A vitalidade artística que subsiste em muitos idosos de fama mundial leva-nos ao encontro de algumas das mais destacadas estrelas/bandas da música folk, pop e rock dos anos 60/70 do século XX, nascidos durante ou a seguir à II Guerra Mundial. São músicos que marcaram de tal forma o panorama musical e social da época que continuam a ser relevantes e reconhecidos por sucessivas gerações, até hoje, ao longo de cinco ou seis décadas de carreira. Muitos continuam em atividade, para deleite do público..Um critério pessoal levou-me até estes artistas, entre os mais criativos e carismáticos que contribuíram para algum tipo de inovação ou mudança nas suas áreas de atuação: principalmente como músicos - cantores, autores, instrumentistas - mas também como poetas, pacifistas, ecologistas, ativistas ou mesmo missionários, como Cat Stevens/Yusuf Islam (1948), regressado aos palcos e discos depois de um longo interregno dedicado exclusivamente à vida espiritual e familiar..Se pensarmos na maior influência musical dos anos 60, certamente o consenso recai sobre os Beatles, dos quais, como é sabido, apenas dois sobrevivem. Ringo Starr (1940), o mais velho - que, visto em palco, não se acredita que tem 83 anos - continua a dar concertos, tocando ou cantando com a sua All-Starr Band. Por ocasião do seu aniversário afirmou alegremente que tem cuidado com a alimentação, faz exercício físico e sente-se bem: "A pessoa nunca sabe quando vai sucumbir, essa é que é essa, e eu não estou ainda a sucumbir (risos).".Por seu lado, Paul McCartney (1942) está prestes a iniciar mais uma digressão internacional (Austrália), num ano marcado pela sensacional exposição de fotografia da sua autoria - imagens inéditas do tempo dos Beatles - na National Portrait Gallery, em Londres (encerra hoje, 1 outubro), e da publicação do respetivo livro/catálogo, 1964: Eyes of the Storm, com texto do próprio. Tanto Paul como Ringo continuam a participar ocasionalmente em faixas de discos de outros músicos, tocando ou cantando..Por estranho que pareça, o muito recluso Bob Dylan (1941) também se tem feito notar neste ano de 2023. Voltou à estrada com a digressão internacional Rough and Roudy Ways (2021-2024) - desta vez na Europa, incluindo concertos em Lisboa e Porto - tendo já calendarizadas novas datas nos Estados Unidos e Canadá (a partir de hoje, 1 outubro). Entretanto foi anunciado o projeto de um novo filme sobre a sua carreira, A Complete Unknown (com realização de James Mangold), com os atores Timothée Chalamet e Monica Barbaro interpretando Bob Dylan e Joan Baez, respetivamente, sendo o próprio Dylan produtor executivo..Por falar em Joan Baez (1941), a cantora folk, pacifista e ativista não tem parado neste ano pós-pandemia, apesar de já (quase) não cantar em público. Em fevereiro acompanhou a estreia do documentário Joan Baez: I Am A Noise (realizado por Miri Navasky, Maeve O'Boyle e Karen O'Connor) no Festival de Cinema de Berlim, participando em debates com o público e a imprensa, modelo depois replicado em diversos outros festivais (EUA e Canadá) com enorme sucesso. (O filme passará este mês no DocLisboa, a 19 e a 26, no cinema Ideal e na Culturgest, respetivamente.) Quase em simultâneo saía o livro de cartoons da sua autoria, Am I Pretty When I Fly? (Godine, 2023), que tem igualmente levado Baez em digressão por diversos estados americanos para sessões de lançamento e eventos literários. Inesperadamente - mas na verdade, sem grande espanto, sendo ela quem é - Joan Baez visitou brevemente a Ucrânia, integrada numa missão da Ukraine Children"s Action Project, vendo-se uma vez mais, tantas décadas após o traumático Natal no Vietname em guerra, obrigada a refugiar-se num abrigo antiaéreo durante um bombardeamento noturno perto do alojamento da delegação..Em maio deste ano saiu o mais recente e, de certa forma, surpreendente álbum de Paul Simon (1941), Seven Psalms [Sete Salmos], cujas sete faixas se complementam para criar uma unidade espiritual e onírica, numa sonoridade acústica onde sobressaem a guitarra e a voz do autor/cantor. Com estreia recente no Festival Internacional de Cinema de Toronto, um documentário sobre esta criação, In Restless Dreams: The Music of Paul Simon (realizado por Alex Gibney), não se restringe a ela mas aborda amplamente a carreira e a obra musical de Paul Simon. (Também gostaríamos de o ver por cá...) Assumindo abertamente que se foi muito abaixo devido à significativa perda de audição, que poderá impedir que volte a cantar em público, Simon mostra-se otimista: "Mas estou com bom aspeto, não estou?"