"Não lutamos só por direitos constituicionais, mas pelo direito de existir" - Líder indígena do Brasil

Brasília, 24 abr 2019 (Lusa) - A coordenadora da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil, Sonia Guajajara, afirmou na quarta-feira, em Brasília, que os povos nativos não lutam "somente por direitos constitucionais, mas pelo direito de exisitir", numa crítica ao Presidente do país, Jair Bolsonaro.
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"Nós lutamos não somente pelos nossos direitos constitucionais, nós estamos a lutar pelo nosso direito de existir. (...) Quando Bolsonaro tira a responsabilidade da demarcação das terras indígenas e do licenciamento ambiental da Fundação Nacional do Índio (Funai) e entrega ao Ministério da Agricultura, mais uma vez ele entrega a nossa vida nas mãos dos ruralistas [proprietários de terras], porque esse é o ministério do agronegócio", afirmou a líder indígena, durante uma conferência de imprensa, num acampamento indígena.

Cerca de quatro mil indígenas das cinco regiões do Brasil estão a participar desde quarta-feira no Acampamento Terra Livre, na capital brasileira. A iniciativa termina na sexta-feira.

Nesta que é a sua 15.ª edição, a maior assembleia indígena do Brasil tem como principal propósito reivindicar o direito à terra e o direito de viverem de acordo com o seu modo de vida tradicional.

Sonia Guajajara declarou que os povos indígenas encontram-se atualmente sob um "ataque articulado entre os três poderes" do Estado brasileiro, mas que também foram atacados no passado, na época dos Descobrimentos, em 1500.

"O mundo hoje está de olho nos povos indígenas, porque nós estamos sob esse ataque articulado entre os três poderes da União. Nós somos os primeiros a ser atacados desde o primeiro dia de 2019 [data em que Bolsonaro tomou posse], mas nós somos também os primeiros a ser atacados desde 1500", frisou Guajajara, numa referência à época da descoberta do Brasil pelos portugueses.

O representante do povo Tupi Guarani, Cacique Darã, afirmou aos jornalistas que os líderes indígenas chegaram a Brasília na madrugada de quarta-feira, por volta das 04:00 locais (08:00 em Lisboa), para começarem a montar as tendas do acampamento e que foram recebidos por forças de segurança do Governo, com o intuito de "intimidar" aqueles povos.

"Quando chegámos aqui, em frente ao Senado, na Esplanada dos Ministérios, fomos recebidos logo depois por várias viaturas, autocarros, cavalaria e helicóptero. (...) Esse Governo está hoje no poder, tentando intimidar a população indígena, mas o nosso povo é guerreiro e sofre ameaças desde 1500", reforçou Cacique Darã.

Na semana passada, o ministro da Justiça do Brasil, Sérgio Moro, autorizou a convocação de agentes da Força Nacional de Segurança Pública para a preservação da ordem durante o protesto indígena.

A autorização atendeu a um pedido do ministro do Gabinete de Segurança Institucional, general Augusto Heleno, que pediu proteção especial na Esplanada dos Ministério e na Praça dos Três Poderes, onde estão o parlamento e a sede do Governo brasileiro, temendo a possibilidade de distúrbios.

No entanto, apesar da convocação de agentes das forças de segurança para o acampamento, a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil garantiu que as atividades agendadas irão decorrer de forma pacífica.

"O nosso acampamento acontece há mais de 15 anos, sempre com caráter pacífico, procurando dar visibilidade às nossas lutas quotidianas, sempre invisibilizado pelos poderosos. Se é do interesse do general Augusto Heleno desencorajar o uso da violência, que ocupe os latifúndios que avançam sobre os nossos territórios e matam os nossos parentes", frisou aquela organização indígena em comunicado partilhado na sua página da internet.

A Brasília deslocaram-se também membros da Aliança de Povos e Florestas, de países como Honduras, Guatemala e Panamá, para participar neste acampamento em solidariedade pelos povos indígenas brasileiros.

"Também somos indígenas da América Latina, por isso estamos solidários com eles [brasileiros], para que o povo indígena do Brasil possa obter os seus direitos que legalmente e ancestralmente conseguiram, como o direito ao território, o direito aos seus recursos naturais (...) e o Governo tem de respeitar esses documentos e esses convénios que são reais", disse à agência Lusa Cándida Derek, representante hondurenha desta aliança.

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