Na ilha dos elfos
São 14h00 e os turistas aparecem a passo tranquilo defronte do posto de turismo. Duas vezes por semana Sigurbjörg Karlsdottir lidera tours turísticos por Hafnarfjordur, na Rota dos Elfos. Hafnarfjordur é a terceira maior cidade da Islândia para os humanos, mas a mais importante para as «criaturas escondidas» – tradução literal de Huldufólk – porque não é só em elfos que os islandeses crêem. São inúmeras as criaturas em que este povo acredita, aliás, a crença mais comum são as pessoas escondidas. Têm aparência humana e vivem como os humanos, mas só algumas pessoas têm o dom especial de as ver e relacionar-se com elas. Depois existem também elfos de várias formas, anões, gnomos, fadas, etc. Supostamente não têm uma consciência como a dos humanos, apesar de terem dois braços e duas pernas.
À hora marcada Sigurbjörg começa o passeio. Está a chover, mas os turistas já estão habituados às oscilações climatéricas do país e vieram preparados para uma caminhada com mau tempo. Quando Sigurbjörg começou a organizar estas excursões teve de se preparar. Escolher as histórias que iria contar. O trabalho não foi difícil pois um académico já tinha compilado mais de duzentas lendas e mitos antigos. Mas Sigurbjörg privilegia as histórias mais recentes, que ouviu contar aos vizinhos ou familiares distantes, que se passaram no século XX. «Estão todos escondidos, mas não têm a mesma aparência», explica assim a diferença entre as várias «criaturas escondidas».
Apesar de ser a terceira maior cidade da Islândia, um país com trezentos mil habitantes, Hafnarfjordur parece uma pequena e agradável vila. Costumam chamar-lhe a Cidade da Lava, por ter sido construída sobre um grande campo de lava seca. Sigurbjörg caminha entre vivendas coloridas e os respectivos jardins até que pára defronte de uma dessas rochas de lava e começa a contar uma história: «Esta passou-se em 1920. O dono deste terreno queria construir aqui uma casa. Se se aproximarem ainda vêem alguns ferros da construção espetados na pedra. Ele tentou e tentou, mas não conseguia fazer nada. E um dia estava aqui a pensar “isto é impossível”. Até que houve um homem que passou e lhe disse: “Você tem um problema, vive aqui um anão e não o vai deixar construir a casa.” O proprietário preferiu então ir construir para outro lado porque ele sabe que as criaturas escondidas são boas a maior parte do tempo, mas também podem lançar feitiços quando ficam irritadas. E até hoje ninguém se atreveu a destruir esta rocha, como vêem.»
«Os elfos e as pessoas invisíveis fazem parte da nossa cultura e figuram até no nome das ruas. Crescer aqui e ouvir estas histórias toda a vida… torna-se muito complicado excluir seja o que for», comenta a guia.
Que ninguém duvide...
No ano passado, o gabinete de turismo fez uma sondagem junto dos islandeses: 62 por cento acreditavam em elfos. Mas em estudos semelhantes de outros anos esse número já chegou aos oitenta por cento. Há dois anos um jornalista estrangeiro fez um programa de rádio sobre os Huldufólk. Foi de microfone para a rua perguntar aos islandeses se acreditavam em elfos. Muitos respondiam que não, mas quando o jornalista lhes pedia para o acompanharem e destruírem uma suposta casa onde viviam elfos, todos recusavam.
«Eu sou uma pessoa instruída, tenho dois mestrados, mas prefiro acreditar que as rochas não são só rochas», comenta Lára Stefansdóttir, fotógrafa de 52 anos que vive em Akureyri, no Norte do país: «Só descobri que os Huldufólk poderiam não existir quando já estava nos meus 20 anos. A minha avó, que vivia no campo, sempre me contara histórias sobre os “vizinhos” e eu nunca duvidei da sua existência.»
A Islândia é o país com a mais baixa densidade populacional da Europa, com quase 24 horas de dia no Verão e 24 horas de noite no Inverno. Tem também uma paisagem única, com estranhas formações rochosas da lava seca, fumo de vulcões activos e intensos nevoeiros que formam sombras e formas curiosas que talvez ajudem a visualizar estranhas criaturas, quase como no deserto se têm visões de oásis no meio das ondas de calor.
«A casa da minha avó era isolada, mas ela costumava falar dos vizinhos que lhe vinham pedir comida. Um dia, contou, que a mulher apareceu à sua porta muito aflita. Estava cheia de fome. Era Inverno e tinham perdido todos os animais. Pediu-lhe ajuda. Mas a minha avó também estava a passar por dificuldades semelhantes. Já só tinha uma vaca. A mulher insistiu e a minha avó acabou por lhe dar a vaca», conta Lára Stefansdóttir: «Nos anos seguintes a mulher retribuiu sempre, deixando um peixe à porta da minha avó.»
Também a família da guia Sigurbjörg teve encontros semelhantes: o seu tio-avô era amigo de um elfo. Mas durante a visita com os turistas Sigurbjörg prefere contar histórias que não lhe são tão próximas. Continua a caminhar por entre as casas coloridas, tão coloridas como os impermeáveis dos turistas: laranjas, verdes, vermelhos e azuis garridos. Entra num parque. As grandes copas das árvores ajudam a proteger dos tímidos pingos da chuva. Cheira a verde e terra molhada. «Aqui vivem criaturas escondidas em quase todas as pedras», comenta a guia.
