"Não damos via verde ao governo para fazer o que entender. Se necessário travaremos o OE"

Líder do PAN diz que o país dispensa uma crise política, mas garante que não deixará de fazer oposição em temas como o aeroporto. Admite querer ser governo e junta-se às críticas a Cabrita. E ainda está a fechar os candidatos às autárquicas: renovação interna atrasou o processo.
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A presidente do Grupo Parlamentar do partido Pessoas, Animais, Natureza. O congresso do PAN será em junho, mas já sem dúvidas quanto à próxima líder do partido. Inês Sousa Real encabeça a única lista candidata à direção e será, assim, a sucessora de André Silva.

Vai tornar-se líder do partido em junho. O que é que vai mudar?
Este é um período de renovação do partido que está fortemente entrelaçado com o momento do país. Sendo a primeira vez que o partido vai ter uma líder feminina, há também uma dinâmica, uma dimensão, do ponto de vista do estilo da liderança, que é inevitavelmente diferente. Eu estou no PAN desde a fundação, tenho acompanhado o partido ainda não estava sequer oficializado no Tribunal Constitucional e acredito que poderei contribuir não só trazendo a história do partido e honrando esse ADN - nomeadamente, as preocupações e as considerações com o bem-estar animal - mas também projetando a sua atualidade. Um partido com visão integradora destas causas. Temos exemplos de outros países em que as mulheres têm estado na liderança e uma liderança no feminino mais de cuidadora e mais próxima da natureza, trazendo aqui também o eco-feminismo para a agenda política, acredito que possa vir a ser uma marca. Agora, projeções, como se costuma dizer, só no final do jogo. Só o tempo e a experiência poderão dizer que estilo e marca deixarei. Procurarei, acima de tudo, convocar a união interna e que o partido continue a responder aos desafios do nosso tempo, acrescentando este momento tão complexo que vivemos e em que é fundamental estarmos bastante focados nas repostas quer económicas quer sociais.

Da Comissão Política em funções vai manter 16 membros e candidatar 11 caras novas. Escreveu que "é uma equipa mobilizada para o desafio de renovar o partido" e quer "uma robusta reorganização". Porque é que o PAN precisa de ser renovado apenas 10 anos depois?
Temos defendido uma não perpetuação nos cargos e é importante também que internamente haja esse exercício. Tivemos um líder durante sete anos, tivemos o cuidado nesta candidatura, até mesmo a nível da proposta estatutária, da alteração que fizemos, de inscrever um limite dos mandatos do porta-voz. A renovação não só geracional como nos diferentes exercícios dos cargos. O facto de trazermos pessoas novas não significa que as demais não continuem a participar e a colaborar. Mas faz-nos todo o sentido que se convoque novas pessoas, que entretanto também foram colaborando e fazendo o seu caminho com o partido. Uma outra proposta que vai ser debatida no congresso é a possibilidade de todas as estruturas internas das distritais, por inerência, passarem a estar representadas na Comissão Política. Não podemos dizer que desejamos aprofundar e cimentar a participação do cidadão nos partidos, na vida pública e política, e depois dentro deles não criar ferramentas que o potenciem. Um dos nossos grandes objetivos é empoderar e capacitar as nossas bases e também trazer a nossa juventude.

Que significará alguma correção de rumo?
Não se trata de uma correção de rumo, mas de reforçar o potencial do partido. O PAN é o único ambientalista no país. É também o único que tem uma génese animalista e que trouxe pela primeira vez para a agenda política a preocupação com outros seres, que não apenas o humano, e que também tem trazido uma resposta muito robustecida na matéria dos direitos humanos. Temos um potencial interno que tem de ser capacitado e reforçado. E nesse sentido, os estatutos estão alinhados com a nossa visão estratégica de fazer crescer as nossas concelhias, distritais, de reaproximar e dar mais força ao trabalho dos eleitos locais, porque os partidos constroem-se a partir das bases e não apenas do topo. O PAN feito este caminho sólido ao longo dos anos, em que conseguiu ter representação nas autarquias locais, tem um Grupo Parlamentar, um deputado na Região Autónoma dos Açores, tivemos representação a nível do Parlamento Europeu - embora perdida por força do momento que vivemos internamente. Isto demonstra bem o reforço da confiança no PAN. E os estatutos internos têm de acompanhar aquilo que é o crescimento do partido, que não é o mesmo de há 10 anos.

