A invasão da Ucrânia pela Rússia mudou a forma como a Alemanha vê o seu papel no mundo? Definitivamente sim. A Alemanha foi apanhada em contrapé. Muitas suposições sobre a política da Rússia em anos anteriores tornaram-se brutalmente falsas. Mas o Governo, de início, soube reagir muito rapidamente. Três dias após a invasão, o Bundestag reuniu-se para uma sessão especial e o chanceler declarou uma Zeitenwende, um ponto de viragem em vários aspetos. A Alemanha passou a estar disposta a fornecer armas a uma zona de guerra, e a querer gastar no futuro mais de 2% do seu PIB na Defesa a tornar-se independente da energia russa. No entanto, existem agora razões para duvidar da consistência deste repensar na Alemanha..Ficou surpreendido com a falta de reação negativa noutros países europeus ao anúncio do aumento do orçamento militar alemão? Não. A Alemanha tem sido alvo da crítica oposta durante anos. Os parceiros da NATO queixam-se de que a Alemanha gasta muito pouco em defesa. A Polónia e a França, que foram vítimas da agressão nazi na Segunda Guerra Mundial, também esperam que a Alemanha faça mais. Esta crítica ainda é justificada porque a Alemanha já está novamente a quebrar a sua promessa. Não está a gastar os prometidos mais de 2% na Defesa. E esses 2% também não podem ser encontrados no planeamento financeiro para os próximos anos..Quão importante é para a União Europeia travar a expansão russa? Existencialmente importante. Quanto mais claramente a Rússia perder a guerra na Ucrânia, maior será a segurança futura da Europa. Em primeiro lugar, porque quanto mais clara for a derrota, mais fraca será a Rússia. Em segundo lugar, porque o efeito dissuasor é ainda maior. Isto também se aplica a outros conflitos potenciais, como dissuadir a China de atacar Taiwan..A NATO está mais forte hoje do que antes de fevereiro de 2022? Sim. Vladimir Putin conseguiu o oposto dos seus objetivos. Ele queria manter a NATO o mais longe possível das fronteiras russas. Mas, por causa da guerra na Ucrânia, a Finlândia e a Suécia decidiram aderir à NATO. Anteriormente, teriam preferido permanecer como Estados neutros. Mas a segurança é uma prioridade para todos os países. Isto significa que o Mar Báltico quase se tornou um mar interior para a NATO - exceto em pequenas secções costeiras em torno da antiga Königsberg, agora Kaliningrado, e São Petersburgo. Além disso, a Finlândia e a Suécia são fornecedores, digamos líquidos, de segurança militar para a NATO, em contraste com outros alargamentos da NATO em anos anteriores..Poderá a política externa americana em relação à Rússia mudar se Trump se tornar presidente novamente? Sim. Donald Trump é um isolacionista. Mas não estou assim tão preocupado que a ajuda à Ucrânia caia para zero. No Senado dos EUA, tanto os republicanos como os democratas pressionarão para continuar a ajuda. Pelo contrário, a mudança significativa é que os EUA, sob Trump, não serão mais o líder da coligação internacional pró-Ucrânia, como são agora sob Biden. E ninguém na Europa pode assumir este papel. Isso deveria preocupar todos os europeus. Ainda hoje, 78 anos após o fim da Guerra Mundial, a Europa depende da liderança americana - mesmo num conflito no continente europeu..Biden apoia a Ucrânia e também apoia Israel. Se houver uma intervenção da China em Taiwan, os Estados Unidos têm condições de se envolverem num terceiro conflito simultaneamente? Os EUA poderão provavelmente gerir uma combinação destas três guerras - Ucrânia, Israel/Gaza, Taiwan. Em geral, ao contrário da Europa, os EUA impõem a si próprios a exigência de serem capazes de travar duas guerras em diferentes regiões do mundo ao mesmo tempo. Além disso, não há tropas americanas no terreno, nem na Ucrânia, nem em Israel. Em