Negociar com os elfos
A crença nos Huldufólk está enraizada de tal forma na cultura islandesa que a estrada que vai desta cidade até Reykjavik, a cerca de dez quilómetros, ao passar por Kopavogur, outra cidade, teve de ser estreitada para não perturbar os elfos. Quando a grande empresa de alumínio Alcoa quis construir uma fábrica no Leste da ilha encomendou um certificado a um especialista que garantisse que os terrenos estavam livres destas criaturas. «Não podíamos, como empresa, ser acusados de perturbar as pessoas escondidas», disse um porta-voz à comunicação social, neste Inverno.
Erla Stefansdóttir é uma das mais conhecidas videntes islandesas. Quando os construtores têm algum problema nas obras que não conseguem resolver, costumam telefonar-lhe a pedir conselhos. Erla já tem 74 anos, está cansada de dar entrevistas a jornalistas que vêem esta crença como algo muito curioso, porque para ela isto é normal. Então, decidiu contratar um assessor de imprensa. «A Erla já tem sido ridicularizada. Chamam-lhe a mulher dos elfos e ela detesta isso. Tem uma visão com um espectro muito amplo. Não trabalha para o governo, mas sempre que alguém tem problemas é para ela que ligam», diz Olafur Petursson, o seu porta-voz. «Quando os carros capotam sem explicação, as máquinas não trabalham e estão em perfeitas condições e os homens começam a ficar desesperados, telefonam-lhe. Não têm qualquer ideia sobre o que se está a passar. Talvez gozem nas costas dela, mas ligam à mesma quando precisam», salienta. Ela vai até ao terreno fazer o diagnóstico. Há situações em que a solução é clara: como o proprietário da história de Sigurbjörg, estão a tentar construir sobre a casa de alguém escondido. «Basta desviarem X metros para a esquerda ou para a direita», diz então nesses casos. «Mas há situações em que lhe pedem para negociar com os elfos», diz Olafur. «Ela tem, então, de negociar com eles a sua saída. Explica-lhes a importância do projecto, pede-lhes para procurarem outro sítio para viver ou para ficarem ali mas viverem em harmonia com os construtores. Geralmente eles preferem ir embora», descreve Olafur. Foi também Erla quem desenhou o mapa dos elfos que Sigurbjörg dá aos turistas no início do passeio.
O mapa das «pessoas escondidas»
Há quatro dias do ano mais favoráveis para avistar estas criaturas: a noite de Natal, a noite de Ano Novo, a 12.ª noite (6 de Janeiro) e a noite do meio do Verão, quando o dia é o mais longo do ano. Sigurbjörg passeia com os turistas precisamente nesse dia, mas nenhum deles parece ter o dom para ver as criaturas que supostamente andam à sua volta. Continuam no parque, quando Sigurbjörg pára junto de uma pequena gruta. E relembra: «Havia uma turista espanhola, de Madrid, que queria mesmo ver um elfo e decidiu entrar a rastejar para dentro da gruta.» Conta aos outros turistas que ela «não estava lá dentro há muito tempo quando começou a gritar e saiu aterrorizada. Nós ficámos assustados. Ela garantiu que tinha visto dois olhos a fixarem-na. Passado algum tempo saiu da gruta um gato a correr.»
O passeio está quase a chegar ao fim. No fundo da rua fica o alegado Palácio dos Elfos. Sigurbjörg pára junto de mais uma rocha. «Os trolls vivem dentro das montanhas, são gigantes e têm de viajar antes de o Sol nascer. Este aqui não acabou a viagem a tempo», diz, apontando para a rocha que tem a forma de um rosto gigante de perfil. Afirma que a maioria dos islandeses acredita em elfos e goza com os trolls, mas não explica porquê. Ri-se só e encolhe os ombros como se fosse óbvio que uns existem e os outros são uma invenção.
No final da visita, Gillian, uma das turistas, do Canadá, diz: «Não tenho base para duvidar. Não vi elfos nem pessoas escondidas… não tenho experiência pessoal. Se faz parte da vida das pessoas e as ajuda no seu quotidiano, melhor para elas.» Já Walter Unden, austríaco, confessa: «Nós acreditamos [referindo-se a si e à namorada que está ao lado]. Também temos algumas histórias parecidas na Áustria com gnomos. Espero ver um!»
«Isto não é só nosso», diz Sigurbjörg: «Na Escandinávia têm as senhoras da floresta, na Irlanda têm gnomos. Mas nós talvez tenhamos mantido isto mais próximo do coração, porque também estamos mais isolados do resto do mundo.»
«São entidades que vivem noutras frequências, visíveis por algumas pessoas mais sensíveis. É como quando se ouve uma estação de rádio. Se não soubermos mudar de posto, ouvimos sempre a mesma estação, mas se mudarmos podemos sintonizar muitas outras frequências. É algo que nasce com a pessoa. Para quem vê elfos, eles fazem parte da natureza, como os animais. Ninguém te pergunta como é ver um animal, eles estão simplesmente lá», diz o porta-voz Olafur.
Por isso, Sigurbjörg acaba a visita a dizer: «Esta é a verdade como a conhecemos. Vocês decidem se acreditam ou não. Para mim, o mais importante é as histórias ensinarem-nos a respeitar a natureza.»