..Da contracosta, Joni Mitchell (1943) - depois de um aneurisma em 2015 a ter deixado em coma três dias e com um prognóstico mais do que negro - reapareceu em palco pela primeira vez no ano passado, de surpresa, no Festival de Música Folk de Newport. Foi uma curta e estrondosamente bem-sucedida participação, que deu brado. O impacto foi tal que, não só deu origem a um álbum lançado este verão, como em junho Joni voltou à ribalta, já em nome próprio, com um concerto no Gorge Amphitheatre, Washington, ao fim de duas décadas afastada dos palcos. Com a voz que lhe resta, é certo, mas há oito anos limpa de tabaco e com a incrível musicalidade de sempre..Inúmeras bandas de rock que sobressaíram nos anos 60/70 pela originalidade ou qualidade do seu trabalho, nos últimos anos têm calendarizado novas digressões, inevitavelmente levando ao palco os seus antigos sucessos (que o público não dispensa) - frequentemente em projetos de reunião, longos anos após terem cessado a atividade em conjunto - por vezes já desfalcados de alguns membros originais, entretanto afastados, incapacitados ou falecidos..Caso singular é o dos Rolling Stones (1962) que, após a pausa forçada da covid-19, voltaram à estrada com o núcleo Mick Jagger (1943) /Keith Richards (1943) - fundadores - e Ronnie Wood (1947) (há quase cinquenta anos na banda), tendo entretanto perdido Charlie Watts (1941-2021), o seu baterista praticamente desde o início. Este verão, um anúncio de jornal e outra publicidade impactante deixavam antever, de forma enigmática e sugestiva, que um novo álbum poderia estar para breve. O que de facto se confirmou, com o lançamento há menos de um mês de Angry, a faixa apresentada em Londres com grande espavento e transmissão mundial na internet, do álbum Hackney Diamonds. Consta que numa das faixas participam Ringo e Paul..Não podia deixar de se mencionar aqui a "nata" da MPB (Música Popular Brasileira) - incluindo os tropicalistas fundadores - que, por coincidência ou não, este ano, um a um, voltaram a atravessar o Atlântico para concertos na Europa, todos rondando ou passando já os 80 anos de idade. Apesar da triste ausência de Gal Costa (1945-2022), desaparecida subitamente há menos de um ano, a temporada de verão/outono em Portugal tem sido recheada de espetáculos com lotação esgotada. É uma sorte podermos continuar a admirar ao vivo músicos tão fabulosos como Chico Buarque (1944) (maio/junho), Maria Bethânia (1946) (julho), Caetano Veloso (1942) (setembro) e, em breve, Gilberto Gil (1942) em Lisboa e no Porto (outubro/novembro) - acompanhado em palco por filhos e netos músicos - de certa forma fechando o círculo. Até agora, todo o lote foi justamente homenageado: Chico com o Prémio Camões 2019 (entregue em abril deste ano), Bethânia e Caetano ambos condecorados com Medalhas de Mérito Cultural. Gil, por sua vez, receberá um doutoramento honoris causa pela Universidade Nova de Lisboa, foi anunciado há dias..Imperdoável seria não referir aqui a figura ímpar de Roberto Menescal (1937), talvez o único representante vivo do movimento da Bossa Nova que, aos 85 anos, continua a tocar o seu violão e a compor, tendo lançado este ano o single Samba Bom Demais (junho) e o álbum Nós e o Mar (julho). Por entre uma intensa atividade como músico não se furta a cantar, a pedido, o seu eterno sucesso com Ronaldo Bôscoli, O Barquinho (1961), imortalizado por nomes grandes como Nara Leão, João Gilberto ou Elis Regina (todos já falecidos) e tantos, tantos outros que a tornaram famosa..E, pouco mais velha do que ele, como não recordar Julie Andrews (1935), grandíssima estrela do cinema musical dos anos 60, protagonista dos clássicos infantis Mary Poppins (1964) e Música no Coração /The Sound of Music (1965)? Com uma reconhecida carreira no teatro, cinema e televisão digna de nota e de inúmeras homenagens, tem-se dedicado à escrita em parceria com a sua filha Emma, com dois volumes autobiográficos publicados e vários de literatura infantil. A cada novo lançamento - como no recente The Enchanted Symphony (Harry N. Abrams, 2023) - sucedem-se entrevistas e aparições na televisão, sendo sempre um prazer ouvir as histórias de bastidores dos seus tempos da Broadway e de Hollywood, contadas com uma vivacidade e uma memória invulgares para quem faz hoje - hoje mesmo (1 outubro) - 88 anos..Nesta galeria de notáveis, há que reconhecer que começa a ser uma corrida contra o tempo. Este ano desapareceu o lendário David Crosby (1941-2023), dos Crosby, Stills, Nash & Young, inesperadamente, quando se encontrava em ensaios para um novo projeto. No Brasil apagou-se a carismática e adorada rocker Rita Lee (1947-2023) que, enquanto teve forças, continuou a escrever e publicar livros. Tornam-se preciosos os sobreviventes que se mantém na ribalta, carregando a bandeira dos tempos irrepetíveis que marcaram a segunda metade do século XX e a gloriosa contracultura..São músicos, claro. Parece que idosos... mas imparáveis!.dnot@dn.pt