A saída de membros destacados, como Francisco Guerreiro, o primeiro eurodeputado, ou Cristina Rodrigues, terá sido o reflexo das dores de crescimento do PAN?
Isso faz parte das dinâmicas de qualquer coletivo. O PAN não está imune, como qualquer outra força política, a que existam ruturas ou cisões internas. Nós lamentamos que essas pessoas tenham optado por fazer o caminho individual e não um de debate. Optaram por seguir projetos pessoais, defraudando os próprios eleitores, que confiaram ao PAN quatro mandatos na Assembleia da República (AR) e um no Parlamento Europeu. Mas o nosso grande objetivo é continuar a trabalhar em prol das nossas causas, fazer avançar o nosso ideário e conseguir cada vez mais conquistas, como após a saída conseguimos no Orçamento do Estado. Continuaremos empenhadamente a trabalhar no nosso objetivo comum, que é dar respostas ao país, à crise climática e às preocupações que fizeram surgir esta nova força política que é o PAN.

O atual líder do partido, André Silva, admitiu que teria de haver mais cuidado no recrutamento de candidatos e quadros. O que é que tenciona fazer para conseguir esse maior escrutínio?
Não utilizaria a palavra "escrutínio". Eu acho que todos nós, quando estamos num projeto comum, devemos estar fortemente empenhados no objetivo coletivo e não em agendas pessoais, não nos devemos servir da política e dos partidos, mas sim num serviço de missão, comprometidos com o bem comum. É um trabalho que tem de ser feito na escolha dos candidatos, que tragam consigo causas e ideários diferentes, desde a causa ambiental, à animal, aos direitos humanos, às questões LGBTI, à questão dos transportes... há que ter o cuidado, quando olhamos para o perfil das pessoas que são escolhidas pelo coletivo, que correspondam a um trabalho feito ao longo dos anos em prol daquilo que defendemos. Felizmente, temos pessoas muito capazes e comprometidas com o projeto do PAN - se assim não fosse não teríamos a representação que temos nas autárquicas; e os autarcas têm feito um trabalho de formiguinha nos municípios, conseguindo, mesmo não estando no Executivo, fazer avançar iniciativas. Nem tínhamos o resultado que temos a nível nacional, que se deve ao coletivo do PAN. Vai além daquilo que são os porta-vozes, os membros fundadores e qualquer um de nós. Teremos o cuidado de pugnar que possa haver espaço para que as pessoas cresçam internamente por força do seu trabalho. E nos estatutos vai haver não só limitações quanto aos mandatos, nomeadamente do porta-voz mas também, por exemplo, quanto à presença de pessoas que possam ser funcionárias do partido e, portanto, há um limite máximo que passa a estar previsto na Comissão Política para separarmos um pouco a atividade política da laboral e, esperamos, restringir dissabores futuros.

E esse limite máximo poderá ser de quanto tempo?
O que está previsto na nossa proposta é de seis anos: três mandatos de dois anos enquanto porta-voz. Não basta estarmos a pedir que se evitem as portas giratórias nas empresas, a perpetuação dos cargos, até mesmo ao nível das autarquias - esta questão tem sido colocada porque existem limites, por exemplo, para os presidentes de câmara, mas não para os vereadores - e nos partidos também não faz sentido. Precisamos de dar lugar às novas gerações, às novas ideias. Isto não quer dizer que a pessoa tenha de deixar o partido ou a vida pública ou política, mas temos de ter o desprendimento de perceber quando chega a nossa hora de sair.