geral, porém, surge a questão: quantas guerras ao mesmo tempo seriam demais? Pode dar-se uma situação em que Putin, na Rússia, ou Xi, na China, queiram testar exatamente isso. Além da Ucrânia, da Palestina e de Taiwan, outras crises podem agravar-se: nos Balcãs, nomeadamente no Kosovo, e na Bósnia-Herzegovina; e no Cáucaso, o Azerbaijão pode ser tentado a tomar à força uma ponte terrestre na Arménia para o seu exclave de Nakhichevan. E os conflitos em torno da Geórgia continuam a arder em fogo lento. Em África, a série de golpes militares no Mali, no Burkina Faso, na Guiné e no Níger poderá continuar noutros locais..Apesar da melhoria das relações com os Estados Unidos sob Biden, deverá a União Europeia reforçar a sua componente de defesa? Absolutamente. A União Europeia é economicamente tão forte como os EUA. Mas militarmente são dois mundos diferentes. Não vejo razão para que a Europa não seja capaz de garantir a sua própria segurança por si só - e independentemente dos EUA. Os cidadãos dos EUA não aceitarão pagar para sempre pela segurança da Europa. Hoje, ninguém no mundo vê a UE como uma potência mundial, a par dos EUA e da China. E ninguém teme o "poder duro" da UE - porque não tem nenhum. A Europa tem de mudar isso. Estamos a entrar num momento de conflitos crescentes..O alargamento da União Europeia faz sentido? Depende. Sim, se a UE, primeiro, se reformar internamente e alterar os seus mecanismos de tomada de decisão. E não, se a UE não estiver disposta ou não for capaz de realizar reformas internas antes do próximo alargamento. Precisamos do fim do direito nacional de veto e de uma transição para decisões por maioria. Isso deve acontecer ANTES da admissão de outros Estados. Para mim é uma "condição sine qua non". Se a UE tivesse mais de 30 membros e todos os Estados tivessem direito de veto, a UE não seria capaz de agir. Seria um suicídio político para a UE. Mas uma UE que se reformasse e depois se expandisse para incluir a Ucrânia e os Estados dos Balcãs Ocidentais e que fosse, então, capaz de agir, essa UE seria mais forte do que é hoje. Esse tem de ser o objetivo..Sem segurança energética, a União Europeia nunca será uma verdadeira potência? Foi isto que nos mostraram as consequências do ataque russo à Ucrânia. A Europa precisa de segurança energética. Mas também não deve estar aberta à chantagem noutros setores económicos. Precisamos de um mapeamento das dependências de matérias-primas raras e das cadeias de abastecimento. A Alemanha está em processo de criação deste mapa de vulnerabilidades. E quer tirar conclusões disto, por exemplo, quando se trata de aprovar ou negar investimentos estrangeiros em áreas estratégicas. Espero que os parceiros da UE, e a UE no seu conjunto, adotem uma abordagem semelhante..Qual a maior ameaça hoje à democracia liberal? A democracia liberal está ameaçada de muitas maneiras. Especialmente através de correntes radicais e populistas de Direita e de Esquerda. Mas temos de ter cuidado com o julgamento. Em alguns casos, os cidadãos que votam em partidos claramente à Direita ou à Esquerda do Centro em protesto indicam quais os problemas que requerem uma solução. Por exemplo, migração descontrolada. Ou uma política climática que não pergunte o suficiente sobre as consequências económicas e sociais de certas estratégias de proteção climática. Os cidadãos esperam, com razão, que os seus governos garantam a segurança num sentido lato: segurança externa, segurança interna, segurança económica, segurança social, mas também segurança dos fundamentos naturais da vida. A política inteligente deve equilibrar tudo isto. Reajo de forma alérgica quando um movimento político age como se existisse um objetivo prioritário singular ao qual todo o resto deve estar subordinado.