Fernando até tem medo de partilhar com o grupo como foram boas as últimas vezes em que esteve com o filho, de 17 anos, e como a relação com a filha, de 21, está melhor. Há oito anos que luta para estar com eles. Finalmente concretizou o desejo no início do ano. "Não sei porque é que se deu esta reviravolta, mas a verdade é que temos jantado, convivido." A ouvi-lo estão mais 12 pessoas que compreendem bem a sua história, pois já passaram ou estão a passar pelo mesmo. Festejam o reencontro de Fernando com os filhos. Aconselham: "Vai com calma, às vezes há retrocessos.".Este é o grupo de ajuda mútua de Lisboa, um dos seis da Associação Portuguesa para a Igualdade Parental e Direito dos Filhos, criado há oito anos para ajudar pais com conflitos parentais e que, por causa deles, ficaram afastados dos filhos . "São pais, mães, filhos adultos ou avós", descreve Sílvia Oliveira, vice-presidente da associação. "O que é dito aqui fica aqui." Compromisso assumido pelo DN, daí que todos os nomes da reportagem sejam fictícios, à exceção de Ricardo Simões (presidente da associação) e de Sílvia Oliveira, também eles envolvidos em conflitos parentais..Segundas-feiras à noite, de 15 em 15 dias, aqui se reúnem para ajudar mutuamente quem, ao separar-se da companheira ou do companheiro, se vê também obrigado a separar-se dos filhos. "Todos partilham um problema ou uma situação", refere o manual. Os grupos são liderados pelos próprios membros e têm autonomia. Muitos dos que aqui vêm são repetentes, alguns vêm pela primeira vez, há quem traga companheiras..Nesta segunda são 13 pessoas, incluindo Ricardo e Sílvia, os mediadores e facilitadores da discussão. Apenas quatro mulheres na sala, e duas acompanham os maridos. Aparentemente, este é um problema mais masculino, talvez porque num conflito pela guarda dos filhos quem fica com a criança dificulta a relação com o outro progenitor - e esse papel cabe, nos tribunais portugueses, normalmente à mãe. Há quem impeça esse contacto recorrendo a todos os meios, incluindo o judicial..Nunca desistir dos filhos.Ricardo Simões explica que a alienação parental não distingue género, mas a verdade é que atinge mais os pais, e há uma mudança na sociedade: "Há uma realidade que não podemos ignorar, os homens querem participar na vida social. Os pais estão a reivindicar o seu espaço e estão a encontrar muitos entraves.".Fernando anda há oito anos "atrás dos filhos". A separação até foi amistosa, ele e a ex-mulher acordaram a divisão das responsabilidades parentais. Mas a mãe das crianças não cumpriu o acordado. Ele recorreu aos tribunais e foi quando as coisas se complicaram verdadeiramente. A ex-mulher processou-o por violência doméstica, o que é também muito comum. Foi julgado e condenado, e no julgamento contribuiu o testemunho da filha contra ele..Na verdade, isto é um pouco contraditório, mas os tribunais parecem azedar mais as coisas e dificultar ainda mais a vida de quem só quer ver os filhos. Porque nesta sessão Fernando não é o único a constatar o agravamento das relações. Quando o acordo da partilha das responsabilidades parentais não é cumprido, quem assiste à sessão fica com a sensação de que os tribunais pouco podem fazer e que mais processos só azedam as relações. "Estou nisto há 12 anos, o foco é não haver conflitos entre o ex-casal, é prejudicial para a criança", salienta Ricardo Simões..Fernando concorda: "As dificuldades na relação com os meus filhos complicaram-se a partir do momento em que exigi o cumprimento do acordo. Depois, fui condenado por um crime que não cometi e os tribunais nunca me ajudaram, mas eu nunca desisti dos meus filhos", diz. Há dois anos, o tribunal concedeu-lhe três horas por mês para estar com o filho, embora diga que nunca eram três horas..A filha aproximou-se quando entrou na universidade e precisou de mais ajuda para pagar as contas. Hoje já lhe atende o telefone e até lhe apresentou o namorado. "Nunca desisti dos meus filhos e, no início do ano, as coisas mudaram. O meu filho mostrou-se mais disponível, fiquei mais tempo a conversar com ele ao portão, jantámos, propus inscrevê-lo no meu ginásio e ele aceitou. Estiveram os dois na minha casa", anuncia Fernando. Só falta o rapaz dormir em casa do pai. Tem medo de que "o sonho acabe de um dia para o outro"..Preocupa-o também o facto de alguns dos seus irmãos recusarem falar com a sobrinha, não a desculpam pelas "mentiras que disse em tribunal". E porque isto é um grupo de ajuda, um participante aconselha: "Têm de compreender que queres estar com ela. Os teus irmãos têm de aceitar isso e não podes confrontar os teus filhos com o resto da família.".Sílvia de Oliveira explica que "não podemos culpar os filhos pelo que fizeram, eles agiam sob pressão dos adultos. E até podiam acreditar no que diziam, no fundo também são vítimas". Ela