Foi devido a casos como os de Cristina Rodrigues e de Francisco Guerreiro que propôs rever os estatutos? Contempla criar um conselho disciplinar para que casos destes não fiquem por sancionar?
Nesse caso não. Ou seja, não se trata de vivermos dessa experiência, porque estamos a falar de pessoas que se desfiliaram, e nesse caso não há ação disciplinar possível, mas não faz sentido que a Comissão Política esteja a ocupar-se de processos disciplinares - e atualmente esta competência está neste órgão, que é político, o órgão máximo entre congressos. É absolutamente fundamental que a Comissão Política se dedique às matérias da vida política, seja o PRR seja o Orçamento, as finanças, as grandes opções do plano. Ou seja, faz-nos todo o sentido haver um órgão interno intermédio entre o Conselho de Jurisdição nacional, que é o órgão por excelência de recurso nestas matérias, sem prejuízo de recurso para o TC. É uma opção meramente prática.

O PAN é um partido de poder ou apenas de causas?
O PAN é um partido de causas que quer ser um partido de poder e usar a influência que o poder traz para fazer avançar as causas. O PAN quando concorre, tal como os demais partidos e forças políticas, concorre para ser governo. Ainda não temos representação que nos permita sê-lo, mas estamos confiantes que as gerações futuras - antes da pandemia, tínhamos jovens a levar cada vez mais as greves climáticas à rua - se identificam com o ideário do PAN, que é um partido de futuro e que terá, se calhar a breve trecho, responsabilidades acrescidas. Quando chegamos a um lugar de poder, nomeadamente à AR, temos poder e oportunidade fazer avançar as causas.

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A causa maior do PAN são as pessoas, os animais ou a natureza?
Lá está, é a visão integrada...

É possível estabelecer uma ordem hierárquica?
Temos uma visão de ética ecocêntrica, ou seja, uma ética distante daquilo que possa ser uma visão meramente arrogante, do ponto de vista especista, que considera que os direitos humanos são indissociáveis dos direitos da natureza, ou até mesmo da proteção animal. Não podemos dizer que defendemos os direitos humanos ou que temos uma perspetiva humanista, e depois, por exemplo, depredar ecossistemas quando isso põe em causa a nossa própria sobrevivência. E daí que seja difícil elencar o leque de prioridades naquilo que são as diferentes causas porque, efetivamente, elas estão interligadas. Por exemplo, quando discutimos as questões de Odemira, falámos dos trabalhadores com os direitos humanos violados, mas que também servem de alguma forma para atividades que depredam o nosso parque natural. É um exemplo claro de como está tudo interligado. Não nos faz sentido uma visão sectária ou a dicotomia habitualmente utilizada de esquerda e de direita, porque há matérias, como os direitos humanos, a causa ambiental, que não se espartilham ideologicamente. Sabemos que há forças extremas, os movimentos populistas antidemocráticos, em que dificilmente os direitos humanos encaixam no leque de preocupação. Mas para o PAN há de facto uma visão progressista e disruptiva na forma de fazer política e de defender diferentes direitos.

Já que fala de Odemira, junta-se às vozes que pedem demissão do ministro da Administração Interna?
Desde o primeiro momento e não apenas neste caso que temos questionado a capacidade de Eduardo Cabrita na condução do MAI. São de facto muitos os exemplos em que ele tem falhado redondamente, do ponto de vista da gestão das prioridades em matéria de proteção de pessoas, animais e bens. Foi o caso das golas antifogo; agora este de Odemira; os incêndios, inclusive em Santo Tirso; o caso do SEF foi absolutamente gritante. E o PAN foi o primeiro a convocar o ministro para o debate na AR precisamente pelo silêncio incompreensível que marcou a gestão desse processo. Aliás, a trapalhada que foi feita no próprio processo de gestão, distinção do SEF e naquilo que tinha de ser uma transição participada pelos diferentes setores, e nomeadamente também os sindicatos, denota que há aqui uma incapacidade do senhor ministro. E hoje foi com muita perplexidade que ouvimos o primeiro-ministro, António Costa, dizer que é um excelente ministro! Podemos até discutir se é ou não uma excelente pessoa, isso será lá com o PM e o MAI nas suas relações pessoais, mas na gestão deste ministério tem ficado mais do que plasmado o falhanço redundante do que deveria de ser uma ação planeada, estruturada, e que não tem acontecido.

