Músicos, idosos - inspiradores! 

O dia 1 de outubro é, desde 1975, celebrado mundialmente como o Dia da Música, por decisão da UNESCO. A partir de 1991, por escolha das Nações Unidas, a mesma data passou a assinalar também o Dia Internacional dos Idosos. O DN celebra ambos assim.
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A vitalidade artística que subsiste em muitos idosos de fama mundial leva-nos ao encontro de algumas das mais destacadas estrelas/bandas da música folk, pop e rock dos anos 60/70 do século XX, nascidos durante ou a seguir à II Guerra Mundial. São músicos que marcaram de tal forma o panorama musical e social da época que continuam a ser relevantes e reconhecidos por sucessivas gerações, até hoje, ao longo de cinco ou seis décadas de carreira. Muitos continuam em atividade, para deleite do público.

Um critério pessoal levou-me até estes artistas, entre os mais criativos e carismáticos que contribuíram para algum tipo de inovação ou mudança nas suas áreas de atuação: principalmente como músicos - cantores, autores, instrumentistas - mas também como poetas, pacifistas, ecologistas, ativistas ou mesmo missionários, como Cat Stevens/Yusuf Islam (1948), regressado aos palcos e discos depois de um longo interregno dedicado exclusivamente à vida espiritual e familiar.

Se pensarmos na maior influência musical dos anos 60, certamente o consenso recai sobre os Beatles, dos quais, como é sabido, apenas dois sobrevivem. Ringo Starr (1940), o mais velho - que, visto em palco, não se acredita que tem 83 anos - continua a dar concertos, tocando ou cantando com a sua All-Starr Band. Por ocasião do seu aniversário afirmou alegremente que tem cuidado com a alimentação, faz exercício físico e sente-se bem: "A pessoa nunca sabe quando vai sucumbir, essa é que é essa, e eu não estou ainda a sucumbir (risos)."

Por seu lado, Paul McCartney (1942) está prestes a iniciar mais uma digressão internacional (Austrália), num ano marcado pela sensacional exposição de fotografia da sua autoria - imagens inéditas do tempo dos Beatles - na National Portrait Gallery, em Londres (encerra hoje, 1 outubro), e da publicação do respetivo livro/catálogo, 1964: Eyes of the Storm, com texto do próprio. Tanto Paul como Ringo continuam a participar ocasionalmente em faixas de discos de outros músicos, tocando ou cantando.

Por estranho que pareça, o muito recluso Bob Dylan (1941) também se tem feito notar neste ano de 2023. Voltou à estrada com a digressão internacional Rough and Roudy Ways (2021-2024) - desta vez na Europa, incluindo concertos em Lisboa e Porto - tendo já calendarizadas novas datas nos Estados Unidos e Canadá (a partir de hoje, 1 outubro). Entretanto foi anunciado o projeto de um novo filme sobre a sua carreira, A Complete Unknown (com realização de James Mangold), com os atores Timothée Chalamet e Monica Barbaro interpretando Bob Dylan e Joan Baez, respetivamente, sendo o próprio Dylan produtor executivo.

Por falar em Joan Baez (1941), a cantora folk, pacifista e ativista não tem parado neste ano pós-pandemia, apesar de já (quase) não cantar em público. Em fevereiro acompanhou a estreia do documentário Joan Baez: I Am A Noise (realizado por Miri Navasky, Maeve O'Boyle e Karen O'Connor) no Festival de Cinema de Berlim, participando em debates com o público e a imprensa, modelo depois replicado em diversos outros festivais (EUA e Canadá) com enorme sucesso. (O filme passará este mês no DocLisboa, a 19 e a 26, no cinema Ideal e na Culturgest, respetivamente.) Quase em simultâneo saía o livro de cartoons da sua autoria, Am I Pretty When I Fly? (Godine, 2023), que tem igualmente levado Baez em digressão por diversos estados americanos para sessões de lançamento e eventos literários. Inesperadamente - mas na verdade, sem grande espanto, sendo ela quem é - Joan Baez visitou brevemente a Ucrânia, integrada numa missão da Ukraine Children"s Action Project, vendo-se uma vez mais, tantas décadas após o traumático Natal no Vietname em guerra, obrigada a refugiar-se num abrigo antiaéreo durante um bombardeamento noturno perto do alojamento da delegação.

Em maio deste ano saiu o mais recente e, de certa forma, surpreendente álbum de Paul Simon (1941), Seven Psalms [Sete Salmos], cujas sete faixas se complementam para criar uma unidade espiritual e onírica, numa sonoridade acústica onde sobressaem a guitarra e a voz do autor/cantor. Com estreia recente no Festival Internacional de Cinema de Toronto, um documentário sobre esta criação, In Restless Dreams: The Music of Paul Simon (realizado por Alex Gibney), não se restringe a ela mas aborda amplamente a carreira e a obra musical de Paul Simon. (Também gostaríamos de o ver por cá...) Assumindo abertamente que se foi muito abaixo devido à significativa perda de audição, que poderá impedir que volte a cantar em público, Simon mostra-se otimista: "Mas estou com bom aspeto, não estou?".

