Depois de liderar o Partido Trabalhista no seu pior resultado desde 1935, elegendo apenas 202 deputados, Jeremy Corbyn sabia que tinha os seus dias contados à frente do Labour. Na corrida à sucessão, que só ficará decidida em abril, há cinco candidatos, que enfrentam o desafio de reconstruir o partido. Em jogo está a possibilidade de voltar a virar ao centro, mas evitar as comparações com Tony Blair (que apesar das três maiorias não é bem visto pelo papel na guerra do Iraque) ou continuar a apostar nas políticas radicais de esquerda de Corbyn, que junto com a indefinição em relação ao Brexit resultaram na perda de bastiões que o Labour controlava há meio século..Entre os deputados há um claro candidato favorito à vitória: o ministro-sombra do Brexit, Keir Starmer. Conseguiu o apoio de 88 dos eleitos para Westminster e para o Parlamento Europeu, quando só precisava do voto de 22. A concorrência ficou a uma longa distância: Rebecca Long-Bailey, a "orgulhosa socialista" que é a ministra-sombra das Empresas e será a escolha de Corbyn, obteve apenas 33, mais dois do que Lisa Nandy, ex-ministra-sombra da Energia. Jess Phillips, que nunca ocupou cargos com Corbyn na liderança, e Emily Thornberry, ministra-sombra dos Negócios Estrangeiros, conseguiram 23 cada uma, sendo que esta última esteve em dúvida até ao final e só conseguiu chegar ao mínimo após a desistência de Clive Lewis..Mas, o vencedor será escolhido pelos militantes. Em 2015, após a demissão de Ed Miliband em consequência da derrota nas eleições gerais, Corbyn conseguiu à justa passar o primeiro obstáculo. O único dos candidatos que não tinha um cargo no governo-sombra, recebeu 36 apoios (eram precisos 35) dos deputados e eurodeputados. Mas quando o voto passou para os militantes, o socialista Corbyn começou a aparecer como o favorito, graças a uma política de cariz mais de esquerda, de denúncia da austeridade aplicada há anos pelos governos conservadores. A eleição seria ganha à primeira volta com 59,5% dos votos..Um ano depois, quando os deputados se viraram contra ele e forçaram nova corrida à liderança por causa do resultado do referendo sobre o Brexit (acusando-o de não ter feito a campanha que devia a favor de ficar na União Europeia), Corbyn acabaria por sair reforçado. Conseguiu o apoio de 61,8% dos militantes, com o partido a aceitar que tinha direito a estar automaticamente no boletim de voto. Alguns analistas acreditavam que teria dificuldade em passar a barreira de apoios parlamentares necessários para ser candidato, depois do voto de não confiança aprovado por 172 deputados..Antes de a votação ser deixada nas mãos dos cerca de 500 mil militantes do Labour e apoiantes que pagam 25 libras para participar na corrida, os candidatos precisam de ter o apoio de pelo menos 5% das distritais ou de três associações afiliadas, sendo que pelo menos duas têm de ser sindicatos. A campanha começa oficialmente neste sábado, com o primeiro de sete debates com os eleitores. Mas os nomes que estarão no boletim de voto serão conhecidos a 14 de fevereiro, com a eleição a decorrer entre 21 de fevereiro e 2 de abril. O vencedor é conhecido dois dias depois..Uma líder mulher.Além da história da eleição interna de 2015, Starmer tem outra desvantagem: o seu sexo. Em quase 120 anos de história, o Labour nunca foi liderado por uma mulher - Margaret Beckett assumiu interinamente a liderança durante dois meses em 1994, depois da morte de John Smith. E há quem diga que já está na hora..O partido que fez campanha pela igualdade e que criou em 1997 as listas só de mulheres para garantir uma maior representação no Parlamento é o único que nunca teve uma mulher no cargo máximo: até os Tories já tiveram duas, que chegaram ambas a primeiras-ministras, Margaret Thatcher e Theresa May. São muitos os que defendem que já chegou a hora de o Labour resolver a situação, o que será um revés para o único homem na corrida que enfrenta quatro mulheres..Starmer, que defende que o partido se deve unir e ultrapassar as divisões, enfrenta outro problema: é de Londres. Depois de o partido ter perdido nos bastiões do norte de Inglaterra, antigas regiões industriais onde o Labour nascido dos sindicatos sempre ganhou, há quem defenda uma descentralização. Uma dessas vozes é da sua principal