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Como é que responde às críticas de que o PAN se desviou do seu percurso inicial, mais ligado à defesa dos animais? Aceita a crítica de que o PAN muitas vezes parece, ou é, um partido proibicionista?
Não me parecem críticas justas relativamente ao afastamento da causa animal. Aliás, as conquistas que o PAN tem tido dizem-no: conseguimos mudar o estatuto jurídico dos animais, proibir os abates nos canis municipais, uma política reclamada há largos anos pelas associações de proteção e pela sociedade civil e que era manifestamente contrária à ética dos nossos tempos; acabar com animais selvagens nos circos. Já neste mandato, conseguimos rever o Código Penal para reforçar a proteção dos animais e garantir 10 milhões para a proteção animal no OE. Há um caminho feito de proteção animal - mas as pessoas não se podem esquecer que o PAN, lá está, não é governo. Teve um deputado único no último mandato, temos três neste momento, mas com a força e o poder que temos vamos tentando fazer avançar as causas, sabendo que há muitas matérias que apresentamos e que são rejeitadas pelas demais forças políticas. Relativamente à questão proibicionista, é importante que as pessoas tenham claro e presente que há atividades absolutamente anacrónicas. E a causa animal é um bom exemplo disso. Quando falamos em proibir as touradas ou o tiro aos pombos, estamos a falar de atividades absolutamente bárbaras, que não têm lugar no século XXI e não são compatíveis com o patamar civilizacional e os valores do nosso tempo. Deve haver aqui um fim destas atividades. Mas o PAN tem feito a ressalva - a lei dos circos é um exemplo - que queremos uma transição que acautele a atividade das pessoas. No caso dos circos foi criada uma moratória e procurámos que a lei acautelasse a existência de programas para a transição destes profissionais e para o apoio na entrega dos animais. Muitas vezes tentam conotar aos movimentos animalistas algum fundamentalismo, mas não é justo porque não faz sentido e já tardámos demais em acabar com este tipo de atividades.

Sente que o PAN está preso num paradoxo? Não receia que o eleitorado que votou no partido por se rever nas causas de defesa dos animais se sinta defraudado caso se torne mais generalista?
A questão é que para fazermos avançar também a própria causa animal, quando pensamos que temos pessoas e concidadãos que neste momento tão complexo de uma crise sanitária perderam todos os seus rendimentos, viram diminuir salários, dificilmente vamos conseguir até mesmo proteger os animais se não tivermos em consideração as pessoas, que fazem parte da nossa espécie. Se não tivermos compaixão pelo nosso próximo e não percebermos que também temos de dar uma resposta cabal à crise para que não haja retrocessos quer do ponto de vista dos direitos humanos quer do da proteção animal. Por exemplo, uma das bandeiras do PAN desde a fundação era combater o abandono ou os maus tratos e sabemos que em tempos de crise muitas das vezes vem atrás disso o aumento do abandono. Portanto, esta visão integradora das três causas é que nos faz sentido. Mal seria se estivéssemos de costas voltadas a questões tão flagrantes como a violação de direitos humanos. Nós temos problemas em Portugal do ponto de vista da pobreza que não podemos ignorar. Temos mais 33% da população em situação de pobreza e isto significa, de acordo com os próprios relatórios da União Europeia, que há famílias que não têm, sequer, por semana, duas refeições completas. Isto é bastante preocupante e não podemos ignorá-lo. É evidente que temos de estar presentes nas grandes discussões do ponto de vista político, sem perdermos os nossos objetivos, a nossa estratégia do ponto de vista político, para fazer avançar matérias que nos são muito caras.

