Mónica Sintra imortalizou o velho cliché da mulher que surpreende o homem com a amante no Na minha cama com ela. Uma história de uma abnegada mãe de família, que foi mais cedo para casa preparar o jantar que o marido, supostamente, queria. "Mas algo estranho" se passou, já que ao entrar na habitação, a senhora deparou-se com "roupa espalhada", inclusivamente "algumas peças de cetim". Hum... Subindo as escadas até ao quarto, a mulher chocou-se: o marido e amante no quarto do casal, "mesmo em frente" ao seu retrato (no fundo ela assistiu a tudo...).
Uns anos mais tarde, Miguel Araújo e Nuno Markl parodiaram o tema com outro enredo: agora era o homem que chegava a casa para se alambazar com o jantar que a mulher fazia. Em ambas as situações, só a mulher cozinha, refira-se. Porém, em vez de estar à volta com os tachos, a senhora, novamente ao cimo das escadas, estava na cama do casal "com ele". "Perdida nos braços dele mesmo em frente ao meu retrato".
Concluída que está a leitura de dois parágrafos, os leitores devem estar a questionar-se: "O que é que isto tem que ver com tribunais?" A pergunta é pertinente e a resposta segue no parágrafo imediatamente a seguir.
É que a realidade ainda pode ser muito mais complicada do que os clichés cantados com sentimento ou nem por isso. Em 1991, o Supremo Tribunal de Justiça debateu-se com o seguinte caso: "Maria" e "António" casaram a 10 de julho de 1982, segundo o regime de separação de bens. À data, o homem tinha 36 anos, a mulher era mais velha, 39. Logo na noite de núpcias, segundo revela o acórdão, "António" "não conseguiu ter relações sexuais", apesar de ter garantido a "Maria" já ter feito sexo "com outra mulher" antes de a conhecer. Até aí tudo bem. Casamento mete sempre festa, copos, noite e, convenhamos, nem sempre o organismo responde com a prontidão necessária. Tudo depende do metabolismo.
Dois anos após o casamento, o casal ainda não tinha colocado à prova o colchão da cama. Até que, em agosto de 1984, "Maria" "apanhou o marido e um amigo dele, de nome Carlos, a dormirem na mesma cama", o que lhe causou "um enorme abalo psíquico e físico", já que, continua o acórdão, "se apercebeu de que o marido além de impotente era homossexual". Um dois em um, para "Maria", obviamente. Em tribunal, a mulher peticionou (é assim que se diz) uma indemnização de mil contos, atualmente cinco mil euros, por danos morais, alegando que viu "frustradas as expectativas de ser mãe, além de se sentir servida como um qualquer instrumento, sem respeito e consideração".
Em primeira instância, considerou-se que, de facto, a senhora tinha direito a uma indemnização. Não dos tais mil contos, mas o tribunal ficou-se pela metade, 500 (2500 euros), verba confirmada pelo Tribunal da Relação de Coimbra. Inconformada, "Maria" avançou com um recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, que a 26 de junho de 1991 decidiu juntar mais 250 contos (1250 euros) à indemnização anteriormente decidida. No recurso, "Maria" alegou, em resumo, que os factos que "fundamentaram o divórcio causaram à recorrente profundo traumatismo psíquico que ainda hoje não conseguiu curar, destruindo-se-lhe, consequentemente, toda a sua vida pessoal, familiar e profissional".
Três juízes conselheiros intervieram no processo, discorrendo abundantemente sobre o caso, recorrendo à mais variada doutrina dos melhores pensadores. Recorde-se que tudo poderia ser mais simples com o Na minha cama com ela de Mónica Sintra, mas o álbum só foi lançado em 1999, o que levou os juízes a terem de recorrer a professores de Direito.
Dando razão a "Maria", os conselheiros declararam que "o dever de coabitar impõe que se habite, viva em comum, intimamente, incluindo, também, uma comunhão de leito". Portanto, não pode haver casamento sem uma consumação carnal do mesmo. "Não é com indiferença que um cônjuge, querendo ser pai ou mãe, e completar, em pleno, o seu anseio em atos sexuais, gerador de amor e de novas vidas, se depare com um homossexual que lhe frustre os seus naturais anseios de dar e receber amor", acrescentaram ainda os doutos conselheiros, sem deixar de referir que "a pratica de homossexualidade ofende a respeitabilidade do outro cônjuge e atinge o casal na consideração social e apreço publico". É chato estar casado(a) com um(a) gay. Parece que, simplesmente, a coisa não funciona. E, pior do que isso, "a prática de homossexualidade ofende a respeitabilidade do outro cônjuge e atinge o casal na consideração social e apreço público". Aparentemente, na aldeia toda a gente comentava as inclinações de António...
Já que se começou esta crónica com Mónica Sintra, termina-se com Salvador Sobral e com a ideia para uma futura canção: "Amar pelos três".