própria tinha três filhos quando se separou. Durante sete anos nunca pôde estar com eles. Ia à escola para vê-los, mas eles ignoravam-na, passavam à sua frente como se ela não existisse. Sílvia ia chorar para o carro. Hoje tem a guarda partilhada dos filhos, família a que se juntou mais uma criança da atual relação..Também ela nunca desistiu dos filhos, e este é o primeiro conselho que a associação dá a quem a procura. Nunca perder o contacto com os filhos, nunca deixar de dar sinais de que há outro pai, enviando uma mensagem, um presente, ir à escola mesmo que seja para os ver ao longe. Independentemente dos processos judiciais, das acusações, até da violência verbal..Manuel divorciou-se em 2016, mais uma separação que começou bem e acabou mal. Tinha os fins de semana, as férias e sempre que quisesse podia ver os filhos, um casal de adolescentes. Mais tarde, propôs a guarda partilhada, o que a ex-companheira aceitou..Quando se preparavam para iniciar o novo regime, a filha começou a ter problemas na escola. Manuel atribui este comportamento "às coisas" que a mãe lhe terá dito sobre ele. Um dia foi buscar a filha à escola para jantar e ela não quis. Insistiu, meia hora depois tinha a polícia a acusá-lo de violência doméstica, num processo que envolveu a Comissão de Proteção de Crianças e Jovens em Risco..O processo foi arquivado, mas entretanto o tribunal anulou a guarda partilhada da filha, mas manteve-a em relação ao filho, por não ter encontrado motivos para alterar esse regime. A relação com o rapaz não é perfeita - arranja muitas vezes desculpas para não estar com o pai -, mas é uma relação. Recentemente, teve autorização para lanchar com a filha, na maioria das vezes na companhia da mãe ou de familiares desta. "Quando está só, corre bem, ela fala, ri-se", conta..Evitar o confronto.No último lanche, Manuel demonstrou à filha a mágoa que sente pelas acusações que ela fizera contra ele em tribunal. Disse-lhe que não percebeu porque o fez, uma vez que "eram mentiras". A adolescente levantou-se e foi-se embora. Manuel percebeu que deu passos atrás e vai ter de trabalhar para reconquistar a filha, até porque disso depende a relação com o filho. O rapaz muitas vezes pede-lhe para ir para casa da mãe mais cedo porque tem saudades da irmã..Mais uma vez, a sapiência e a experiência do grupo de autoajuda podiam ter-lhe sido útil. "Não fales nisso à tua filha, muito menos dizer-lhe que mentiu em tribunal. Achas que ela não sabe? Achas que não se sente culpada?", adverte Sílvia. Manuel justifica-se: "Estas coisas têm de ser faladas, para podermos seguir em frente." Ao que Sílvia responde: "Não, não têm, quantas vezes o dissemos. A conversa sobre a mentira é para ter muito mais tarde e, às vezes, nem é preciso. Durante muitos anos senti a necessidade de pôr tudo em pratos limpos em relação aos meus filhos, mas não o fiz e acabou por não ser preciso.".Está na sala a companheira de César, filha de pais separados e que confirma, com o seu exemplo, o que acaba de ser dito. Ela e o irmão foram afastados da mãe para viverem com uma tia paterna. "Sei bem o que isso é, o que diziam da minha mãe, arranjei uma estratégia para sobreviver. Quando a minha mãe me vinha buscar, eu dizia que não queria ir com ela, ia com cara triste até à esquina, passava a esquina, sabia que a minha tia já não estava a ver e desatava a correr para a minha mãe." Acabou por ir viver com a mãe, o irmão juntou-se-lhes mais tarde..César tem duas filhas de mães diferentes, uma de 13 anos e outra de 16. O problema é a visita à mais velha, de quem nem sequer tem o número de telemóvel. A situação piorou quando mãe e filha se mudaram de Lisboa para o centro do país. O pai queixa-se de que faz quilómetros para estar com a filha e nunca ficam a sós. Quer saber o que pode fazer. Dizem-lhe para convencer a mãe e a jovem, ou não há muito a fazer, até porque a filha está a atingir a maioridade..Na fase em que Manuel está, a corda está do lado da filha, o grupo diz-lhe que só tem de a acompanhar. "Não tens de dizer que o pai não é mau como lhe contam, tens de mostrar que não és aquele pai", aconselha Ana, que justifica: "A minha filha disse-me uma vez que tem medo de mim. Porque é que ela tem medo? O que é que lhe contaram? Não sei.".Ana é mãe de um casal, esteve sete anos sem eles, está na fase de reconciliação com a rapariga, de 19 anos; ele tem 21. "Estou com ela duas horas por semana, é ela quem dita as regras. Estou nervosa antes de a ver, fico nervosa depois de partir, sempre em sofrimento para que ela me aceite, mas felicíssima por poder estar com ela", descreve..Ana, o marido e os filhos constituíram uma "família maravilhosa durante 15 anos". "Quando eles atingiram a adolescência, o pai virou-os contra mim. Fui quase expulsa de casa, mas fiquei com a guarda partilhada. Ela tinha 