Não votem com o coração, votem com a cabeça
1 - Considero as próximas eleições das mais importantes dos últimos tempos. Nas recentes autárquicas os protagonistas tiveram uma importância de destaque e o voto foi muito focado na escolha de pessoas. Nas próximas eleições legislativas, em Janeiro, as coisas mudam de figura, uma vez que o método de Hondt pode dificultar a eleição daqueles que mais gostaríamos de ver no Parlamento e no Governo.
Agora que estão "arrumadas as peças no tabuleiro", formadas as listas e conhecidas as estratégias eleitorais de cada partido, há que começar a perceber como devemos votar.
Em especial no Mundo Rural, o método de Hondt tem uma grande influência nos resultados finais, pelo que é bom que todos percebam as "regras do jogo" antes de colocarem a cruz no partido em que vão votar.
Quando digo Mundo Rural não me refiro apenas às zonas agrícolas, é muito mais que isso. Cidades do interior, como Santarém, Castelo Branco ou Beja (que poucos deputados elegem), são também Mundo Rural, e aí, votar nos partidos do nosso coração, sem atendermos à efetiva capacidade de elegermos quem gostaríamos, pode acabar por beneficiar aqueles que não desejamos eleger. Serão votos desperdiçados.
Pelo contrário, nas regiões metropolitanas como a grande Lisboa, Porto, Setúbal, Aveiro ou Braga, em suma, toda a região litoral onde se concentra a grande maioria da população, aí sim, podemos votar no partido da nossa preferência sem grandes ginásticas mentais.
Precisamos por isso de estar atentos, de conhecer as mensagens, de fazer perguntas e obter respostas. Votemos com a cabeça, minimizando os erros do passado recente que tanto prejudicam o mundo rural e particularmente os agricultores.
Por exemplo: já repararam nas consequências de as Florestas terem sido retiradas ao Ministério da Agricultura? O que defendem os futuros deputados sobre este enorme erro? Pretendem reverter, pretendem manter? E quanto à água? Devemos ou não precavermo-nos melhor quanto às alterações climáticas, olhando para a água como um recurso estratégico, cujo uso deve assentar em critérios científicos e técnicos, em vez de estarmos condicionados por posições ideológicas, as mais das vezes demagógicas? E os animais, deverão passar a ser, como alguns defendem, objectos de culto e veneração? Acabar com as vacas? Deixar de dar leite às crianças? Não estamos a confundir direitos dos animais com deveres dos humanos?
E o que dizer da passividade dos dirigentes do Ministério da Agricultura face à absurda ineficácia dos serviços, em especial na gestão dos fundos da Política Agrícola Comum? Não corremos o risco de implodir o Ministério da Agricultura, responsável por um dos setores fundamentais da economia, da gestão do território e da mais importante política comum da União Europeia? Pode aquele Ministério ficar reduzido a uma repartiçãozeca? Precisamos de respostas para estas e outras questões.
2 - Faço um apelo aos jovens para que votem, mas ponderem bem em quem votar. Oiçam e comparem as mensagens dos partidos. Não se abstenham, pensem em vocês e no vosso futuro.
Há uma acusação latente sobre os empresários, responsabilizando-os pela necessidade de vocês emigrarem para vingarem na vida. Eu pergunto. Não será o Estado, com a sua carga fiscal sobre as empresas e sobre as pessoas, mesmo os jovens, que está a cortar as vossas espectativas de futuro? Temos a geração mais qualificada de sempre, mas cá não encontram trabalho e por isso vão para fora onde são bem remunerados.
Dizem-nos querer que regressem e ajudem a desenvolver o País, por exemplo através do Programa Regressar, com uns benefícios fiscais regressivos durante cinco anos. Regressar? Regressar para ao fim desses cinco anos passarem a ser asfixiados com o mesmo garrote que retira capacidade de vida digna aos que cá estão? Ao fim de cinco anos é quando vocês, jovens, mais precisam de arrecadar o fruto do vosso trabalho. É o período dos filhos pequenos, de mudar de casa, de começar a investir ou criar poupança. Em vez disso terão de entregar ao Estado metade - ou mais - do que ganham. Aqui, pagarão os combustíveis e a energia mais cara, a educação mais débil, a saúde mais incerta. É isso que vos atrai? Não! Por isso é bom que também façam perguntas, que exijam respostas quanto, por exemplo, a uma efetiva baixa do IRS para todos. Para quando custos de contexto comparáveis ou mais favoráveis que nos outros países? É ou não desmesurado o peso que o Estado tem na economia e na sociedade e o que isso significa nas costas de todos nós, contribuintes?
