Catedrático Direito Constitucional, Diego López Garrido é o vice-presidente executivo da Fundação Alternativas, centro de pensamento, ideias e propostas progressistas para a mudança política, social e cultural da sociedade. Entre abril de 2008 e dezembro de 2011 foi secretário de Estado dos Assuntos Europeus no governo de José Luis Rodríguez Zapatero. Nesse tempo criticou a política da UE face a Cuba, no sentido de não ter relações com a ilha comunista de Fidel e Raúl Castro. Ao DN, fala da situação que se vive na Venezuela e dos problemas que podem aparecer já a partir de segunda-feira se Juan Guaidó não tiver o controlo do país. "Espanha sempre foi a alavanca das relações entre a UE e a América Latina. Estas não existiam até à chegada de Espanha e Portugal à UE.".Os países da União Europeia devem reconhecer Juan Guaidó como presidente interino da Venezuela? Não há uma opinião homogénea entre os Estados membros e este reconhecimento antecipado é inconveniente. A situação que se vive na Venezuela é a de um Estado falido do ponto de vista dos serviços essenciais, da situação da população e da segurança. Provavelmente Caracas é a cidade mais perigosa do planeta. Não é um Estado que cumpra as funções para as quais existe. E sobre a eleição de [Nicolás] Maduro, não é democrática e não tem legitimidade, tal como ocorre noutros países do mundo. Por um lado estão todos esses dados que levam a fazer um apelo ao governo atual da Venezuela e a exigência de eleições democráticas. Mas há um tema discutível, o de reconhecimento por antecipação, que é uma incógnita. Se na segunda-feira virmos que não houve movimentações para realizar eleições o que vai acontecer? Diplomaticamente reconheces o Estado, não o governo, reconheces quem tem o controlo. É a doutrina em direito internacional. Esse é o problema que vejo que podemos ter a partir de segunda. Devem existir movimentações diplomáticas, de retirada de diplomatas...A partir de segunda, se Guaidó não controlar o país, vamos ter este espetro discutível..A UE fez bem em esperar para atuar? Em vez de fazer como Donald Trump e Jair Bolsonaro, presidentes dos EUA e do Brasil, respetivamente? A UE não reconhece governos, só Estados. E deve tomar uma posição política. Mas deve ter em conta o conjunto de opiniões de todos os países. Tendo em conta a elevada dificuldade, a complexidade do assunto, entendo que não exista unanimidade. E, portanto, não podemos esperar uma declaração política porque não representa todos. Nem todos os governos europeus estão na linha que queria Espanha [de reconhecer Guaidó na segunda-feira se Maduro não convocasse eleições]. Mas não se deve criticar a UE por isso. Não é um tema claro do ponto de vista do direito internacional..O primeiro-ministro espanhol Pedro Sánchez atuou bem? Falo do ponto de vista do jurista, não como político. A nível político vejo uma situação difícil e, do ponto de vista de Espanha, muita ligação. Também vejo dificuldade em reconhecer uma pessoa quando ela não conseguiu o controlo do país. Não podemos avaliar o sucedido como bom ou mau, estamos em situação de crise. E muito complexa. Se não tivéssemos feito nada também nos criticavam. Politicamente percebo a preocupação e o sentido protetor que deve ter a comunidade internacional. Mas do ponto de vista jurídico vejo uma pessoa cujo reconhecimento pode ficar no ar..Vê algum termo de comparação entre o que está a acontecer agora e o golpe de 2002 contra Hugo Chávez? Não. Estamos a falar de situações muito diferentes..A chegada de Juan Guaidó foi uma surpresa para si? A situação na Venezuela não era sustentável, mas não está claro o que vai acontecer porque não podemos dizer que a oposição tem o controlo. Ao mesmo tempo, Maduro também não tem o controlo de tudo, salvo das Forças Armadas. Surpresa? A aparição de Guaidó como presidente da Assembleia Nacional, autoproclamando-se presidente da República, sim foi uma surpresa. E depois produz-se uma reação entendível.Como se deve preparar a UE para uma retirada de cidadãos da Venezuela em caso de necessidade? Já há três milhões de venezuelanos fora e todos eles devem ser acolhidos do ponto de vista humanitário. A maioria está na América. Há dois milhões de venezuelanos na América Latina, sobretudo na Colômbia. São imigrantes que fogem de uma situação difícil que não é uma situação de guerra. Os cidadãos que estão na Venezuela podem sair se quiserem, custa-me imaginar uma situação de evacuação..Como vê a posição de Cuba em relação a Venezuela? Há uma relação conhecida de proximidade entre os dois países. Vão médicos de Cuba para a Venezuela. É uma relação económica e também política de apoio a Maduro.Como recorda a sua experiência como secretário de Estado dos Assuntos Europeus no que diz respeito às relações da UE com Cuba e América Latina? Não tem nada que ver a situação de agora com a de então. A Europa estava a ter muitos problemas, em plena crise económica. Estive no governo entre 2008 e 2011, no furação da crise e era a Europa que precisava de ajuda. Lembro que tínhamos a famosa e absurda posição comum da UE com respeito a Cuba, que felizmente desapareceu, que era no sentido de não termos relações com o país. E ao mesmo tempo tínhamos acordos com as piores ditaduras do mundo e com Cuba não. As relações com a América Latina foram muito boas, em Espanha sempre foi assim. Espanha sempre foi a alavanca das relações entre a UE e a América Latina. Estas não existiam até à chegada de Espanha e Portugal à UE.Qual é a sua opinião sobre Jair Bolsonaro como presidente do Brasil? É um país soberano e a UE não tem mais o que dizer. Mas ninguém ignora que houve uma viragem populista à direita que conecta bem com a viragem populista de [Donald] Trump [nos EUA] e de alguns governos europeus. É um sinal dos tempos, aparecem partidos populistas que dão soluções simples para problemas muito complexos. Vamos ver o que faz quando lidar com a realidade.