Durante os protestos por justiça racial que abalaram 140 cidades por todo o território dos Estados Unidos, no verão de 2020, mais de 14 mil manifestantes foram presos. Um estudo publicado em setembro pelo US Crisis Project (do Armed Conflict Location & Event Data Project e a Universidade de Princeton) revelou que 93% dos protestos foram pacíficos, mas a resposta da polícia não..As autoridades usaram balas de borracha e gás lacrimogéneo em inúmeras ocasiões, lançando cargas violentas em cima das multidões que saíram à rua para protestar pela morte do afro-americano George Floyd às mãos da polícia, em Minneapolis..As tensões raciais, que já estavam exacerbadas nos Estados Unidos, atingiram um ponto de inflexão com estes protestos e foram parte integrante da campanha presidencial. Joe Biden, que será acompanhado da primeira mulher afro-americana como vice-presidente, Kamala Harris, desenvolveu um plano para fazer avançar a equidade racial no país, incluindo reformas ao nível da habitação, acesso gratuito ao ensino superior para famílias com baixos rendimentos, expansão de recursos para empreendedores de minorias e um fundo de 30 mil milhões de dólares para financiar pequenos negócios. O que o próximo presidente não se comprometeu a fazer, apesar dos pedidos da ala mais progressista do Partido Democrata, foi a cortar o financiamento da polícia.."Joe Biden não é extremamente progressista, não é um Bernie Sanders nem uma Alexandria Ocasio-Cortez", disse ao DN o professor da Universidade Estadual da Califórnia, Fresno, Thomas Holyoke. "No que toca aos democratas, não dá para ser mais moderado do que Biden." O presidente eleito poderá apoiar algumas reformas nas forças policiais, mudanças nas leis de sentença e na redução da população prisional, "mas apoiar o corte de financiamento em massa dos departamentos de polícia não é algo que ele vá fazer"..Holyoke frisou mesmo que, se defendesse algo assim, Biden sofreria um revés no apoio do seu eleitorado. "No geral, não me parece que a maioria dos americanos esteja de acordo com essa posição", sublinhou..Ainda assim, os acontecimentos de 6 de janeiro, quando uma multidão de apoiantes do presidente Donald Trump invadiu o Capitólio e tentou chegar aos legisladores, foram para muitos uma confirmação inesperada das diferenças de tratamento com base na raça. A falta de preparação da polícia e poucas detenções contrastaram com o que acontecera no verão e em especial em junho, quando uma manifestação Black Lives Matter no mesmo local foi saudada por um contingente robusto de militares da Guarda Nacional. O presidente Donald Trump acabaria por mandar dispersar os manifestantes com gás lacrimogéneo, para atravessar a rua e tirar fotos na Igreja St. John"s..Além da diferença no confronto com a polícia, o que aconteceu a 6 de janeiro foi mais do que um ataque baseado na falsa crença de fraude eleitoral, segundo o professor assistente de Ciência Política na Universidade de Stanford, Hakeem Jefferson.."Isto é, como tanto da política americana, sobre raça, racismo e o empenho teimoso dos americanos brancos em manterem o domínio branco, não importa o custo ou a consequência", escreveu no FiveThirtyEight. Jefferson argumentou que aquelas pessoas não defendem apenas Trump, defendem a supremacia branca, porque estão receosas de que "a sua posição na hierarquia esteja ameaçada pela coligação multirracial que levou Biden ao poder e derrotou Trump" ..Com a continuação das consequências desta invasão, que se farão sentir bem para lá da tomada de posse, Biden terá de abordar os problemas de iniquidade racial que são estruturais na sociedade americana. "Certas pessoas no Partido Democrata e certos ativistas vão ficar chateados", antecipou Holyoke, prevendo que as medidas não serão tão radicais quanto esta ala quereria. "Ainda é cedo para dizer se este movimento vai ser mesmo diferente desta vez..Correspondente em Los Angeles