E não limitará a base de apoio?
Penso que não, muito pelo contrário. O crescimento do PAN tem denotado isso mesmo. Não é de hoje que o PAN tem vindo a pronunciar-se sobre as diferentes valências da vida pública e política. E quando chamamos a debate matérias como o combate à corrupção - muitas das vezes o PAN é o primeiro a apresentar iniciativas... já apresentámos várias, por exemplo, para que o Pacto de Justiça saísse da gaveta, e até agora foram rejeitadas pelas demais forças políticas. E sentimos que as pessoas acompanham e reconhecem o trabalho.

Imagina-se primeira-ministra?
Eu não sei se nos imaginamos, ou se me imagino, como primeira-ministra. Não sei se isso será no meu tempo, mas imaginamo-nos como governo, sem dúvida nenhuma. Aliás, quando concorremos para qualquer ato eleitoral é para sermos primeiro-ministro ou primeira-ministra ou governo. As responsabilidades que os eleitores nos derem, teremos de estar à altura de as desempenhar. Se durante o meu tempo isso vier a acontecer, evidentemente que estarei disponível e presente e preparada. Agora, temos noção que mais vale às vezes um crescimento gradual e faseado do que aquele efeito balão, em que depois os partidos também se esvaziam e acabam por desaparecer do panorama político.

E admite num futuro próximo um entendimento formal com o PS para a constituição de governo?
Qualquer entendimento formal, seja com o PS ou com qualquer outra força política, tem condicionantes quer da conjetura que à data possa acontecer quer das linhas programáticas de cada força política. E apesar de no exercício do OE termos procurado fazer avançar as nossas causas, não nos podemos esquecer que há muitas linhas vermelhas que nos separam do PS e que no caso, por exemplo, do debate do PRR ficaram muito claras - tem que ver com uma visão da economia, uma visão muito economicista do ponto de vista daquilo que é a depredação dos ecossistemas. Quando olhamos para o mar, não olhamos da mesma forma, quando o PS quer apostar na mineração em mar profundo; quando tem opções estratégicas para o país com as quais não concordamos, como o aeroporto do Montijo. Há de facto diferenças ideológicas.

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Mas também posso concluir que é um cenário que não rejeita.
A este tempo e sem conhecer aquilo que é o cenário daqui a dois anos, quando houver eleições, seria precipitado estarmos a pronunciar-nos. Os alertas que temos deixado ao governo são que não se pode queixar, que não é um governo de maioria absoluta e durante este mandato tem de não estar de costas voltadas para as demais forças políticas, tem de dialogar e de se aproximar das revindicações das restantes forças, porque nós estamos cá para fazer avançar as preocupações do nosso eleitorado.

