Na homenagem a Maria Barroso, o elogio estendeu-se a Soares
A frase estampada lá trás, na placa descerrada pelo Presidente da República, parece contrastar com o presente do homem envelhecido que se senta na cadeira em frente. Diz-nos Maria Barroso que só pensa no passado para ver o que não fez e que gosta de se projetar no futuro.
Mário Soares, o seu marido, que chegou de rosa amarela na mão e o rosto enrugado do sorriso, está ali para ouvir de Marcelo Rebelo de Sousa o agradecimento público, em nome dos portugueses, à sua mulher, Maria de Jesus, que "era uma otimista, uma determinada, uma sonhadora e uma humanista", mas que era também "uma fazedora". Soares ouve e vai acenando, a espaços, como que concordando com o Presidente da República.
Já antes, logo no início da curta homenagem de Marcelo a Maria Barroso (nos 50 anos do hospital, ela que presidiu à Cruz Vermelha Portuguesa), quando o Chefe de Estado se dirigiu ao "Presidente Mário Soares" - "a grande alegria que tenho em vê-lo aqui" - o fundador do PS inclinou-se educadamente, murmurando um agradecimento.
Já se disse: nos 50 anos do hospital, o pretexto era a homenagem a Maria de Jesus Barroso, que de 1997 a 2003 presidiu à Cruz Vermelha Portuguesa, a única mulher que até hoje ocupou esse cargo, e que morreu no ano passado, a 7 de julho, depois de dias internada naquele hospital, na sequência de uma queda em casa. E a breve cerimónia (pouco mais de dez minutos) de evocação de uma das militantes fundadoras do PS foi também um pretexto para o reencontro de Mário Soares com velhos amigos e camaradas, muitos socialistas, o ministro da Saúde, Adalberto Campos Fernandes, e o secretário de Estado da Defesa, Marcos Perestrello.
Já tinha Marcelo Rebelo de Sousa subido ao quarto andar, para visitar as instalações do Hospital da Cruz Vermelha, e António Guterres, Fernando Medina, Maria Antónia Almeida Santos ou Rui Vilar, mas também Leonor Beleza e Vítor Feytor Pinto, entre outros, demoravam-se a cumprimentar Mário Soares, sempre acompanhado do filho João e da filha Isabel.
Guterres tinha chegado sozinho a pé, outros tinham vindo de carro até ali, como Soares, que saiu amparado, ligeiramente curvado, as pernas a falharem-lhe, mas os olhos a procurarem o cumprimento de quem se lhe dirigia. "Está ali uma cadeira", apontaram, e seria nela que o antigo presidente da República ouviria os dois curtos discursos, do presidente da instituição, Luís Barbosa, e de Marcelo. E o Chefe de Estado sublinharia nas suas palavras que a presença de Soares naquela "homenagem muito justa" trouxe "um significado redobrado" à cerimónia.
Sobre a homenageada, Marcelo Rebelo de Sousa só deixou elogios. "Estamos a homenagear a forma como a doutora Maria de Jesus Barroso viveu a sua vida, porque a viveu ao serviço de Portugal", disse, recordando a sua participação na cultura e na política. "Portugal agradece esse testemunho de vida - e não o esquece."
Soares ouviu e no fim deixou aplausos à memória da sua companheira de uma vida. Levantou-se com a ajuda da filha e deu um abraço a Marcelo, rematado com uma palmada mais vigorosa nas costas do Presidente.
O antigo presidente já tinha aparecido em público, a 23 de julho, numa cerimónia evocativa dos 40 anos da posse do I Governo Constitucional. Ontem, Marcelo leu na frase de Maria Barroso, na placa descerrada, um "retrato da pessoa" e "da forma como viveu o seu empenhamento social e comunitário". Aquele homem que ali esteve envelhecido deve rever-se muito nessa mesma frase: "Só penso no passado para ver o que não fiz. Gosto de me projetar no futuro." Afinal, o legado político e pessoal de Mário Soares também se projeta nela.