12 anos e ele 15. O acordo não foi cumprido, estive sete anos sem os ver. Nunca desisti, mas cheguei a pensar nisso, quando lhes comprava presentes que pagava com muita dificuldade e que, se calhar, nem iam abrir. Há seis meses, a minha filha respondeu a um dos meus e-mails. Combinámos ir jantar. Propus-lhe um contacto continuado. Encontramo-nos duas horas de 15 em 15 dias.".Aconselha os outros pais: "Foi muito importante não perder este contacto. Nos primeiros tempos, chorava durante seis horas seguidas. Sobrevivi durante estes sete anos criando um escudo gigantesco, aos poucos fui perdendo esse escudo e ainda não tenho os meus filhos, tenho medo de voltar a ficar frágil." É com a filha de 19 anos que está a iniciar uma relação de mãe para filha. "Não sabia nada dela, aos poucos vou percebendo o que está a fazer e fico maravilhada. Mas ainda não há abraços e beijinhos, ainda não é o momento.".Filhos entre vários países.Daniel também é outro estreante no encontro. Tem raízes no Brasil, viveu na Alemanha, onde tem o filho de 9 anos. É neste triângulo geográfico que circula. Quer perceber como pode transformar os fins de semana alternados com o filho na Alemanha em dois fins de semana seguidos, reduzindo assim os custos das deslocações. Nas férias, gostaria de trazer o menino a Portugal, o que prevê ser difícil porque, até agora, a mãe exigiu acompanhar o filho nas viagens que fez ao Brasil, e isso foi validado pelo tribunal..Explicam-lhe que a associação não tem serviço jurídico e que as regras da Ordem dos Advogados impedem que aconselhem um advogado, ao contrário do que acontece com os psicólogos, por exemplo. Mas há duas redes europeias que podem ajudá-lo. "A nossa experiência é de que, se uma pessoa não for para o país onde está a criança, não a consegue trazer", adverte Ricardo..Daniel separou-se tinha o filho um ano e meio, "uma separação amigável", com guarda partilhada e o exercício comum das responsabilidades parentais. Deixou de o ser quando a criança atingiu os 3 anos. Houve muita discussão, acusações, palavras que não deviam ter sido ditas, reconhece Daniel, acordos rompidos, tribunais, até que estabeleceram um regime de visitas, mas as coisas não ficaram as mesmas..Ricardo Simões explica que ou há uma intervenção adequada de início ou, então, trata-se de "gerir os prejuízos". Sugere que o pai se aproxime do filho e estabeleça uma relação com a criança extra mãe. Daniel responde que "tem uma boa relação com o filho" e que não a quer estragar..Justiça ou ter uma relação de pais?.Pedro é novo na reunião e na condição de divorciado, separou-se há menos de um ano. Tem três filhos, dois rapazes e uma rapariga, o mais velho com 14 anos. Acabou com um casamento de 17 anos, que até então considerava satisfatório. "Não era bom mas também não era suficientemente mau para me separar. E o que mudou foi a minha atitude em relação ao casamento.".Separou-se sem conflitos ou acordos judiciais, aceitou estar com os filhos um fim de semana de 15 em 15 dias, programa de visitas que nunca foi cumprido. Às vezes, só consegue jantar com eles. Começa a receber e-mails à sexta-feira, dando conta das atividades dos adolescentes, o médico ou um jantar de família. "Não me casei com uma pessoa, casei com um clã", queixa-se. "O clã aparece com frequência. São pessoas muito boas a manipular", comenta Sílvia..A gota de água aconteceu no último fim de semana que deveria ser do Pedro. "Pensava que as coisas já não podiam piorar, enganei-me. Fui buscá-los e, quando estava com as portas do carro abertas para entrarem, a mãe vem com os três e a minha filha diz: 'Adeus pai, bom fim de semana.' Os rapazes não disseram nada. Até posso perceber que o que eles dizem não é necessariamente o que pensam, mas não deixa de ser uma dor alucinante." Até agora, só um dos rapazes ficou em casa do pai um fim de semana. Conta Pedro que o filho "adorou", mas esteve sempre a trocar mensagens com a irmã, a do meio, que, diz o pai, lidera os irmãos..Aconselham-no a concentrar-se na relação com os filhos, mostrando-lhes que não é o mau pai que descrevem em casa, a fomentar a relação com os dois rapazes, se não o consegue com a filha. Tentar um acordo das visitas, avaliar bem se quer ir para tribunal, já que a experiência é que as coisas podem piorar..Mais pais falam das suas experiências, muito idênticas, nem todos com as lutas bem escolhidas. Por exemplo fazer uma guerra porque a mãe pôs as crianças numa escola que o outro não escolheu. Ricardo Simões insiste numa contestação que serve para todos: "Muita gente fala na palavra justiça. O que tens de perguntar é o que é essencial para ti. É poder ser pai dela, poder vê-la, deixar que te conheça.".Mais informação sobre alienação parental pode ser obtida aqui. Ou aqui. Se está numa situação semelhante e precisa de ajuda, contacte.