E as empresas, permanentemente acusadas de pagarem salários baixos? Será sina, será teimosia ou masoquismo? Os empresários são os primeiros a desejarem pagar sustentadamente melhores salários. Para isso as empresas têm de poder reter os recursos fruto da riqueza produzida. Mas quem os arrecada primeiro? O Estado, através da enorme e pesada carga fiscal, direta e indireta, que absorve vorazmente a maior fatia, diminuindo capacidade de investimento, capitalização e subida de salários. Onde estão os verdadeiros incentivos à criação de mais empresas, crescimento das existentes e atração das melhores multinacionais para potenciarem o emprego dos nossos?
Para quando uma Justiça eficaz e célere? E a imperiosa desburocratização, capaz de fazer frente a uma teia desordenada de licenciamentos, regulamentos obsoletos, pareceres vinculativos absurdos, interpretações ao sabor do pensamento do momento?
São exemplos da ineficácia de um Estado que tem a Sociedade a trabalhar para ele, em vez de ser um Estado amigo dos cidadãos e das empresas. São elas o motor do país, delas depende o progresso colectivo e o crescimento do Produto. São as empresas que geram riqueza e trabalho. Até para que os salários da Função Pública sejam dignos e possam subir, o próprio Estado tem de mudar e reinventar-se, de diminuir e especializar-se para trabalhar melhor e atrair ele próprio os mais qualificados, deixando de ser o refúgio, ou a tábua de salvação, dos resignados.
3 - Apelo, por fim, aos cidadãos do mundo urbano para que reflitam sobre os impactos das vossas escolhas no que possa respeitar também ao mundo rural. Esse Mundo onde os que lá vivem e trabalham cuidam e produzem o que todos gostamos, seja a paisagem, o ar puro ou os produtos que pomos na mesa.
Dou como exemplo um cozido à portuguesa ou o bacalhau com todos, expoente máximo da ceia de Natal que se aproxima. Com excepção do bacalhau, tudo o que compõe esses pratos vem do mundo rural. As carnes e os enchidos, as couves, batatas, grão e cebolas, cenouras e arroz, ovos, azeite e vinagre, vinho e tudo o mais que venha depois. Venham ao campo ver como se produzem, estamos cá. Nada temos a esconder, pelo contrário, queremos desmanchar os mitos que se vêm montando contra o que cá fazemos.
O que é afinal a produção super-intensiva? O que é isso de gastar 4, 5, 6 ou 7 mil metros cúbicos de água na rega? O que é o bem-estar animal? Como se produz em estufa? Como se faz luta biológica para evitar ou diminuir o uso de fitofármacos? O que é isso de estarmos a "envenenar os solos"? É connosco que devem conversar, que cá estamos, que cá trabalhamos, que estudámos e continuamos a estudar para nos modernizarmos e abraçarmos as novas tecnologias. É mais fácil do que imaginam e seguramente serão melhor informados do que darem ouvidos aos que, na maioria das vezes, sem conhecimento de causa e imbuídos de ideologia, e até de raiva, no conforto das suas casas com vista para o mar, tudo sabem e tudo condenam, senhores incontestáveis da razão teórica, na defesa virtual de um mundo imaginário, sem economia, sem vida e sem nunca sujarem as mãos ou os pés.
O mundo urbano não é, nem pode ser, inimigo ou incompatível do mundo rural. Pelo contrário. Viver no mundo rural não é apenas uma opção de vida, é ser-se guardião de 80% do território, é assumir a responsabilidade de continuar o legado recebido ou conquistado, é elevar a nossa soberania e participar no progresso, é assegurar o futuro dos que nos seguirão, alimentando com orgulho o nosso ser Português.
Temos há demasiado tempo um modelo político a governar-nos que nos arrastou para a cauda da Europa e aí nos força a manter-nos. É tempo de vislumbrar um futuro melhor. Ele existe e é alcançável, mas com outras políticas e outros políticos.
Pelo nosso futuro, pela nossa vontade, por escolhas mais ponderadas, objetivas e pragmáticas, votemos com a cabeça... não com o coração!
Presidente da CAP - Confederação dos Agricultores de Portugal