Com exceção do primeiro retificativo, em 2015, creio que por causa do BANIF, o PAN contribuiu sempre para viabilizar os OE de Costa, seja pela abstenção seja pelo voto a favor. Não receia a leitura de que o partido está demasiado alinhado com o governo?
O que tem acontecido é precisamente o contrário, ou seja, o nosso eleitorado tem compreendido que o PAN, contando para a matemática parlamentar com a força que tem a este tempo, precisa de fazer avançar as suas causas. E dou um exemplo muito concreto: quando, em 2020, conseguimos inscrever no OE o alargamento da tarifa social de energia para mais 200 mil famílias, é evidente que estamos a cumprir com a nossa agenda política, com o nosso programa, e a fazer avançar o país. Se fizéssemos política da terra queimada, do diálogo, ou se inviabilizássemos as nossas medidas que ficam inscritas no OE por via de um voto contra, dificilmente conseguiríamos estes resultados. Em 2021, conseguimos mais de 40 medidas no OE e que vão desde o combate ao tráfico de seres humanos com mais meios para o reforço do antigo SEF, que agora passará para a PJ, ao reforço dos 10 milhões para os canis, casas-abrigo para vítimas de violência doméstica, em matérias ambientais como os resíduos. Portanto, o PAN tem conseguido com este diálogo e estas pontes, porque trabalha de forma positiva e construtiva, fazer avançar as suas causas. Mas isto também só acontecerá enquanto houver margem para conseguirmos vitórias e conquistas para o nosso eleitorado. No dia em que algum governo estiver de costas voltadas para o PAN é evidente que faremos oposição, tal como temos feito em matérias que nos são muito caras: o aeroporto do Montijo é uma delas, Odemira, outra. São muitas as matérias em que não nos temos furtado de chamar o governo à razão e fazer oposição. Há de facto uma matéria que não podemos deixar para trás, que é o que o eleitorado espera - o eleitorado está muito saturado, e isso é algo que podemos também retirar da abstenção que tem marcado o país, as pessoas estão fartas da política da terra queimada. Quando somos eleitos, somos eleitos para dar resposta às preocupações das pessoas e não faz sentido estarmos naquele hemiciclo se não conseguirmos avançar as nossas preocupações. Acho que é para isso que estamos mandatados.

Tem uma relação com o governo mais instrumental que estrutural.
Nós exigimos os avanços das nossas causas e da mesma forma que se o governo precisa das outras forças políticas, nós também precisamos de conseguir avançar as nossas preocupações. A questão é mais pragmática do que instrumental.

O governo tem cumprido o que fica acordado ou, como muitas vezes defendem PCP e BE, as medidas acertadas acabam por não sair do papel e podem ser travão também à futura viabilização do OE?
Nós assistimos a isso neste ano, quando discutimos o OE2021. Do ponto de vista da execução das medidas do OE2020, o governo tinha ficado bastante aquém. E quando partimos para o debate foi condição sine qua non que o governo executasse medidas prioritárias - a tarifa social de energia, entre outras, os projetos de housing first, para as pessoas em situação de sem-abrigo... Houve um caderno de encargos apresentado ao governo e que teria de cumprir para que pudéssemos sequer sentarmo-nos à mesa para o OE2021. Houve de facto este cumprimento. Neste momento, em relação às medidas aprovadas para o OE2021, algumas já começaram a ser cumpridas: o tiro aos pombos, o fim da transmissão das corridas de touros na RTP. Só faz sentido dialogarmos se for um caminho de dois sentidos e não uma via única e exclusiva para os interesses do governo.

E para o próximo OE já começaram as conversas? Em que áreas?
Ainda não começámos as conversas. Aliás, aquilo que em primeiro lugar para nós fará todo o sentido é internamente começarmos a trabalhar nas preocupações para o OE2022 - que não é um orçamento qualquer para o país, é um orçamento que vai ter de estar profundamente alinhado com as preocupações da retoma económica e social, mas também o combate às alterações climáticas. Não nos podemos esquecer que temos estado muito aquém em matéria de execução dos fundos europeus nesta matéria. Aliás, em 2020, Portugal só executou cerca de 7,7% desta área, ficando muito aquém da meta e da média europeia dos 20%. Tem de haver mais preocupação para que em 2022 não só se consiga dar resposta para que o país saia desta crise, mas não se perca de vista a crise climática, que continua em pano de fundo e está interligada com esta crise sanitária. Uma crise como a que vivemos hoje não se resolve em um ou dois anos, tem de haver uma visão estrutural e estratégica para o país e isso não está presente nem no PRR nem até agora nas opções do plano. Basta vermos a aposta que o governo, que sucessivos governos têm feito no Turismo. Não se apostou, por exemplo, no potencial do interior do país em matéria de desenvolvimento, de produção, não se apostou, nem se tem estado a apostar, na transição para uma economia mais verde, com a criação de postos de trabalho. Há de facto aqui uma mudança de desenvolvimento económico e de crescimento que tem de ser mais sustentável e mais justa do ponto de vista social e ambiental.

