A Consoada é a refeição mais tradicional e apreciada da época natalícia, onde as famílias se reúnem, dentro do possível. Ainda é ali, sobretudo nas aldeias, que a ceia de Natal é uma festa, muitas vezes a continuar noite fora. É depois da tradicional missa do galo, à volta das enormes fogueiras que se acendem no largo principal, que se recordam pessoas, lembram-se os que já partiram, contam-se histórias, cantam-se músicas quase esquecidas, bebe-se vinho e comem-se petiscos.Na Consoada continua a ser o bacalhau o rei e senhor por todo o país, cozido com batatas, pencas e grelos, cebolas, cenouras e ovos, bem regado de azeite e vinagre, pitada de colorau (há quem acrescente pimenta) e alho. Em muitos locais junta-se-lhe o polvo e até a pescada, também cozidos. Há imensas variantes, que podem incluir arroz de polvo, bolinhos de bacalhau, bacalhau frito, bacalhau assado no forno e de muitas outras formas, que se foram enraizando e que as pessoas vão mantendo.Em casa de meus pais e de meus avós, punha-se a mesa na véspera de Natal para a noite de Consoada - só seria verdadeiramente levantada depois dos Reis (6 de Janeiro). Nos dias a seguir ao Natal consumiam-se os restos dos lautos repastos de 24 e 25. No dia 26, a mesa recebia a roupa velha, preparada com o que restou da bacalhoada - ainda hoje me pélo por este manjar, exageradamente regado de óptimo azeite - e as várias carnes que sobraram do almoço do dia de Natal. Era o galo assado, o peru, por vezes o capão, que íamos aquecendo ou mesmo comendo frio - recordo o sabor de uma sanduíche de regueifa, barrada de manteiga, com fêveras generosas de capão ou galo - era o cabrito assado (quando sobrava!). E o arroz de forno, que por vezes ainda sabia melhor aquecido. E terminava-se cada refeição, inevitavelmente, com uma canja de galinha bem quente. Depois, lá se petiscava a doçaria e os frutos secos - uvas passas, pinhões, nozes e figos eram os mais populares - mais o bolo-rei e o pão-de-ló, rabanadas, filhoses, leite-creme, aletria e arroz-doce. Tangerinas, laranjas, romãs, bananas da Madeira e ananás dos Açores corriam também pelos pratos..Tradição pagãO Natal começou por ser uma tradição pagã, em que se celebrava a natureza, agradecendo-lhe as colheitas de Verão e fazendo votos para colheitas fartas de Inverno. E era uma festa em família. Talvez por isso o almoço do dia 25 seja também tradição em muitos locais, principalmente nas cidades, onde as pessoas que na ceia não estiveram juntas, aproveitam para então estarem juntas à mesa a comer, beber e celebrar em família. As refeições diferem muito de região para região. No norte ainda se dá grande importância aos assados no forno - lombo de porco, vitela, anho e cabrito - mas acima de tudo aos galináceos, sendo o peru o mais tradicional e o capão o mais procurado por apreciadores, a carne macia e saborosa acariciada pelo calor forte dos fornos sempre acesos, um verdadeiro manjar de reis! Há quem opte pelo leitão e até quem não dispense um completo cozido à portuguesa...Além das tradições gastronómicas que marcam o Natal, há outras que têm origens remotas, e nos fazem regressar muitos séculos atrás. Uma delas é a da árvore de Natal, por tradição o pinheiro, que terá começado por volta do século VIII e se mantém até hoje. Mais tarde começaram a pendurar-se alguns presentes e a decorá-lo com enfeites vários - hoje dependendo do gosto e das possibilidades de cada um. Pinheiro de Natal junto do qual é também tradição colocar o presépio, simbolicamente lembrando o nascimento simples e humilde de Jesus Cristo: a criança na manjedoura, ladeada por seus pais, Maria e José, mais os animais do estábulo que lhe serviam de aquecimento, e os Reis Magos que traziam os presentes. Que pode ser de louça, de barro, de madeira e de uma parafernália imensa de materiais. Há mesmo belas peças de arte da autoria de escultores de renome, mas a tradição mantém-se até hoje em todo o mundo cristão.A tradição natalícia manda também que se troquem presentes entre familiares, o que se foi mantendo até hoje, mas começou, segundo se sabe, no século VII, embora a primeira loja especializada em