Não sei quase nada

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Há um dia em que se deixa de fazer perguntas, de um dia para o outro. É o dia em que se morre um bocadinho. Sempre achei que as pessoas mais interessantes são aquelas que perguntam tudo e não as pessoas que sabem tudo. Saber tudo deve ser chato: fica-se a rebentar de coisas que se sabem sem saber o que fazer com elas. Fala-se com quem quando não há mais nada para saber? Há poucas coisas mais cativantes do que a curiosidade, os olhos brilham e aumentam quando se está curioso. As crianças são assim: querem saber e acham possível saber tudo. Tudo mesmo. Experimentem dar banho a uma criança de 3 ou 4 anos. O meu filho não sossegará enquanto não lhe explicarem de onde vem a água que sai da torneira, para onde vai e ainda o que acontece aos peixes que vivem nessa água enquanto ela vai ali lavar-lhe o cabelo e já vem. Que raio de pergunta é essa? Fico sempre sem palavras. Não sei quase nada das coisas que eles querem saber - nem de outras - e também não tenho o dom de imensas pessoas admiráveis que contam histórias nas resposta a perguntas e fazem dos canos e da água um conto enquanto dão banho. A minha mãe é assim. O encanto das crianças é quase só este: o porquê com os olhos a transbordar de curiosidade. Nós, que já crescemos, chamamos a isto inocência. Inocência, imaginem, como se inocência fosse querer saber. Não é: inocência é não ter culpa, só isso; querer saber é inteligência, é a esperteza de explorar a possibilidade de saber mais. Só as crianças e as pessoas inteligentes têm esse dom.

A curiosidade é uma forma de agradecer a vida, de querer viver: "Já que aqui estou vamos lá saber o que se passa." Fazem-me sorrir pessoas assim. Mas a maioria das pessoas quando cresce acha que aprender dá trabalho, e dá, por isso vê televisão. E deixa de fazer perguntas de um dia para o outro. Então porque é que as crianças não têm trabalho nenhum? No outro dia a Teresa do Pinhão, que é onde brinca e é educado o meu filho mais novo, tirou várias fotografias aos miúdos a olharam para uma minhoca que um deles tinha na mão. Eles passam a vida nisso, lá no Pinhão, a querer saber coisas, se não é a minhoca é uma flor ou a água do banho. Passar a manhã nisto, a ver uma minhoca a subir pela mão e depois segui-la no chão e ir pondo pauzinhos no caminho só para a chatear. Imaginam a maravilha daquilo? Sabem muito mais do que eu, estes miúdos; a última vez que liguei a borboletas foi em criança e alguém me disse que elas vivem apenas um mês. Um mês. Parece maldade: asas daquelas por apenas quatro semanas no máximo. E eu ainda me queixo.

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