"Não há muita folga em Portugal para descer salários"

A Adecco juntou-se à Randstad e Manpower e criou um guia de melhores práticas para as empresas durante a pandemia. A CEO do grupo Adecco em Portugal diz que já "se sente alguma coisa a pulsar" nas empresas, e considera que a atual crise não levará a descidas de salários, como no tempo da troika.
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As empresas de trabalho temporário têm estado debaixo de fogo durante a pandemia, acusadas de proceder a despedimentos selvagens e de estarem na base de surtos de covid-19, como o do centro logístico da Azambuja. A responsável em Portugal pela Adecco, uma das maiores empresas deste setor, diz em entrevista ao Dinheiro Vivo que o lay-off simplificado deixou de fora os trabalhadores temporários, e por isso as empresas defenderam-se não renovando contratos. Carla Rebelo sublinha que não se podem pôr todas as empresas no mesmo saco, e critica "a forma ligeira e até irresponsável como se deixa neste país estarem a funcionar empresas de trabalho temporário que não cumprem a legislação, e têm de facto as pessoas acomodadas em contentores".

Explique esta aliança entre a Adecco, Randstad e Manpower Group.
As três maiores empresas de recursos humanos do mundo decidiram contribuir de uma forma decisiva para o momento que a sociedade estava a viver, com toda a informação, todo o conhecimento de que dispomos pela nossa atividade ao longo de muitos anos e décadas, nomeadamente um conhecimento aprofundado de todos os setores de atividade. Ou seja, trabalhamos com todas as empresas em todos os países e há muitos anos, e temos uma ligação muito forte a tudo o que são perfis de trabalhadores em qualquer nível de experiência. E, portanto, esta iniciativa surgiu quando todo o mundo foi completamente avassalado por este facto, e tentámos agir da forma que fosse mais útil para a sociedade. E basicamente este guia nasceu da vontade de ser útil para alguma aceleração de conhecimento, fazendo-o chegar rapidamente às empresas.

Portanto, trata-se de um guia de melhores práticas para garantir a segurança sanitária dos trabalhadores?
Foi feita uma coletânea junto de todos estes setores, e todas estas empresas, em todo o mundo, compilando as melhores práticas de segurança sanitária que as empresas podiam utilizar no regresso à atividade. De 400, 100 foram eleitas como aplicáveis em qualquer país ou em qualquer setor, e logo eram muito úteis para toda a gente. O que nós fizemos, em colaboração também com a McKenzie, foi elaborar esta coletânea de uma forma organizada mas baseada na mesma abordagem da pirâmide utilizada nos sistemas de gestão da segurança do NIOSH (National Institute for Safety and Health). E, portanto, esta pirâmide tem cinco níveis de intervenção e as nossas medidas encaixam-se perfeitamente nesses cinco níveis, consoante a gravidade da necessidade de recuperação económica, a gravidade de identificação ou alastramento de um foco de epidemia, ou a situação mais controlada que a empresa tenha no seu local de trabalho.

E a recetividade às medidas? As empresas estão a fazer o que devem?
A recetividade é muita, às vezes não fazem melhor por desconhecimento, ou porque ainda não conseguiram ter acesso a tudo aquilo que são os repositórios das melhores práticas. Há sempre uma ideia, alguma coisa que se faz que se pode utilizar de outra empresa e o que temos visto é que os nossos clientes, as empresas, estão muito recetivas a fazer melhor, as pessoas querem fazer melhor, fazer bem preservando a segurança do trabalhador, independentemente de ser temporário ou não, porque esse rótulo não serve para nada, são todos colaboradores, não interessa se um tem contrato de trabalho temporário, se outro tem contrato de trabalho efetivo. Neste patamar nem sequer é relevante estar aqui a achar que existe discriminação. E o que queremos fazer é devolver a confiança às pessoas para se sentirem seguras no seu local de trabalho.

O teletrabalho deixou de ser obrigatório este mês. O regresso aos locais de trabalho vai ser lento, muito gradual? Como vê a situação?
Não conheço nenhuma empresa que não esteja a levar com a máxima urgência e gravidade estes temas. Portanto, todas as empresas estão a fazer o melhor que conseguem, o melhor que sabem, e estão a tentar munir-se da informação para completarem as várias barreiras de proteção que têm. Não conheço nenhuma empresa que esteja a poupar esforços relativamente a implementar o nível de segurança necessário para que funcione bem. Agora, é preciso a colaboração de todas as pessoas como indivíduos, e é aqui que estou um pouco mais preocupada. Se algum de nós se esquece que somos os principais responsáveis para que as coisas funcionem bem... Ou seja, a minha empresa diz que o procedimento é este e que eu tenho que medir a temperatura antes de entrar no local de trabalho, e que eu tenho que passar o gel, etc. Não está lá um polícia para me fiscalizar. Agora, eu tenho de perceber que tenho de cumprir as regras.

Haverá empresas, nomeadamente as mais pequenas, que não estão a investir o suficiente?
Eu diria que há empresas que não têm departamentos de segurança, que não têm a acesso a consultores, nem podem ter, porque são empresas pequenas. Por isso mesmo, e é mais para essas empresas até, que estes protocolos e estes documentos são importantíssimos, porque estão disponíveis para toda a gente. Não dispensa a implementação do protocolo, no seguimento de medidas que a Direção-Geral da Saúde (DGS) em Portugal especificamente ordena. Mas qualquer empresa hoje tem a obrigação de conhecer as normas da DGS. O que existe neste tipo de informação, e penso que a nossa aliança teve um papel importantíssimo, foi colocar à disposição de todo o tecido empresarial a panóplia daquilo que são as melhores medidas. É o maior contributo que podíamos dar para que a ausência de conhecimento não justifique nenhuma falha. Este é o nosso objetivo, e ao mesmo tempo devolver confiança ao colaborador.

Tem havido algum diálogo entre a indústria e a Direção-Geral da Saúde?
Não posso falar em nome da indústria, porque não sou presidente da APESPE RH (Associação Portuguesa das Empresas do Setor Privado de Emprego e de Recursos Humanos). Foram as três empresas, as maiores a nível mundial presentes em Portugal, que se uniram para fazer esta aliança, portanto, não tem a ver com a associação da indústria em Portugal. É algo mais transcendente, é a nível mundial. O que eu sei é que existe diálogo constante e através das confederações patronais.

Em que tipo de atividades será mais difícil garantir segurança?
Onde existem muitos colaboradores. Este protocolo foi feito incidindo nos setores mais críticos. O setor da saúde, logística, transportes, indústria automóvel, indústria transformadora, ciências da vida, construção, alimentação... Porquê estes setores? Porque são por natureza onde pode estar a bomba relógio, porque empregam muita gente.

Tivemos o surto na Azambuja. Em sua opinião, o que é que falhou ali?
A questão da testagem. Não podemos perder no terreno a agilidade de aplicação de testes. E tem havido algumas críticas até de pessoas responsáveis, que têm sentido que as equipas que estavam no terreno a fazer despistagem ou testes imediatos ao covid estão agora menos presentes. Este é também o receio, de, de repente, toda a estrutura que estava montada de apoio às empresas e aos locais onde temos vários aglomerados de pessoas, desapareça. E se desaparecer é mais difícil estar a identificar um foco que possa estar a acontecer. São empresas reputadas em Portugal e internacionalmente, não acredito quer nenhuma delas não esteja a tentar fazer o máximo possível na implementação dos protocolos. Não acredito que seja negligência das empresas, são empresas grandes com muita preocupação, conhecemos bem as empresas que ali estão.

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