Não lhe chamem Mr. Bean!

Dias depois de ter sobrevivido a mais um aparatoso acidente de automóvel, Rowan Atkinson recebeu a nm para uma conversa para promover o seu novo filme, <i>O Regresso de Johnny English, </i>com estreia marcada para o próximo dia 6. Ficámos a conhecer um actor que diz que não é humorista e que raramente sorri. Mas quem é rezingão assim tem piada, muita... Só não o confundam com Mr. Bean...
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Atkinson, Rowan Atkinson. Não, este actor lendário da comédia britânica não quer ser 007 nem sedutor como um agente secreto. À nossa frente está um homem de meia-idade, com rosto azedo, expressão de poucos amigos e uma mensagem bem explícita: fora do ecrã nunca gosta de ser divertido. Num discreto hotel de Londres, recebe a imprensa internacional como dever da promoção de O Regresso de Johnny English, comédia de Oliver Parker que dá sequência à primeira aventura deste agente secreto inglês. Dever é a palavra certa: Atkinson, dias antes, tinha sido hospitalizado na sequência de um brutal acidente de viação num dos seus muitos carros de velocidade. Não foi a primeira vez e desta até ficou com um braço ao peito em virtude de um traumatismo no ombro. Apesar da situação, mesmo sem sorrisos de qualquer espécie, tem uma presença digna de um cavalheiro inglês: muito bem composto, com uns fios brancos no cabelo que lembram George Clooney e um discurso articulado. A dada altura, torna-se fácil levar a sério aquele homem com o rosto de Mr. Bean, a personagem pela qual ainda hoje é mais reconhecido. Mr. Bean da série que ainda é exibida em repetições sucessivas nas televisões de todo o mundo e que gerou dois filmes financiados com orçamentos de Hollywood. Por outro lado, é um daqueles bonecos que aprisionam um actor. E tem consciência disso: «Claro que quando vou na rua ainda hoje me chamam Mr. Bean. Tendo a perdoar mais as crianças quando isso acontece... Sabe, na verdade, não tenho nada daquele homem... Se as pessoas ainda só se lembram de mim como Mr. Bean, pronto! Paciência! É natural.» Com um ar menos perturbado, arruma a questão Bean: «Duvido que volte a interpretar Mr. Bean. Porquê? Porque sempre o vi como um boneco que nunca envelhece. Ele nunca pode ter mais de 45 anos e eu já tenho mais idade... Prefiro nunca mais regressar a ele. Porém, nunca devemos dizer nunca.» Insistimos: poderá uma nova geração conhecer outro actor a fazer de Mr. Bean? «Nunca pensei nessa possibilidade. É uma personagem muito complicada de criar, com particularidades muito específicas... Suponho que era mais fácil um outro actor fazer Johnny English. Se aparecer aí um comediante muito talentoso o melhor é criar uma personagem completamente nova, nem que seja o filho de Mr. Bean...»

Obviamente, Mr. Bean foi uma galinha de ovos de ouro para o actor. Mesmo apesar do tal aprisionamento de persona, Atkinson ficou milionário com essa criação. Durante décadas, o dinheiro foi sempre entrando em grande quantidade. Agora, a tentativa com este agente secreto que é a caricatura de James Bond é a mesma. Depois de em 2003 o primeiro Johnny English ter facturado bem nas bilheteiras internacionais, era uma questão de tempo a sequela. De algum modo, o actor vê nesta personagem uma nova galinha de ovos de ouro. Desta vez, o filme começa quando English regressa a Inglaterra depois de um retiro num convento de monges tibetanos após uma missão em Moçambique que deu para o torto. Agora, é um novo homem depois de um treino físico e mental que o aproximaram de um estado zen sagrado. «É um homem com mais ambição do que perícia. Ele pensa que é um bom espião e claro que não é! Mas antes de mais nada é uma boa pessoa, bem ao contrário de Mr. Bean, que era uma criança. Penso mesmo que tem bom coração, pena é ser muito convencido. Enfim, um tipo porreiro para companhia num jantar. Volto a dizer, mesmo o oposto dessa criança egoísta chamada Mr. Bean.» Descrição feita por alguém que parece mesmo ter prazer em interpretar este agente que, na essência, já era uma espécie de fotocópia de Austin Powers com uns pozinhos de Peter Sellers em A Pantera Cor-de-Rosa. Para brincar com 007 vale tudo. Fica a dúvida se, por vezes, não será complicado deixar de fora os maneirismos de Bean... «Não tenho problema nenhum em passar de uma personagem para a outra, por muito que haja uma ou outra expressão idêntica. Não é de esperar que alguém consiga criar um ser humano completamente diferente do outro. Distingo-os bem.»