adversária, Long Bailey, eleita por uma circunscrição da área de Manchester..Nesta sexta-feira, na apresentação da candidatura, Long-Bailey disse querer acabar com "o clube de cavalheiros da política" e devolver o partido às regiões. Lembrando que muitos eleitores estavam fartos que as suas leis fossem desenhadas por uma elite em Bruxelas, disse que no local onde nasceu Westminster também não parecia muito perto. E que ainda não parece. A candidata terá o apoio do Momentum - a organização política de bases que esteve por detrás da ascensão de Corbyn..A campanha de Thornberry, que na prática poderia atrair o mesmo eleitorado centrista de Starmer, será baseada na sua experiência política. Admitindo que o partido enfrenta um "longo e difícil caminho" de volta ao poder, a candidata defendeu no lançamento da campanha que o Labour precisa de alguém "duro, alguém resiliente, alguém experiente e endurecido pela batalha"..Já Phillips, que todos os anos no Dia da Mulher lê no Parlamento o nome das vítimas de violência doméstica, faz campanha a pedir "mais honestidade na política". Sempre crítica de Corbyn, é a que menos ligação tem ao líder e, tal como Long-Bailey, também não representa Londres, sendo de Birmingham. Lisa Nandy, que representa a esquerda moderada, é da região de Manchester e outra voz do país esquecido, defendendo que o partido perdeu a ligação com as pessoas comuns de cidades que votaram a favor do Brexit. Ela entrou em rutura com Corbyn após o referendo, defendendo que o líder deixou que esse debate se transformasse numa falsa dicotomia. Garante que é a "escolha corajosa, não a escolha fácil" para o cargo de líder do partido..De olhos postos em Boris.O futuro ou a futura líder do Labour terá pela frente uma tarefa complicada e um adversário astuto: Boris Johnson. Depois de os conservadores vencerem as eleições gerais, o primeiro-ministro agradeceu aos eleitores do Labour que "lhe emprestaram" o seu apoio e votaram Tories pela primeira vez. E prometeu não desiludi-los, estando a prever um pacote de investimento em infraestruturas no norte do país, que será conhecido no próximo orçamento. "Estas pessoas querem mudança. Não podemos falhar. E ao entregarmos essas mudanças, também devemos mudar", disse aos seus deputados após a vitória, falando num Partido Conservador de uma só nação..Candidatos.Keir Starmer: Após ter sido o principal procurador do país, foi eleito deputado de Holborn and St Pancras em 2015. Apesar de nunca ter sido um "corbynista", aceitou ser o ministro-sombra para o Brexit. Aos 57 anos, é casado e tem dois filhos..Rebecca Long-Bailey: É vista como a candidata da continuidade, representando a ala mais à esquerda do Labour. Deputada por Salford and Eccles desde 2015, é ministra-sombra das Empresas e Energia. Casada, tem um filho. Tem 40 anos..Lisa Nandy: Deputada por Wigan desde 2010, foi ministra-sombra da Energia e das Alterações Climáticas de Corbyn, mas deixou o cargo em junho de 2016 no meio de críticas ao líder. Tem 40 anos e um filho com o companheiro..Emily Thornberry: Eleita por Islington South and Finsbury, circunscrição vizinha à de Corbyn, subiu no governo-sombra até à pasta dos Negócios Estrangeiros, mesmo sem pertencer à ala mais à esquerda do partido. Casada, tem 59 anos e três filhos..Jess Phillips: Deputada por Birmingham Yardley desde 2015, é uma das maiores críticas de Corbyn e nunca entrou no seu governo-sombra. Acusou-o de não nomear mulheres para lugares de destaque. Tem 38 anos, é casada e tem dois filhos..Vice do partido é eleito à parte.O futuro líder do Labour terá como número dois alguém que pode até ser da ala oposta do partido, uma vez que o vice-presidente é escolhido numa eleição à parte. O cargo foi ocupado até 12 de dezembro por Tom Watson, que decidiu afastar-se da política e que foi acusado de ter muitas vezes minado o caminho de Jeremy Corbyn. Há também cinco candidatos a suceder-lhe, todos ministros-sombra: Rosena Allin Khan (Desporto), Richard Burgon (Justiça), Dawn Butler (Mulheres e da Igualdade), o único deputado escocês do Labour, Ian Murray (Escócia), e Angela Rayner (Educação). Esta última é a aposta da ala mais à esquerda do partido e é vista como a grande favorita..Artigo publicado originariamente na edição impressa de 18 de janeiro