"Não vou andar a arrastar-me só pelo nome, ainda me sinto muito bem"
Foi eleito o melhor jogador do mundo de futebol de praia pela quinta vez, depois de 2003, 2005, 2006 e 2015. Estava à espera ou foi apanhado de surpresa?
Para mim foi uma surpresa, inclusive comentei com a minha mulher que neste ano não devia ser para mim. Tinha uma preferência e tudo... A verdade é que não estava nada à espera, mas penso que teve grande peso o facto de Portugal dominar por completo neste ano, como se viu nos prémios. Foi mais um ano formidável para Portugal, também no futebol de praia.
Já marcou mais de mil golos na seleção e passou a ser o máximo goleador em mundiais...
[risos] É muito golo! Não me lembro de todos... Apesar de todos terem a sua importância, principalmente aqueles que ajudaram Portugal a vencer, guardo dois na minha memória para sempre. O que marquei em 2015 à Suíça e que valeu para sermos campeões do mundo. Mesmo depois, quando vi na televisão, fiquei a tentar perceber como fiz aquilo. O outro foi em Baku, ainda na fase de grupos. Ao assistir na televisão pensei: "Saiu na perfeição."
E que golo ainda falta marcar?
Um golo nos Jogos Olímpicos. Penso que o futebol de praia já merece ser modalidade olímpica e um golo nos Jogos seria lindo! É o golo que me falta marcar.
Tem quase 40 anos. Pensa no adeus?
Eu já pensei no adeus muitas vezes, mas depois... enquanto eu me sentir útil e as pessoas me fizerem sentir útil, nos clubes e na seleção, eu vou continuar. Assim que sentir que o corpo já não responde da mesma forma e sentir que já não sou uma mais-valia, vou ser o primeiro a abandonar. Não vou andar a arrastar-me só pelo nome. Mas, nesta altura, sinto-me muito bem.
Em 2013, foi operado à coluna e correu o risco de ter de acabar a carreira. Nessa altura, pensou que era o fim?
Por momentos, sim. Agradeço ao doutor Henrique Jones e ao doutor Nuno Cristino, e aos fisioterapeutas que me trataram, pela frontalidade que tiveram comigo; principalmente o Dr. Domingos, o neurocirurgião, que me disse: "Eu não te vou iludir ou enganar. Tens x por cento de hipóteses para continuar e x para acabar a carreira." E este x por cento para acabar a carreira era superior ao de continuar a jogar, mas eu agarrei-me aos x por cento que tinha para continuar a jogar. Graças a Deus encontrei bons profissionais que me ajudaram a recuperar em tempo recorde. Davam-me um tempo de paragem de quatro meses a um ano e eu em menos de quatro meses estava a competir. Nesse entretanto passou-me pela cabeça desistir, mas todas essas pessoas fizeram que lutasse pela minha recuperação e voltasse a jogar ao mais alto nível.
Não há muitas referências no futebol de praia mundial. Está preparado para ser uma delas?
Já começam a existir algumas. Estou nos primórdios do futebol de praia em Portugal e é aquilo que eu amo fazer. E quando fazemos as coisas com amor queremos que elas evoluam, melhorem. Eu quero ser recordado para sempre como um grande dinamizador da modalidade e vou seguramente ficar ligado ao futebol de praia, quando abandonar. Ainda não sei se através da FIFA - já sou instrutor FIFA - ou da Federação, ou através de uma empresa minha... não sei, mas ficarei ligado à modalidade de certeza.
E o Madjer tem referências?
O Bolt, o Michael Jordan e Cristiano Ronaldo. Gostaria da saber a chave do sucesso e longevidade deles...
E a longevidade do Madjer tem algum segredo?
Não sei se há segredos. Tenho sim algumas coisas em que me apoio para continuar. Uma delas é ter o apoio de uma família fantástica. Por vezes pensa-se no atleta como pessoa isolada e esquece-se quem está connosco todos os dias e nos apoia, mesmo nas ausências. Se estou feliz, não há dor ou derrota que não aguente. Depois tem a ver com o dom. E eu, pelo que me dizem [risos], nasci com esse dom, que aprimorei com muita entrega, trabalho e experiência. E quando trabalhamos com os melhores o nosso grau de exigência é tão grande que queremos manter-nos ao mesmo nível. Por vezes, quando tens 19/20 anos, estás tão bem fisicamente que achas que já não tens de trabalhar. Agora, é ao contrário, quanto mais velhos ficamos mais temos de trabalhar. E pelos vistos tem dado resultados.