Uma das primeiras bandeiras políticas do partido é o Rendimento Básico Incondicional. Pode ser uma moeda de troca para a viabilização do próximo OE?
Já neste orçamento tínhamos proposto um Rendimento Básico de Emergência, porque nos parece importantíssima uma resposta social, independentemente do regime contributivo dos trabalhadores. Infelizmente, sabemos que os apoios sociais apesar de reforçados não deram resposta a isto. No caso do RBI, o PAN defende projetos-piloto associados, por exemplo, ao combate às vulnerabilidades sociais, como as pessoas em situação de sem-abrigo. No próximo OE não deixaremos cair a preocupação com o RBI.

Mas nunca como condição necessária para viabilizar o orçamento?
Mal seria se nos focássemos apenas numa única medida, porque o orçamento é composto e articulado por muitas medidas estruturais até do ponto de vista do combate à pobreza.

E a abolição das touradas pode ser uma condição para viabilizar o orçamento?
A abolição das touradas não deixará de estar no nosso horizonte. Se é discutida no âmbito do OE ou no processo ordinário, teremos de debater internamente. No próximo congresso vamos eleger a Comissão Política que terá de ter em fundo todas essas considerações. Seria fazer futurologia daquilo que vai estar em cima da mesa no próximo OE. Vamos ter de olhar para os diferentes instrumentos, mas também para o momento em que o país esteja quando estivermos a discutir o OE. Temos de ver o que há pela frente, estando já preocupados com o fim das moratórias, os apoios sociais e o próprio lay-off, porque sabemos que a situação mais complexa virá quando todos estes apoios terminarem. Já começamos a ter nota do aumento dos despedimentos coletivos (+12%), mas sabemos que ainda vêm aí dias difíceis. Temos de ter um grande foco em instrumentos que permitam recuperar a economia, mas do ponto de vista do PAN, profundamente alinhadas com a causa ambiental, social e a proteção animal, que não deve ficar esquecida.

O primeiro-ministro pode aproveitar o próximo OE para provocar uma crise política?
Temos assistido a essa dramatização, que muitas vezes está prevista na política - assistimos a isso antes de começarmos a negociar o OE 2021 e quando tivemos de fazer o retificativo. O que nos parece é que o país não precisa de dramaturgos nem de crises políticas. Não estamos a falar de uma via verde para o governo fazer o que bem entender. Nem a dizer que, se for necessário travar um OE que se considere que não dá as respostas para o país, isso não seja feito. Quando surgiu o Estado de Emergência, no hemiciclo, todas as forças políticas se demonstraram comprometidas em defender os interesses do país, mas infelizmente isso não tem acontecido ao longo do último ano. Vimos o maior partido de oposição criticar as demais propostas, chamando-lhes "folclore parlamentar". Vimos o bloco central dar a mão para acabar com os debates quinzenais. Há, de facto, um trabalho que não se coaduna com os acordos de bastidores entre PS e PSD e com chantagens políticas de uma pseudocrise. Não é disso que os portugueses precisam. O país precisa que estejamos todos empenhados em trabalhar, em fazer pontes entre todas as forças e não apenas entre o PS e alguns partidos.

