"Não faz sentido levar Lula a depor à força"
Depois de uma semana em que os seus dois principais conselheiros, Lula da Silva e João Santana, foram definitivamente envolvidos na Operação Lava-Jato, e um senador do Partido dos Trabalhadores (PT) a associou ao esquema de corrupção na Petrobras, Dilma Rousseff criticou os juízes que conduzem a ação policial.
Para a presidente "não faz o menor sentido levar Lula a depor sob vara [à força]". Com a delação premiada do ex-senador do PT Delcídio do Amaral como pano de fundo, afirmou ainda que "os vazamentos seletivos [fugas de informação] para a imprensa vão provar-se não serem verdadeiros, mas o estrago de jogar lama nos outros entretanto já ocorreu". Horas depois, soube-se que José Carlos Bumlai, empresário descrito como "íntimo de Lula" pela imprensa, está também a negociar com os investigadores uma delação premiada para diminuir a pena em troca de informações.
Em evento do programa social Minha Casa, Minha Vida, em Porto Alegre, cidade onde fez a sua carreira política, Dilma defendeu Lula, de quem se aproximou, depois de episódios de divergência e afastamento nos últimos meses, graças ao episódio da condução coercitiva do antecessor na sexta-feira. "Ele nunca se julgou melhor do que ninguém, quando convidado para prestar esclarecimentos sempre foi, então não tem o menor sentido conduzi-lo "sob vara" para prestar depoimento."
Em paralelo, Rui Falcão, presidente do PT, considerou a expressão técnica "condução coercitiva" um "eufemismo para sequestro" e disse que a "oposição conservadora e os seus parceiros na media monopolizada andam assanhados". Gilberto Carvalho, chefe de gabinete do ex-presidente avisou que "a eventual prisão de Lula pela Lava-Jato seria como brincar com o fogo".
Oposição reage
No meio de um clima de profunda divisão, acentuada após o depoimento forçado de Lula, Aécio Neves e Marina Silva, respetivamente segundo e terceiro candidatos com mais votos na primeira volta das últimas presidenciais, marcaram posição. O presidente do Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB) usou a sua coluna semanal no jornal Folha de S. Paulo para apelar à calma."Serenidade e coragem para não aceitar as provocações que nascem da intolerância daqueles que, sem argumentos, insistem em disseminar o ódio e dividir o Brasil para tentar esconder a realidade, palavras de ordem ensaiadas não vão calar o país, não se trata de quem grita mais ou mais alto."
Marina Silva falou após o congresso do seu novo partido, o Rede Sustentabilidade. "Não se pode condenar o ex-presidente", de quem foi ministra, "nem desqualificar os indícios de corrupção porque ninguém está acima da lei", sublinhou. E sobre o 'impeachment' considerou que "cumpre uma formalidade legal mas não a finalidade" que a Rede deseja. Para Marina, o ideal seria o caminho através do processo que decorre no Tribunal Superior Eleitoral, que analisa eventuais irregularidades na candidatura de Dilma Rousseff e do seu vice-presidente Michel Temer, do Partido do Movimento da Democracia Brasileira (PMDB), que levaria a eleições antecipadas. "Esse processo devolve ao povo a possibilidade de corrigir um erro involuntário, pois foi induzido a ele, nas últimas eleições."
Temer concilia
O vice-presidente Michel Temer voltou a apelar "à unidade". Mas o discurso do presidente do PMDB valeu não tanto pelo que disse e mais pelo que deixou de dizer: não pronunciou uma única vez o nome de Dilma.
"Hoje, o que o país mais precisa é de unidade, de reunificação, um instante em que todos têm de dar as mãos para tirar o país da crise, unir esforços, os três poderes e os setores produtivos porque é inadmissível que um país como o Brasil tenha hoje milhões de desempregados", afirmou, dias depois de saírem novos dados preocupantes sobre a economia. Além de perspetiva de aumento da inflação (7,59 por cento), o PIB deve retrair entre 3,5 e 4 pontos em 2016, de acordo com analistas de mercado.
E ao falar em unidade sem citar a presidente, Temer deu azo mais uma vez à interpretação de que sente ser ele o homem capaz de juntar o país, conforme sugerira em agosto do ano passado, numa declaração que causou caos político em Brasília. O vice-presidente tem negociado abertamente com o oposicionista PSDB e com outras forças a formação de um governo sob sua chefia até 2018 em caso de 'impeachment' de Dilma.
13 de março
Enquanto os líderes medem forças nos palanques, nas ruas também se contam espingardas. Os grupos Movimento Brasil Livre, Vem Pra Rua e Revoltados Online, que têm organizado as manifestações pela queda da chefe de Estado, contam que no próximo domingo, 13 de março, as manifestações superem as de 15 de março do ano passado, quando cerca de 1,7 milhões de pessoas foram às ruas, de acordo com estimativas independentes (ver números).
Com as posições mais extremadas ainda desde que Lula foi chamado a depor na Lava-Jato por eventual benefício de capitais provenientes do escândalo da Petrobras, as manifestações de domingo serão acompanhadas pela Polícia Militar. Grupos sociais, como o Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST), prometem também protestos contra Dilma. Embora tradicionalmente do lado de Lula e crítico do 'impeachment', o MTST vai manifestar-se contra a agenda de austeridade do governo. Isto levou a presidente a convocar ontem uma reunião de emergência com o núcleo político do Planalto.
Em São Paulo