Jogar com 30 e muitos graus, ao sol, não deve ser nada fácil... Que cuidados precisa um jogador de ter? Quantos litros de água bebe?
Bebo dois a 2,5 litros de água por dia, fora outras bebidas hidratantes. E como qualquer outro atleta temos de ter cuidados com a alimentação. No meu caso tenho uma parceria com uma marca que faz todo o plano ao nível da nutrição, e que é fantástico.
Ainda se lembra como começou a aventura do futebol de praia?
Jogava futebol de onze no Estoril Praia e depois no Estoril Atlético Clube, mas aos 17 anos tive um acidente de mota e fiquei dois anos parado (e com 80 pontos numa perna). Era a transição de júnior para sénior e dois anos é uma eternidade para ficar afastado do futebol. Um dia o Carlos Xavier [ex-futebolista do Sporting] convidou-me para jogar futebol de praia e eu confesso que não sabia nada disso, de jogar futebol descalço e em areia fofa. Na primeira semana disse que não, já estava com outros objetivos em vista, acabar os estudos e trabalhar... Ele insistiu, insistiu e eu acabei por lhe fazer a vontade e participar num torneio amador, em Carcavelos. Na altura o selecionador nacional era o João Barnabé e no final do torneio virou-se para mim e disse "ó miúdo, tens passaporte?" Eu disse que sim e ele atirou "então prepara-te, que vais integrar os treinos da seleção e viajar connosco para o Campeonato do Mundo". Uma coisa de loucos. Eu só dizia para mim mesmo "isto não é possível, eles devem estar enganados". Mas lá fui e desde então foi sempre em crescendo na seleção.
E quando começou a perceber que podia fazer disso profissão?
Eu jogava, estudava e trabalhava num bar ao mesmo tempo. Não tinha a certeza de que o futebol de praia ia dar como profissão, quando comecei em 1997. Só em 2000--2001 é que comecei a perceber que podia ser um profissional do futebol de praia, porque também percebi que a modalidade ia evoluir muito e ia deixar de ser um grupo de amigos que se junta para ir jogar nuns países que até têm sol. E aí comecei a ver que podia fazer vida disto.
Falando nisso, quanto ganha um jogador de futebol de praia?
Depende muito. Acho que deviam ser mais bem remunerados. Muita gente pensa que somos milionários [risos], mas nem pouco mais ou menos. Não vou entrar em valores, mas os que são bem remunerados dentro da realidade da modalidade conseguem ter uma vida boa.
Já foi campeão da Europa e do Mundo. Ainda há algo a conquistar com a seleção?
Sim. O Campeonato Mundial nas Bahamas, em 2017.
Quem é o melhor companheiro de estágio?
Tive muitos, mas o Alan foi o primeiro e o que mais tempo passou num quarto comigo [risos], antes da rotatividade. Partilhámos tanta coisa... Eu sou padrinho de casamento dele e ele chama mãe à minha mãe, é sem dúvida o melhor companheiro de quarto que já tive. Hoje em dia, com as redes sociais, os estágios acabam por não ser tão produtivos ao nível do convívio. É um mal geral, mas na seleção temos sempre uma sala de convívio e continuamos a jogar às cartas!
Depois de Madjer, Alan, Belchior... a modalidade tem pernas para andar? E com a mesma qualidade?
Eu espero que sim e acho que sim. Já tive a honra de partilhar o campo com jovens e novos valores, que cada vez mais se preocupam em vingar na profissão. Existe capacidade para manter a qualidade e a Federação também tem feito uma boa aposta na modalidade, ajudando a que apareçam novos talentos.
O que falta ao futebol de praia para ser modalidade olímpica?
Falta muitas federações apostarem no futebol de praia a 100%, como a de Portugal. As federações têm de fazer uma aposta forte no feminino, porque para ser modalidade olímpica tem de se ter os dois géneros a competir. E nós temos muitos homens e poucas mulheres a praticar. Há um caminho a percorrer. E Portugal pode ter um papel importante nessa missão, até pelas excelentes relações entre a Federação, a FIFA, a UEFA e o Comité Olímpico.