Vai assumir a liderança 4 meses antes das autárquicas. O PAN não tem ainda qualquer câmara, tem 26 deputados municipais e 6 membros em assembleias de freguesia. Que meta estabelece para esse primeiro desafio?
O que me parece absolutamente fundamental é que se consiga reforçar e consolidar a nossa presença no panorama autárquico. O PAN tem sempre batalhado para conseguir uma vereação, e esse será um objetivo, sobretudo em municípios como Lisboa e Porto. Mas temos consciência do momento difícil que o país está a viver do ponto de vista sanitário. Tivemos uma abstenção galopante no ato presidencial e esperamos que nas autárquicas já possamos ter maior participação em segurança, com maior esclarecimento da população face às diferentes agenda para trazermos para as soluções locais. Sabemos que o xadrez partidário está mais desafiante e complexo. Portanto, sem dúvida que consolidar a nossa presença é um objetivo, aumentar e batalhar para uma vereação e para que possamos passar da participação de órgãos deliberativos para órgãos executivos. O PAN pode e fará a diferença caso tenha essa responsabilidade.

Já disse que o PAN terá candidato próprio a Lisboa. Já está decidido quem será? Poderá ser a Inês, que é atualmente deputada municipal na câmara de Lisboa?
Internamente estamos a fechar o debate das autárquicas, a validar internamente os nossos candidatos. Não trarei aqui a novidades de quem será ou não o nosso candidato, isso caberá depois aos órgãos pronunciarem-se...

Nem para o Porto? Poderá, por exemplo, ser de novo a Bebiana Cunha, que já foi candidata nas últimas autárquicas? Nem isso está decidido?
Esse debate está a ser feito internamente, em momento próprio iremos anunciar quem são...

Não está atrasado? Temos quase todos os candidatos escolhidos, de todos os partidos.
Neste momento, não nos podemos esquecer o momento que o país atravessou, como também internamente temos consciência que este momento de renovação do partido, evidentemente, que também trouxe alguma complexidade às decisões relativamente às autárquicas. Mas, neste momento, estamos a fechar esse debate e a breve trecho iremos anunciar quem são as nossas candidatas e os nossos candidatos.

Este mês ainda?
Provavelmente, sim. Pelo menos vamos fechar esta semana aquilo que são algumas linhas gerais, porque temos um programa autárquico que foi bastante participado quer interna quer externamente. Vamos fechar o nosso programa, estamos a fechar também o calendário do ponto de vista daquilo que possam ser também os candidatos, é o anúncio desses mesmos candidatos, até porque tivemos a mesma dificuldade que outros partidos tiveram que foi as reuniões presenciais dos próprios órgãos internos em contexto pandémico, evidentemente também ficaram condicionadas e também os debates tiveram que ser de alguma forma alterados, como o próprio congresso que acabou por ser adiado para não o estarmos a fazer em plena pandemia, em plano Estado de Emergência. Mas iremos apresentar e o atraso será certamente compensado pelo empenho e pelo ânimo com que sei que as candidatas e os candidatos irão enfrentar o desafio autárquico.

No documento que apresentam ao congresso, os candidatos à direção rejeitam a dicotomia esquerda/direita por não ser capaz de resolver os problemas da atualidade. Ainda assim, e para que os eleitores possam perceber melhor o posicionamento do partido, a Inês considera-se mais próximo da esquerda, mais próxima da direita?
Lamento defraudar, mas nem da esquerda nem da direita. De facto, o PAN, sendo progressista, estará certamente mais à frente do que aquilo que é o centro da vida político-partidária e continuamos a defender um partido que se assume como o único partido ambientalista. O ambientalismo não tem espartilho ideológico e, portanto, há de facto uma visão diferente que não cabe nessa dicotomia. Aliás, a própria dicotomia esquerda/direita também já tem sido questionada por vários autores, porque sabemos que se calhar os partidos da esquerda têm estado mais associados ao progressismo, mas isso não quer dizer que não sejam conservadores à mesma em determinado tipo de costumes, o caso das touradas é um exemplo paradigmático disso, ou até mesmo aquilo que têm sido os benefícios a entidades altamente poluentes, altamente perversas. Portanto, não nos faz qualquer tipo de sentido essa categorização. Temos de ter hoje uma visão mais diferenciada e mais atualista até porque, efetivamente, ela não dá resposta àquilo que são as necessidades do nosso tempo, como a crise climática.

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