Não cometer os mesmos erros à espera de um resultado diferente

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Com a guerra na Ucrânia, a instabilidade das cadeias de produção, a inflação e o consequente aumento das taxas de juro, tudo aponta para um horizonte duro na Europa. Infelizmente, as expectativas de uma recuperação robusta no rescaldo da pandemia passaram a ser mera miragem.

Neste contexto, é com particular apreensão que se recebem as declarações de Christian Lindner, ministro das Finanças alemão. Há dias, o líder do Partido Liberal da Alemanha anunciou a intenção de cumprir o (autoimposto) travão da dívida pública já em 2023. Para tal, propõe cortes na despesa pública para impor disciplina orçamental e, nas palavras do próprio, enviar "um sinal para o Banco Central Europeu".

O BCE não precisa desse sinal. Está a acompanhar a evolução da inflação, impulsionada essencialmente por fatores externos (o custo da energia), e a adotar as medidas de política monetária que contribuem para a reduzir - terminar os programas de injeção de capital nos mercados e aumentar as taxas de juro de forma progressiva - e avaliando os seus efeitos a cada passo.

Se à política monetária mais restritiva do BCE se somarem políticas orçamentais austeritárias, o resultado inevitável é uma nova recessão, tal como sucedeu durante a crise financeira. Dessa altura, Portugal e outros países da União Europeia guardam amargas memórias.

Perante a iminência de se repetirem erros do passado, urge recordar as lições de então, reconhecidas até pelo insuspeito FMI. A austeridade falhou em toda a linha: não equilibrou as contas públicas, aumentou o desemprego, provocou uma recessão, alimentou os populismos. Não funcionou na altura e também não funcionaria agora.

Em sentido inverso, a reação à pandemia contribuiu para evitar uma crise que poderia ter proporções gigantescas.

Essa resposta teve três fatores marcantes. A adoção, pelo BCE, de uma política monetária expansionista de estímulo à atividade económica. A suspensão, pela Comissão Europeia, das regras orçamentais, permitindo aos governos ultrapassar os limites do défice para apoiar os trabalhadores e as empresas, sem temerem a imposição de sanções. A aprovação, pelo Parlamento Europeu e pelo Conselho, do plano de recuperação, financiado por dívida comum emitida pela UE, algo que até então nunca tinha sucedido.

A economia europeia está agora numa situação diferente, pelo que a resposta não deverá ser igual. Mas é bom que não se mate o paciente com a cura.

Paracelso, médico suíço do Século XVI, deixou-nos o dosis sola facit venenum, só a dose faz o veneno. O combate à inflação tem de ser doseado, sob pena de se combater a inflação com recessão, desemprego e crise social.

Aproveitemos as más lições da crise financeira e as boas da resposta à pandemia. Precisamos, portanto, que os governos tenham margem de manobra para apoiar a economia e evitar uma forte crise económica e social. Para tal, manter suspensas as regras orçamentais europeias é importante. Mas não basta.

É preciso repensá-las profundamente, assim como a arquitetura atual da União Económica e Monetária. Criada para uma realidade que já não existe, continua órfã de capacidade orçamental e exposta aos riscos de uma União Bancária incompleta. Este é mais um grande teste à UE. Estaremos à altura, ou recuaremos aos erros de uma década atrás?


Ao deixar passar (com o meu voto contra) a proposta da Comissão Europeia de classificar o gás natural e o nuclear como energias verdes, os votos da direita no Parlamento Europeu dão aos cidadãos um sinal errado e contraditório.

Eurodeputado

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