Não, nunca
Um favor, a prestação de um serviço, uma ajuda para qualquer coisa? É raro que um interlocutor português responda negativamente a um pedido deste tipo. Dizer não, simplesmente não, poderia fazer dele um mal-educado. E ele não gostaria que interpretassem a recusa como falta de respeito. Na maioria das vezes não gosta de dizer não, simplesmente. Para a pergunta "posso encontrá-lo para falar sobre isso?" ou "pode vir até minha casa para resolver o problema da fuga de água?", o especialista ou a pessoa contactada responderá com um " volte a ligar-me" muito formal ou "não estou cá na próxima semana, veremos mais tarde". Fórmulas a priori adaptadas à situação. Mas aqui está. Insistimos em renovar o pedido, a reformulá-lo, a repetir... nada acontece. O interlocutor fica suspenso à espera de uma resposta "para breve". É normal porque ninguém lhe disse "não, não é possível". Ele continua confiante, sereno, paciente... afinal estamos no Sul, por isso, devemos adaptar-nos, levar em conta atrasos que podem estender-se no tempo. E, no entretanto, os pedidos vão sendo renovados.
Subtilmente, as coisas vão mudando. O telefone continua silencioso, os e-mails sem resposta e as secretárias envergonhadas respondem: o Dr. Paulo está nos Estados Unidos, a Dra. Helena está no Brasil. Ou doente, ou em reunião, ou noutro lugar qualquer. Nenhum sim ou não em resposta ao pedido urgente. Pensei durante muito tempo que era uma espécie de fuga para a frente e que os meus interlocutores se recusaram a admitir que não eram capazes de responder ou que não queriam. Na realidade, e isso é desconcertante, eles estão a implementar uma estratégia, essencialmente projetada para economizar tempo. Nesta fase, o Dr. Paulo ou a Dra. Helena realmente não sabem o que responder à minha pergunta. Mas, ao contrário de um francês, por exemplo, Paulo e Helena estão convencidos de que encontrarão a solução e que poderão responder sim. Às vezes, Paulo e Helena estão realmente nos Estados Unidos ou numa reunião, não podemos culpá-los por não fazer nada. E até que estejam disponíveis nada acontece. Porque sem uma resposta negativa quem solicita o serviço não tem hipótese de ir à procura de uma alternativa, de um outro fornecedor ou outro interlocutor. O tempo para, o plano B continua à espera. E, deve-se admitir, o estrangeiro começa a ficar à beira de um ataque de nervos.
E, em seguida, muitas vezes, sim, sim, muitas vezes, o português regressa com A solução, A resolução do problema, A peça que faltava, O algoritmo milagroso! Simplesmente usou o seu talento especial, o "desenrascanço"! E, milagre, funciona! Porque enquanto acreditávamos que são indiferentes, distantes ou muito ocupados, os Paulos e Helenas do país estão à procura da melhor maneira de responder ao nosso pedido. Os franceses usam a palavra débrouiller, que como "desenrascar" começa com "D", sinal de uma latinidade partilhada. Mas em Portugal o "desenrascanço" foi elevado ao nível de uma arte, eu diria que é uma segunda natureza. Sempre limitado pelo número - não podemos esquecer que na época das caravelas, no século XV, havia apenas um milhão de portugueses no território -, os cidadãos portugueses aprenderam rapidamente a arte do débrouille (a começar pela engenhosidade das próprias naus, esses barcos sólidos e feios, capazes de levar os navegadores até ao outro lado do mundo).Há quem não goste da palavra, que muitas vezes evoca bricolage e improvisação. Mas que talento! Que engenho! O diretor de uma empresa portuguesa de cerâmica de luxo confidenciou-me recentemente que o principal trunfo do português é a criatividade e a tenacidade. Gostam de enfrentar desafios, procurar a solução, enquanto noutros países se desistiria perante as dificuldades e os custos. Os engenheiros são brilhantes, adoram procurar soluções, dizia o industrial.
Um primeiro-ministro disse há alguns anos: "Lisboa é provavelmente a cidade mais africana da União Europeia." Não posso garantir que fosse disto que ele falava, mas a arte do "desenrascanço" encontra-se nos países do Norte de África, onde as pessoas acostumadas a viver com pouco sabem sempre como resolver um problema: com um pedaço de corda, um contacto, uma habilidade. A semelhança da abordagem frente às dificuldades é impressionante. Chega até ao sentido do compromisso: nunca um português ou um marroquino falhará diante da palavra dada. Faça um português dar-lhe a sua palavra de honra e nunca ficará desapontado.
De vez em quanto, gostaríamos que dissessem não. Simplesmente não. Para seguirmos em frente.
* correspondente da Radio France Internationale