Não, Hillary e Trump não estão um para o outro...

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Esta campanha extraordinária também o foi por ter feito, por cá, despontar uma tendência perigosa. "Hillary ou Trump? Estão um para o outro...", dizem alguns da direita moderada. Se por um acaso o duelo americano fosse entre o anterior candidato conservador Mitt Romney e um provocador esquerdista antidemocrático, haveria também certamente quem, na esquerda moderada, dissesse: "Um ou outro, a América vai escolher um mau presidente." Há uma falta de cultura democrática que impede de ver, no outro bordo que não é o do costume, a vantagem de ser, em certas circunstâncias históricas, a única decente. O mais longe que se vai nesse enfeudamento esquerda-direita é fingir que é tudo igual.

Quis o destino que, neste ano, o comprovadamente perigoso fosse o mais à direita. E logo apareceu, nessa área, quem se deixasse ofuscar por tentações. "Hillary ou Trump? Escolha igual, entre dois males menores..." Ora, não é assim. Donald Trump não é um mal menor, como a falta de vergonha dele fez o favor de nos mostrar e voltar a mostrar, durante um ano de primárias e presidenciais. "Eu não sabia", pode dizer-se sobre muitos políticos mas não deste boquirroto que diz, faz e diz que faz tudo o que lhe passa sem travões pela cabeça perigosa. Dizer que ele é igual aos dez últimos presidentes americanos (que é esse o patamar de Hillary Clinton, que a ser alguma coisa é superior a essa média) é uma desfaçatez que se percebe mal em moderados. Como se perceberia mal, repito, na provável mesma reação do lado oposto.

Em 2002, o nosso embaixador em Paris, António Monteiro, teve a coragem cívica de ter ido ao comício final da campanha eleitoral de Jacques Chirac, de direita. Não o faria se Chirac disputasse com outro candidato democrata, por exemplo, o socialista Lionel Jospin ou o centrista François Bayrou. Mas a alternativa era Jean-Marie Le Pen, do não democrático Front National - e aquela eleição jogava-se num todo, a União Europeia, onde estávamos inseridos. Há circunstâncias em que não pode ser "nem um nem outro", porque um, mesmo diferente das nossas opiniões, é dos nossos, e o outro choca o ovo da serpente.

O que o embaixador Monteiro fez, apesar de nesse caso a decisão exigir cautela suplementar pelo melindre diplomático, algumas opiniões de direita não o fizeram agora sobre as presidenciais nos EUA. Claro que esse lavar as mãos, por cá, sustentando uma equivalência falsa entre os dois candidatos, não teve nenhuma importância para a campanha que agora termina, lá. Mas, para cá, é um indício grave. Tanta cegueira sobre o evidente mal (e Trump é evidente e mau) avisa-nos sobre a facilidade de um trumpismo nacional. Se para longe e sem consequências se calou a voz, quando cá chegar um sucedâneo português racista, sexista e sem compaixão pelos mais fracos - e gabando-se, porque Trump desbravou caminho -, já ficámos a saber que haverá intelectuais e políticos capazes de lhe emprestar a opinião. Meio passo já o deram agora.

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