Da contracosta, Joni Mitchell (1943) - depois de um aneurisma em 2015 a ter deixado em coma três dias e com um prognóstico mais do que negro - reapareceu em palco pela primeira vez no ano passado, de surpresa, no Festival de Música Folk de Newport. Foi uma curta e estrondosamente bem-sucedida participação, que deu brado. O impacto foi tal que, não só deu origem a um álbum lançado este verão, como em junho Joni voltou à ribalta, já em nome próprio, com um concerto no Gorge Amphitheatre, Washington, ao fim de duas décadas afastada dos palcos. Com a voz que lhe resta, é certo, mas há oito anos limpa de tabaco e com a incrível musicalidade de sempre.

Inúmeras bandas de rock que sobressaíram nos anos 60/70 pela originalidade ou qualidade do seu trabalho, nos últimos anos têm calendarizado novas digressões, inevitavelmente levando ao palco os seus antigos sucessos (que o público não dispensa) - frequentemente em projetos de reunião, longos anos após terem cessado a atividade em conjunto - por vezes já desfalcados de alguns membros originais, entretanto afastados, incapacitados ou falecidos.

Caso singular é o dos Rolling Stones (1962) que, após a pausa forçada da covid-19, voltaram à estrada com o núcleo Mick Jagger (1943) /Keith Richards (1943) - fundadores - e Ronnie Wood (1947) (há quase cinquenta anos na banda), tendo entretanto perdido Charlie Watts (1941-2021), o seu baterista praticamente desde o início. Este verão, um anúncio de jornal e outra publicidade impactante deixavam antever, de forma enigmática e sugestiva, que um novo álbum poderia estar para breve. O que de facto se confirmou, com o lançamento há menos de um mês de Angry, a faixa apresentada em Londres com grande espavento e transmissão mundial na internet, do álbum Hackney Diamonds. Consta que numa das faixas participam Ringo e Paul.

Não podia deixar de se mencionar aqui a "nata" da MPB (Música Popular Brasileira) - incluindo os tropicalistas fundadores - que, por coincidência ou não, este ano, um a um, voltaram a atravessar o Atlântico para concertos na Europa, todos rondando ou passando já os 80 anos de idade. Apesar da triste ausência de Gal Costa (1945-2022), desaparecida subitamente há menos de um ano, a temporada de verão/outono em Portugal tem sido recheada de espetáculos com lotação esgotada. É uma sorte podermos continuar a admirar ao vivo músicos tão fabulosos como Chico Buarque (1944) (maio/junho), Maria Bethânia (1946) (julho), Caetano Veloso (1942) (setembro) e, em breve, Gilberto Gil (1942) em Lisboa e no Porto (outubro/novembro) - acompanhado em palco por filhos e netos músicos - de certa forma fechando o círculo. Até agora, todo o lote foi justamente homenageado: Chico com o Prémio Camões 2019 (entregue em abril deste ano), Bethânia e Caetano ambos condecorados com Medalhas de Mérito Cultural. Gil, por sua vez, receberá um doutoramento honoris causa pela Universidade Nova de Lisboa, foi anunciado há dias.

Imperdoável seria não referir aqui a figura ímpar de Roberto Menescal (1937), talvez o único representante vivo do movimento da Bossa Nova que, aos 85 anos, continua a tocar o seu violão e a compor, tendo lançado este ano o single Samba Bom Demais (junho) e o álbum Nós e o Mar (julho). Por entre uma intensa atividade como músico não se furta a cantar, a pedido, o seu eterno sucesso com Ronaldo Bôscoli, O Barquinho (1961), imortalizado por nomes grandes como Nara Leão, João Gilberto ou Elis Regina (todos já falecidos) e tantos, tantos outros que a tornaram famosa.

E, pouco mais velha do que ele, como não recordar Julie Andrews (1935), grandíssima estrela do cinema musical dos anos 60, protagonista dos clássicos infantis Mary Poppins (1964) e Música no Coração /The Sound of Music (1965)? Com uma reconhecida carreira no teatro, cinema e televisão digna de nota e de inúmeras homenagens, tem-se dedicado à escrita em parceria com a sua filha Emma, com dois volumes autobiográficos publicados e vários de literatura infantil. A cada novo lançamento - como no recente The Enchanted Symphony (Harry N. Abrams, 2023) - sucedem-se entrevistas e aparições na televisão, sendo sempre um prazer ouvir as histórias de bastidores dos seus tempos da Broadway e de Hollywood, contadas com uma vivacidade e uma memória invulgares para quem faz hoje - hoje mesmo (1 outubro) - 88 anos.

Nesta galeria de notáveis, há que reconhecer que começa a ser uma corrida contra o tempo. Este ano desapareceu o lendário David Crosby (1941-2023), dos Crosby, Stills, Nash & Young, inesperadamente, quando se encontrava em ensaios para um novo projeto. No Brasil apagou-se a carismática e adorada rocker Rita Lee (1947-2023) que, enquanto teve forças, continuou a escrever e publicar livros. Tornam-se preciosos os sobreviventes que se mantém na ribalta, carregando a bandeira dos tempos irrepetíveis que marcaram a segunda metade do século XX e a gloriosa contracultura.

São músicos, claro. Parece que idosos... mas imparáveis!

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