Não é a roupa de marca que faz o surfista
Bermudas, T-shirts, calças, malhas, calções, casacos e acessórios de surf são os principais produtos da famosa Quiksilver, a empresa de origem australiana sediada nos EUA há 46 anos que, neste mês, pediu proteção de credores. Emprega quase oito mil pessoas, em 834 lojas, nos cinco continentes, e faturou 1,61 mil milhões de euros em 2013. Com 20 milhões de praticantes estimados em todo o mundo, poderá o surf estar a passar de moda?
O surf já vale 400 milhões de euros para a economia portuguesa, incluindo indústria, serviços e eventos associados ao desporto, havendo mais de 200 mil portugueses que praticam a modalidade. Mesmo os que não praticam adquirem produtos relacionados com o surf (37,5%) - e a roupa é uma fatia importante deste negócio. Não há crise - a Quiksilver foi simplesmente beliscada pela concorrência em massa dos grandes grupos retalhistas. Depois de a Channel ter adotado o surf como tendência, a H&M e a Zara venderam-na até se tornar cansativa.
Os problemas da Quiksilver são puramente americanos, assegura o grupo, que salvaguardou a "saúde" financeira das suas divisões na Europa e na Ásia. José Gregório, responsável pela Quiksilver em Portugal, garante que "a vaga de turismo que esteve em Portugal durante o verão ajudou bastante as marcas (não só a Quiksilver) a crescer e a cimentar a sua posição". "Crescemos em relação ao ano passado e no futuro vamos ter margem para crescer ainda mais".
"A moda do surf tem mudado muito. Nos anos 80 e 90 era moda fazer surf e usar roupas de surf de meia dúzia de grandes marcas. Depois do ano 2000, começaram a surgir marcas pequenas, enquanto as grandes cresciam para fora do meio", conta Rui Ribeiro, fundador da Magic Quiver, uma loja especializada na Ericeira. Todos os miúdos queriam usar roupa de marca, mas os mais velhos não queriam ficar colados a essa imagem e começaram a rejeitar aquele look estereotipado, os logótipos, as cores berrantes. A marca até pode ter algum valor, mas a roupa terá de ter um estilo mais sóbrio e logótipos discretos, porque depois de ir surfar o cliente vai trabalhar para o escritório", acrescenta. "Não é a roupa que faz o surfista."
A faturar mais 50% do que no ano passado, Rui Ribeiro encontra na "estrutura pesada da Quiksilver, em que os patrocínios e os eventos custam muitos milhões por ano", os motivos para a crise. A Quiksilver patrocina diversos pontos do campeonato da World Surf League, bem como 24 homens e nove mulheres profissionais.
Em Portugal, os eventos do surf cresceram graças ao turismo e o turismo cresceu graças ao surf. Que o diga João Escada, programador, que se juntou ao amigo webdesigner Paulo Carinhas para criar um portal de reservas de alojamento específico para a modalidade.. "O nosso requisito é que os alojamentos não podem ficar a mais de três quilómetros do mar, para que os turistas não tenham de ter carro para ir para a praia", explica o responsável do Portugal Surfhouses. O portal tem hoje 150 parceiros e representa, admite João Escada, "porventura 10% a 15% de todo o alojamento ligado ao surf em Portugal".
E é no inverno que fenómenos de popularidade como Garrett McNamara fazem das monumentais ondas da Nazaré o centro do mundo. "Não é que aquilo seja bem surf, mas é verdade que deu visibilidade ao país e à modalidade", conclui Rui Ribeiro.