Lenda do humor

Conhecido por ser um homem bastante reservado e com um código de trabalho muito sério, Rowan Atkinson não gosta de aparecer muito. Tem mesmo o princípio de recusar a maioria das propostas que lhe chegam. Se virmos bem, à parte os dois filmes de Mr. Bean e agora estes Johnny English, a sua presença em cinema é muito rara. Teve o mérito de escolher bons papéis secundários. Em Quatro Casamentos e Um Funeral era um padre que dava nas vistas e em O Amor Acontece tinha realmente piada como vendedor de jóias. De resto, presença sofrível em Scooby-Doo, projecto aceite sobretudo para pagar contas, e em Está Tudo Louco!, tentativa de recuperar o espírito de comédias dos anos 1980 como A Mais Louca Corrida do Mundo. Pelo meio, passou despercebido em Uma Família dos Diabos, um flop britânico de 2005, em que contracenava com um valioso ensemble onde pontificavam Maggie Smith, Kristin Scott Thomas e o falecido Patrick Swayze. Mais uma vez, interpretava um elemento do clero, um vigário com problemas familiares. Seja como for, Atkinson tornou-se lenda do humor em televisão graças à série Black Adder, uma hilariante revisão da história real britânica que se estendeu durante toda a década de oitenta. Um clássico da BBC que era pródigo em humor politicamente incorrecto e que permitiu a Atkinson fazer várias personagens com registos antagónicos. Além dele, a série revelou outros pesos-pesados da comédia inglesa como Hugh Laurie ou Stephen Fry. Depois, em 1990, veio o fenómeno Mr. Bean, uma criação inteiramente sua. Oficialmente, tornava-se o homem mais hilariante do Reino Unido. Mas fora das personagens nunca quis ser espirituoso ou mesmo divertido. Aos poucos foi mesmo cultivando uma imagem de senhor antipático. «Sou um actor, muito mais do que um humorista. Não sinto que seja muito divertido. Não sinto necessidade de ser divertido. Sou como sou, nunca finjo nada...», esclarece. Para descansar ou se libertar de Mr. Bean, criou A Bela Farda Azul, uma sitcom que parodiava a polícia inglesa. Só durou um ano - estava já refém de Mr. Bean.

Quando se despede, fala do tema do dia - a entrevista foi feita durante os motins de Londres. A cidade parece estar em estado de emergência e o colapso da ordem civilizacional britânica é tópico de conversa, mas Atkinson não tem medo da controvérsia: «Acho que se pode fazer humor com os motins. Se calhar, uns dias depois de isto acalmar até será melhor... Por muito grande que seja a tragédia há sempre piadas que surgem. O truque é conferir um ângulo ou uma perspectiva diferente. Por exemplo, o tipo que está a roubar engana-se e percebe que não é essa a loja que quer pilhar...»

Acelera

«Toda a gente sabe: gosto de carros. E em O Regresso de Johnny English quis que houvesse um carro como protagonista. Escolhi um Rolls Royce porque o James Bond já tornou batida a rotina dos Aston Martin, além de que no primeiro Johnny English já os usámos... Ao longo dos anos, adquiri um fascínio pela marca. Felizmente, deram-nos um modelo com um motor V16. É incrível!», começa por dizer quando o tema deriva para a sua paixão. Rowan Atkinson é corredor em provas de velocidade e é conhecido por coleccionar carros vintage, em especial Aston Martin. Por outro lado, aparece muito na imprensa quando os despedaça em acidentes. Não há muito tempo destruiu o seu MacLaren Fórmula 1, um dos carros mais caros do mundo. Dias antes da entrevista embateu numa árvore e destruiu mais um carro, tendo desta vez sido hospitalizado e deslocado o ombro. Ainda assim, vai continuar a pilotar carros antigos de alta velocidade em provas internacionais, entre as quais a Aston Martin Owners Series.

Esta paixão por motores começou cedo e quando foi para a universidade, em Oxford, escolheu o curso de Engenharia Electrónica. Um apaixonado tão grande que levou a prestigiada revista Car a convidá-lo para ser colunista. Agora, está muito entusiasmado: para promover O Regresso de Johnny English, a Universal Pictures quer que ele e o Rolls Royce do filme façam uma tournée por vários países. «Só tenho pena de que não me tenham oferecido o carro no fim. Sinto que se este carro for um dia comercializado serei um dos primeiros a comprá-lo!», diz com um ar muito sério. E a verdade é que o Rolls Royce especial oferece os melhores momentos de humor a O Regresso de Johnny English...

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