[citacao:Em Portugal não jogo em lado nenhum sem ser no Sporting]
Como foi parar ao Dubai?
Vim jogar para o Dubai em 2011, a convite de um treinador que foi selecionador português, o Marcelo Mendes. Convidou-me para jogar três meses no Dubai e eu, tendo em conta que a competição era numa altura em que os campeonatos na Europa estavam parados, aceitei. Depois foram-me dando outras condições e responsabilidades, na organização da equipa, que é uma coisa de que eu gosto, e fiquei.
Adaptou-se bem?
Ao início foi um pouco complicado. Tive algumas dificuldades, principalmente com a alimentação. Estava habituado à comida portuguesa e dieta mediterrânica, mas depois habituei-me. A cultura também é completamente diferente. Chegar às pessoas e elas ganharem confiança connosco não é fácil, não são como o português, que é acolhedor, abre a porta e gosta de conviver. Eles precisam de tempo, mas depois de te conhecerem e sentirem que podem confiar são impecáveis. Os dois primeiros anos não foram fáceis, mas a partir daí posso dizer que encontrei aqui uma família.
E nesses dois anos, quando tinha fome, o que o salvava?
Ter conhecimentos. Conhecer pessoas que sabiam onde havia sítios, lojas e até restaurante que tivessem condimentos portugueses. Por exemplo, não é que eu seja grande fã, mas encontrar carne de porco aqui é muito difícil. Mas se tivermos o contacto certo, torna-se simples. Outro exemplo: só o ano passado é que conseguimos sal grosso aqui, antes só havia sal refinado. Aos poucos, dentro da dieta deles, vamos encontrando uma alimentação parecida com a nossa.
E a vida no Dubai? É só luxo?
Eu já vi as duas realidades. Apesar de a pobreza aqui ser muito menor do que nos países dos trabalhadores das obras, há muita gente do Paquistão e Índia que vive em dificuldade, dez pessoas num T0 ou T1. Já vi passar as carrinhas com os trabalhadores das obras, em que eles vão encostados uns aos outros a dormir às 18.00... Mas também tenho noção que aqui toda a gente tem emprego e toda a gente trabalha. O sheik faz questão de não haver desempregados no país, o que é ótimo.
Além do Dubai, em 2016 o Madjer jogou em quantos campeonatos?
Portugal, Turquia e Itália. Eu jogo maioritariamente no Dubai. É um campeonato competitivo que dura cerca de oito meses, e não como muitos campeonatos em que se joga num fim de semama ou semana. Eu recebo muitos convites, mas fiz uma aposta no Dubai, onde se pretende fazer do jogador de futebol de praia um profissional...Além disso, estive na Turquia numa fase final, em Itália também. E em Portugal.
E o Sporting? Onde se encaixa e o que representa para Madjer?
O Sporting é o clube do coração, que eu amo, pelo qual sempre me lembro de sofrer... e sofri muito, como qualquer adepto. Agora sofro menos do que o meu filho. Passei-lhe esse amor. É um clube que vou amar para toda a vida, que já representei e vou representar sempre. Em Portugal não jogo em lado algum sem ser no Sporting.
O que falta para cimentar a modalidade em Portugal? O campeonato ainda é algo desconhecido e para os portugueses o futebol de praia é a seleção...
A Federação já criou um modelo competitivo, mas é preciso que as equipas nacionais invistam no futebol de praia. E falo no Benfica e FC Porto porque o Sporting já fez essa aposta. Eu, como sportinguista, já consegui meter o bichinho do futebol de praia aos responsáveis do clube há três anos, mas é importantíssimo as equipas grandes ficarem apaixonadas pelo futebol de praia e assim chamarem patrocinadores. Com os melhores clubes e os melhores jogadores é meio caminho andado para um campeonato nacional forte. E, se calhar, os jogadores deixariam de saltar de campeonato em campeonato e passariam a fazer carreira num clube e em Portugal. Isso seria o ideal.
E se isso dependesse de ver o Madjer no Benfica ou FC Porto. Se lhe fizesse um convite?
Nem pensar. O máximo que podia fazer era dar umas dicas e nada mais do que isso. Em Portugal só no Sporting.