"Não vemos riscos no curto prazo no novo rating"

"Tomámos a decisão de subir o rating incorporando já algumas das vulnerabilidades que ainda existem, como o elevado endividamento"
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Portugal é hoje um país diferente, diz Marko Mrsnik, o principal responsável pela decisão da Standard & Poor"s de retirar Portugal do nível de lixo. A agência de rating subiu a notação da dívida soberana da República de BB+ para BBB-, com uma perspetiva "estável" no dia 15 de setembro. Em entrevista ao DN/Dinheiro Vivo, o diretor de ratings soberanos da S&P e analista principal para Portugal, destaca o bom desempenho do país em termos de crescimento económico e redução do défice público. Mas também assinala os riscos e desafios que Portugal tem pela frente. Mas que não impediram que surpreendesse com uma subida de rating , que gerou ondas de otimismo em torno de Portugal nos mercados financeiros.

O que levou a S&P a subir o rating de Portugal de surpresa?

Os dados para o primeiro e segundo trimestres, foi basicamente isso que contribuiu para que nós reconsiderássemos uma subida do rating . Estávamos a prever um crescimento do produto interno bruto (PIB) de 1,6% para 2017 e é claro que existe uma melhoria marcada nas perspetivas económicas. Os dados apontam para um crescimento de 2,8%, o que é uma melhoria significativa. É certamente muito animador e levou a que subíssemos o rating. O governo tinha uma previsão de 1,8%. O segundo fator em que passámos a ter maior clareza foi sobre a consolidação orçamental. O défice de 1,5% do PIB será atingido.

Mas há outros factos que ajudaram?

Continuamos a ver melhorias nas condições de financiamento para Portugal nos mercados e também melhorias no mercado de trabalho, que nos levaram a acreditar que se justifica uma mudança de rating e não apenas uma alteração da perspetiva.

Mas o elevado nível de dívida pública e privada não o preocupa?

Tomámos a decisão incorporando já na nossa visão algumas das vulnerabilidades do país que ainda existem. Como o elevado endividamento do setor privado. O que estamos à espera é que a economia melhore em termos nominais e em termos reais, a sua trajetória é agora muito diferente do que a da nossa publicação em março. E isto é acompanhado pelo facto de o governo ter conseguido atingir metas do défice. Além disso, a trajetória do rácio de dívida pública face ao PIB está claramente em sentido descendente, embora ainda relativamente elevado. A realidade é que o custo médio da dívida existente continua a descer. Desde a primavera do ano passado, o Banco Central Europeu reduziu maciçamente a compra de dívida soberana portuguesa e vimos alguma subida nas taxas de juro. Mas os fundamentais da economia, os dados sobre emprego e o défice estão a melhorar e contribuíram para reduzir o custo do financiamento externo. O programa de programas de ativos do BCE vai ser reduzido mas esperamos que vá acontecer de forma suave, sem causar nenhuma disrupção, e que vá ser suportado por indicadores subjacentes, como a inflação e outros indicadores económicos. E, em Portugal, as despesas, até agora, têm estado sob controlo.

Como veriam, por exemplo, um aumento no salário mínimo em Portugal?

Em termos de salário mínimo, não esperamos que tenha um impacto na competitividade. Houve ganhos enormes na competitividade que podemos observar nas exportações. Isto tem de ser gerido face à produtividade e sobre o que significa para a criação de emprego.

E o setor financeiro português está mais positivo? A venda do Novo Banco ainda não foi concluída...

A banca não travou a melhoria do rating de Portugal. Há claramente desafios no setor bancário, não apenas nessa transação [venda do Novo Banco] também há desafios em termos de eficiência e rentabilidade. A situação melhorou em termos de estabilidade financeira. Também há a dependência do financiamento do BCE. Mas estes são elementos que estão integrados na nossa análise, a dimensão do fardo que pode representar para o Estado o sistema bancário. Também incorporámos responsabilidades contingentes.

Diria que Portugal é hoje um país diferente?

Sim. Portugal é hoje um país diferente. Responsabilidades contingentes anteriores já foram materializadas nas contas públicas, através de resgates, empréstimos ao Fundo de Resolução e capitalização da Caixa Geral de Depósitos. E claro que a consequência foi o reforço do sistema financeiro. O país virou a página da crise. Podemos dizer isso, apesar de continuar a haver desafios. As vulnerabilidades continuam lá. Problemas na dívida pública e privada e o setor bancário são temas que terão de ser enfrentados.

Pode voltar a descer o rating?

Claramente dizemos, ao atribuir uma perspetiva "estável", que não existem riscos para o rating no curto prazo, nem de subida nem de descida. O que poderia levar a uma descida do rating seria, por exemplo, um significativo decréscimo do crescimento económico ou a adoção de políticas pelo governo que forem contra a capacidade do país em aceder aos mercados financeiros. Ou significativos desvios ao caminho de consolidação orçamental.

E admite subir mais o rating?

Podia acontecer se forem preenchidas as condições que estão definidas: continuação de um crescimento económico mais elevado do que o previsto e uma maior consolidação orçamental. Mas não vejo o rácio da dívida pública a descer abaixo dos 100% do PIB no horizonte de curto prazo. Seja como for, há outros fatores que poderiam permitir uma subida de rating.

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