Não é o diabo, é o inverno do OE que aí vem

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Vem aí o inverno. Coisa rara para se dizer em agosto, vaticínio de má sorte quando o país está a banhos, mas que representa uma verdade dura e crua. É sombrio o que está ao virar da esquina dos próximos meses. Não é o diabo, é o inverno. Mais escuro e mais frio do que nunca, conforme a perda de poder de compra contagia e se intensifica por toda a Europa - com gravidade acrescida nos países mais frágeis, como Portugal -, mas também por consequência dos cortes energéticos que Bruxelas impõe a todos, para depender menos do gás russo e apressar a transformação energética. Custe o que custar, é o lema. E vai custar, vamos sofrer, admitem os responsáveis europeus, antecipando a necessidade de desligar as máquinas e os aquecimentos, enquanto Moscovo se desenvencilha das novas sanções e vai conquistando destinos alternativos para continuar a amealhar rublos com o seu petróleo e o seu gás.

A nós, um dos pequenos do bloco europeu, de pouco serve a fraca dependência das fontes moscovitas, anunciada de peito feito para tranquilizar os ânimos. Está bem à vista. Dos 0,9% que serviram de barómetro à subida de salários e pensões ainda em abril, a inflação com a qual navegamos disparou para os ontem confirmados 9,1%, roubando mais de um mês de salário às famílias, que não veem como pagar todas as contas que ficaram mais caras; e já têm dores de cabeça com a prestação da casa, à boleia das Euribor, com o aumento antecipado da despesa daquelas que arrendam num mínimo de 5%.

Para as empresas, a subida de quase dois pontos por mês na inflação desde que rebentou a guerra na Ucrânia traduziu-se num brutal aumento de custos de produção, distribuição, fornecimento e captação de matérias-primas, à boleia da hoje luxuosa fatura energética, bem como das outras crises acumuladas - da covid, da logística, dos materiais, de mão de obra.

Os fogos-de-artifício vão sendo lançados por um governo-justiceiro que dobra a lei para castigar os mal comportados. Mas Costa sabe bem que o seu maior problema foi ele próprio quem criou e não se resolve assim. Pode ser duro com os privados, impor aumentos e falar na intenção de controlar preços, mas tem pouca margem para subir salários a quem tem a cargo - não só os pensionistas, como o maior número de funcionários públicos que o país já conheceu. Tem reduzida elasticidade para subsídios que travem preços para famílias e empresas. E sem eles, precipitará falências, desemprego, pobreza.

Medina ainda conta com a receita fiscal extra que lhe enche os cofres à conta da inflação, mas essa almofada é sol de pouca dura. E inventar sobretaxas que castiguem quem tem resultados - a eterna solução das esquerdas radicais, já que hoje fica mal falar nas sonhadas nacionalizações - corresponde a empurrar essas empresas para fora daqui, deixando-nos em piores lençóis.

Com outubro chegará o primeiro verdadeiro Orçamento do Estado da maioria absoluta socialista, e será inscrito a ferro e fogo, cada partido da oposição a tentar afirmar-se o maior defensor do povo, com mais vigor do que nunca, sabendo-se livre de responsabilidades. Entre os efeitos da inflação que a guerra trouxe, o fim dos apoios e dos juros baixos do BCE, a pressão social de cada vez mais famílias em apuros, o esgotamento de recursos de muitas empresas e a necessidade de segurar as que são saudáveis, o que sobreviverá?

A batalha que se aproxima será dura. O inverno está mesmo a chegar.

Subdiretora do Diário de Notícias

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