Os israelitas voltam nesta segunda-feira às urnas, pela terceira vez no espaço de um ano, depois de os partidos políticos não terem conseguido chegar a acordo para a formação de governo nas eleições de abril e nas de setembro de 2019. E, pelas sondagens, correm o risco de ser chamados a votar uma quarta vez, com nenhum dos campos a alcançar a maioria no Knesset. O primeiro-ministro conservador e líder do Likud, Benjamin Netanyahu, procura um quinto mandato, a duas semanas do início do seu julgamento por corrupção, tendo como trunfo o recém-apresentado plano de paz do presidente norte-americano, Donald Trump. Do outro lado da barricada está o líder da Aliança Azul e Branca, o ex-general liberal Benny Gantz, que venceu em setembro mas não conseguiu a maioria para governar, nem foi capaz de capitalizar o descontentamento dos eleitores face ao adversário..Desde a ida às urnas de setembro, a principal mudança em Israel prende-se com a apresentação do plano de paz de Trump - feita a 28 de janeiro, em Washington, com o presidente dos EUA a surgir ao lado de Netanyahu, após ter também recebido Gantz. Este plano, que foi considerado demasiado pró-Israel e esbarrou na negativa dos palestinianos ainda antes de ser lançado, prevê entre outras medidas a anexação dos colonatos da Cisjordânia, algo há muito desejado pelos colonos. A data da apresentação do plano foi vista como uma tentativa de beneficiar Netanyahu, mas não teve impacto imediato direto nas sondagens - Gantz era o favorito antes e continuava a ser favorito depois, com o crescimento do Likud a ocorrer apenas na última semana..O plano de Trump também congela a construção de novos colonatos durante quatro anos, mas, numa jogada de última hora para atrair votos, Netanyahu anunciou o desbloquear dos planos de construir 3500 casas numa região conhecida como E1 e a expansão do bairro de Givat Hamatos - criticada no passado e agora pela comunidade internacional. Na prática, isto vai cortar Jerusalém Oriental (que os palestinianos querem como capital do seu futuro Estado) do resto da Cisjordânia. E seria o prego final no caixão da solução de dois Estados, que o plano de Trump apesar de tudo defendia. Mas muitos colonos estão fartos de falsas promessas de Netanyahu, podendo antes virar-se para o partido aliado, Yamina (que inclui a antiga União de Partidos de Extrema-Direita), tirando a eventual vitória ao Likud."É o acordo do século, a oportunidade do século. Nunca vamos ter algo como isto outra vez e o único que o vai implementar sou eu", tem defendido Netanyahu em relação ao plano de Trump. O primeiro-ministro alegou que, apesar de Gantz ter dito que também o implementaria - considerou que é "a base de qualquer futuro acordo" -, está dependente dos deputados da Lista Conjunta (formada por partidos árabes), que já disseram que não o apoiam se ele aceitar o plano de Trump (em setembro, recomendaram ao presidente Reuven Rivlin que ele fosse autorizado a tentar formar governo)..Terceira maior força política no Parlamento israelita, a Lista Conjunta é vista como tabu - os seus deputados são apontados como sendo apoiantes de terroristas, que são contra a definição de Israel como um Estado judaico. Não há partido no Knesset que queira fazer parte de uma coligação em que eles se encontrem. Incluindo a própria aliança Azul e Branca, que a Lista Conjunta diz não apoiar. Mas o líder, Ayman Odeh, espera que uma forte participação dos árabes israelitas (descendentes dos palestinianos que continuaram nas suas terras após a criação de Israel em 1948) possa permitir aumentar o número de deputados e impedir Netanyahu e os aliados de extrema-direita de formar governo, travando também o plano de Trump..Um problema chamado Netanyahu.Uma das causas para o impasse na vida política israelita é o próprio Netanyahu. O primeiro-ministro israelita há mais tempo no poder continua a ser visto como o candidato mais competente para a chefia do Estado pelos eleitores (e dentro do Likud não tem rival, ganhando as primárias de dezembro com uma larga maioria). Mas as suspeitas de corrupção que pesam sobre ele impedem eventuais alianças - nomeadamente com a própria Azul e Branca liderada por Gantz, que no passado foi chefe do Estado-Maior de Netanyahu mas agora defende que o país não pode ser liderado por alguém