universo. O seu cinema, sempre alimentado por um sofisticado jogo lúdico, não quer descobrir a pólvora, mas põe-se em campo como um grande questionamento sobre o lugar da ficção científica no cinema atual, dando a volta à maneira como pensamos que os efeitos visuais devem ser usados. Garland é um autor e nesta adaptação do livro de Jeff VanderMeer impõe um estilo. Tal como em Ex Machina, há uma rigidez nos planos, uma abnegação quase sacrificial perante a música intensa e a fotografia estilizada. Um controlo estético que evoca Stanley Kubrick mas também a sugestão de abstração de um Jonathan Glazer.

Neste filme de aliens que não são bem aliens, Garland explora também noções de narração novas. De algum modo, estamos mais perto de uma instalação de arte (alguém já terá reparado nas semelhanças a Matthew Barney...) ou de uma performance, sempre sem o espectador ter direito a muitas pistas. Aqui estamos sempre um pouco à mercê do instinto de nos agarramos à dedução e confiarmos para onde o filme nos leva. Pelo caminho, vamos perdendo e ganhando o fio lógico (explicações só no fim). As próprias personagens centrais, todas mulheres, têm uma negociação com o abstrato muito sublinhada, quase em cintilante desplante com um organismo brechtiano. Apenas percebemos que a professora e militar de Natalie Portman junta-se a uma equipa de mulheres civis que embarca numa missão a uma área fechada onde se desenrolam estranhos efeitos sobrenaturais depois de um meteoro ou uma luz ter caído sob um farol. O que se passa nessa área indica a possibilidade de uma invisível força extraterrestre. Aos poucos (com muitos flashbacks), vamos percebendo que nessa possível invasão de uma força do outro mundo há uma mutação permanente na natureza, surgindo uma nova vegetação, animais geneticamente alterados e uma espécie de vírus que muda também os comportamentos dos humanos. As memórias e os traumas da personagem de Natalie Portman vão ainda jogar um importante papel nesta misteriosa jornada, em especial em torno do desaparecimento do seu marido, um militar que terá estado nesta área "infetada".

Obviamente, o espectador de Aniquilação terá desde cedo de submeter-se à regra de estar a ser levado para um território desconhecido. Um "desconforto" que faz parte do jogo. A narrativa obriga-nos a uma desorientação sem explicações que é tão psicológica como física. A certa altura, percebemos que há um efeito de duplicidade nas personagens. Esse é um dos charmes de um objeto capaz de referenciar como elementos do "medo" e de ameaça coisas como luzes coloridas, animais selvagens em mutação e pontuações sangrentas dignas do cinema de terror mais gore, como se Garland tivesse um prazer dos diabos a minar o género por dentro. Vai ser difícil tirarmos este filme da cabeça...

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