Não há atalhos para o que é justo

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Num dia de outubro de 1975, 90% das mulheres islandesas moveram-se numa incrível onda rumo às praças das cidades onde moravam, deixando vazios os seus postos de trabalho. O objetivo: mostrar a falta que faziam nas empresas. Cinco anos depois da grande greve das mulheres, a Islândia tornava-se o primeiro país do mundo a eleger uma presidente - por mérito. Há uma década, as escolas islandesas incluíram nos currículos a disciplina obrigatória de Estudos de Género, para explicar aos adolescentes o que é a discriminação, os seus efeitos, porque existe e de que forma se combate, puxando-os para o debate e permitindo-lhes a formação de opinião e a contribuição para a reflexão que ali se faz continuamente.

O único país que tem paridade de género quer nas empresas quer na política foi o primeiro a tornar ilegal, há menos de três meses, a diferença salarial entre homens e mulheres a desempenhar as mesmas funções - uma proposta do governo de centro-direita que mereceu acordo alargado da oposição. Resumindo uma história que é longa, complexa e ainda está a ser escrita todos os dias, Reiquejavique assinou um contrato para acabar com este tipo de desigualdade, refletiu sobre o assunto e as soluções possíveis, puxou todos para o debate, fez ajustes e continua a não abrandar esforços porque sabe que isso é fundamental para produzir resultados.

A Islândia fez uma aposta de longo prazo, a única forma possível de produzir mudança - e o envolvimento do sistema educativo é fundamental nesse caminho -, e assumiu um compromisso enquanto país. Fruto desse trabalho, os islandeses estão há oito anos consecutivos no topo do ranking mundial da paridade de género, conquista que não os afasta dos seus objetivos nem os deixa dormir sobre os louros.

Apostar em quotas e ficar feliz com isso é reduzir a uma solução pífia uma questão fundamental, que devia ser alvo de debate sério, alargado e duradouro, é um atalho que só pode acabar no fundo de um buraco. Mudar a forma de pensar de uma sociedade implica décadas de esforço e empenho, obriga à sensibilização cívica para aquilo que muitos nem sequer veem como um problema, requer que todos os que exercem alguma forma de poder trabalhem para um mesmo fim e não se percam em picardias políticas. Sem verdadeiro compromisso, o fosso entre Portugal e os melhores vai continuar a crescer.

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