que está a ser julgado..A 17 de março, duas semanas após as eleições, Netanyahu vai sentar-se no banco dos réus. O primeiro-ministro, que nega qualquer crime e alega que há motivos políticos por trás do processo, é acusado de aceitar presentes de luxo de aliados milionários e trocar favores com os magnatas dos media e das telecomunicações israelitas em troca de uma cobertura noticiosa positiva. Enfrenta uma pena de até dez anos de prisão se for condenado pelo primeiro crime de suborno e até três anos por fraude e quebra de confiança..Netanyahu precisa de ganhar as eleições para poder tentar formar governo e continuar no poder, de onde terá outros argumentos para lutar contra as acusações. Há mesmo quem fale na hipótese de uma mudança na lei que permita ao Knesset decidir por cima do Supremo Tribunal e evitar o julgamento. Caso tal não aconteça, Netanyahu será o primeiro chefe de governo israelita a enfrenta um julgamento no cargo (não há nada na lei que o impeça de continuar, ao contrário do que acontece com os ministros). Ehud Olmert anunciou em 2008 que se demitia antes de ser acusado por crimes cometidos enquanto era presidente da Câmara de Jerusalém, tendo cumprido 16 meses de prisão..O fazedor de reis.A expressão é usada para designar aquele que pode quebrar o impasse, seja apoiando um ou outro lado. No caso da política israelita, nomeadamente nas duas últimas eleições, o fazedor de reis é o secular Yisrael Beiteinu, do ex-ministro da Defesa Avigdor Liberman. Apesar de ter apoiado Netanyahu após as eleições de 2015, entrando para a coligação em 2016, este recusa agora juntar-se a um governo que está dependente de três partidos religiosos ortodoxos e ultraortodoxos (o Shas, o Judaísmo Unido da Torá e a aliança Yamina). Partidos que no passado serviram eles próprios como fazedores de reis, apoiando quer a direita quer a esquerda, mas que se mantêm agora leais a Netanyahu, prometendo não apoiar Gantz..Apesar de rejeitar a hipótese de ir a umas quartas eleições, o líder do Yisrael Beiteinu também não parece disposto a apoiar Gantz. Repetindo que não dará luz verde a um governo Likud enquanto este for liderado por Netanyahu, considera que o líder da Azul e Branca também "não está preparado para ser primeiro-ministro" - e rejeita estar num governo minoritário apoiado pela Lista Conjunta..Após as eleições de setembro, Liberman tinha dito que só estava disposto a apoiar uma grande coligação entre Netanyahu e Gantz, mas estes não chegaram a um acordo - discutiram a hipótese de partilharem a chefia do governo. Nessa altura, indicou quais eram as suas exigências para apoiar a coligação, incluindo uma lei que obrigue os ultraortodoxos a fazer o serviço militar (que já tentou passar quando era ministro da Defesa). Durante esta campanha, considerou ser "o único que pode desafiar" o primeiro-ministro na "arena política". Apesar dos problemas de justiça de Netanyahu e de ter ganho em setembro, Gantz não conseguiu capitalizar e conquistar mais eleitores desencantados à direita, perdendo terreno à esquerda para a aliança formada pelo Partido Trabalhista, o Gesher e o Meretz, liderada por Amir Peretz. O que poderá custar-lhe a vitória eleitoral, segundo as últimas sondagens..A solução política para Israel não parece por isso fácil. "É uma batalha próxima, que será decidida pela participação. Quem conseguir ter sucesso em atrair eleitores apesar do coronavírus [Israel confirmou ontem o terceiro caso no país], a meteorologia e o sentimento geral de desespero, vencerá a eleição", disse um membro da equipa de Gantz, sob anonimato, ao jornal israelita Haaretz. Apesar de um aumento do nível da participação das eleições de abril para setembro (subiu 1,4% para 69,8%), uma sondagem recente mostrou que só 62% dos eleitores dizem que vão votar, contra 24% que responderam "provavelmente"..Uma outra sondagem, publicada na quinta-feira pelo Instituto de Democracia Israelita, revelou que 30,4% dos inquiridos não acreditam que seja possível formar governo nestas eleições. Para o fazer, basta uma maioria simples no Knesset (mais "sim" do que "não") e não uma maioria absoluta (61 dos 120 deputados) que é necessária, por exemplo, para passar uma moção de censura ao governo. Mas, caso a história se repita, Israel pode estar já a caminho das quartas eleições.