presentes de Natal e Ano Novo só aparecesse no século XVIII, em França. E são as crianças as que mais beneficiam com esse costume, pois é uma festa dentro da festa poder vê-las na azáfama de abrir os presentes que lhes são destinados, tão desejados. .O que é nacional é bomPara o comércio em geral é uma época importante, talvez mesmo a mais importante em termos de vendas. Podia-se perfeitamente harmonizar essa necessidade de oferecer presentes com a procura de desenvolvimento do mercado português, tentando comprar e oferecer produtos nacionais, nossos, que os há com imensa qualidade em diversos sectores. A começar na roupa, no calçado, nas roupas de casa, nas loiças, talheres e utensílios de cozinha, nos brinquedos, até nos computadores e em jogos diversos, temos produtos nacionais bastante reconhecidos lá fora e a que por vezes não damos o devido valor. Na gastronomia e nas bebidas então a variedade é enorme, com produtos de qualidade para todos os gostos e bolsas.Antigamente, no Natal, mandava a tradição que, entre variados tipos de presentes, se oferecesse azeite e bacalhau, produtos muito apreciados e considerados nobres. E nossos, que fazem parte da nossa cultura e dos nossos costumes. Talvez fosse boa ideia retomar esta tradição, oferecendo bacalhau e azeite de grande qualidade, que os temos bem bons. E porque não juntar-lhes os queijos - Serra, Terrincho, Azeitão, Castelo Branco, Serpa, Ilhas... E os frutos secos portugueses: nozes, pinhões, amêndoas, avelãs, figos e uvas passas. Bananas da Madeira e ananás dos Açores não podem faltar. E, claro, vinho português, incluindo os grandes espumantes que por cá se produzem. Se apreciamos o que se faz lá por fora, então peguemos nos muitos exemplos de povos que mantêm as suas tradições nesta época e consomem e oferecem produtos das suas terras, com muito orgulho. Hoje, com a facilidade da internet, podemos rapidamente pesquisar e saber o que há, onde há e a que preços. E mesmo encomendar sem saír de casa, confortavelmente, até preguiçosamente! Pois não é muito melhor metermos pés ao caminho e visitar as lojas tradicionais e as pequenas feirinhas em busca do que pretendemos? E ir ao mercado - há lá alegria maior! - encher os pulmões com aquela profusão de aromas, banhar os olhos com o colorido das bancas bem recheadas e expostas e deliciar os ouvidos com os pregões populares a que não faltará um ou outro palavrão, dito com a simplicidade e calor das gentes do povo. Uma maravilha!Pena é que outra tradição, a do Pai Natal, se esteja a perder ou a abastardar. E que remonta há 1700 anos, tendo nascido na Ásia e depois viajado através do mundo, mudando de nome, de roupa e até de idioma, mas mantendo o mesmo espírito com que chegou até hoje, tendo-se fixado no norte da Europa, já vestido de vermelho e com enormes barbas brancas.É uma história de encantar, que poderia muito bem continuar a fazer parte do imaginário da criançada, desde que bem contada. Até eu me divirto quando a conto, com todos aqueles pormenores à volta das renas e do trenó, do velho de barbas e vestes compridas vermelhas que desce pelas chaminés e leva consolo e prazer a todas as crianças do mundo. Basta que entremos no mundo delas e as acompanhemos numa viagem plena de magia.Até a música é diferente na quadra natalícia. Ouve-se mais música dita erudita, música de encantar, música calma, muitos coros vocais, enfim, música que simboliza a paz e a harmonia entre os homens. Há músicas que, mal ouvidos os primeiros acordes, nos lembram logo o Natal. E a mais conhecida e famosa de todas é, sem dúvida, a música composta por um organista de igreja austríaco, baseada no poema «Noite Feliz», escrito por um padre, também austríaco, em meados do século XVIIII. Hoje traduzida em mais de 80 idiomas, quem é que nunca trauteou o Silent Night, Holly Night , (Noite Feliz, Noite de Paz)?!Eu, nesta época festiva, vou continuar a comer o bacalhauzinho com batatas, o capão e o peru, os frutos secos e o pão-de-ló, acompanhados de grandes vinhos brancos e tintos portugueses, de vinhos do Porto e da Madeira, ai não!Dia 24, pela noitinha, lá estarei à espera do Pai Natal...