Música muito popular brasileira

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Some Chico Buarque, Caetano Veloso e Gilberto Gil. Acrescente Milton Nascimento e Elis Regina. Não esqueça Jorge Ben Jor. Agora multiplique tudo por seis. O resultado é Marília Mendonça. Os vídeos da cantora, principal rosto do feminejo, último subgénero do sertanejo, foram vistos e ouvidos 4,1 mil milhões de vezes no YouTube desde setembro de 2014, meia dúzia de vezes mais do que os daqueles clássicos da música popular brasileira todos juntos.

Num suplemento do jornal Folha de S. Paulo, inspirado noutro do The New York Times, dedicado ao que o Brasil, de facto, ouve, chega-se à conclusão de que a "musa da sofrência", uma das alcunhas de Marília Mendonça por escolher temas como infidelidade e amores não correspondidos nas suas letras, é vista 3,2 vezes mais do que Justin Bieber e seis vezes mais do que Michael Jackson. Em cada ocasião em que um brasileiro assistiu a um vídeo de Madonna desde setembro de 2014, o tal corte temporal da pesquisa da Folha, 23 curtiram um de Marília, mesmo tendo em conta que ela só começou a carreira em 2015. Um vídeo dela equivale a 34 dos Beatles.

Em segundo lugar do pódio, a dupla sertaneja Henrique & Juliano. No top ten dos mais vistos, aliás, metade são artistas do sertanejo, estilo musical com raízes no fado, que começou com duas vozes e duas guitarras no interior dos estados de São Paulo, Paraná, Goiás, Minas Gerais, Mato Grosso e Mato Grosso do Sul, e ganhou todo o país, ao jeito do country nos EUA. A renovação e a adaptação permanentes são os motivos apontados para o sucesso do estilo - do folclore rural inicial passou a contemplar o estilo brega, quando explodiram nos anos 1990 duplas como Chitãozinho & Xororó, Leandro & Leonardo ou Zezé di Camargo & Luciano (estes ainda em sétimo no ranking); evoluiu na década seguinte para o sertanejo universitário, representado por jovens a solo, como Luan Santana ou Michel Teló, a fazerem uso de novos instrumentos e temáticas; e derivou nos últimos dois anos para o feminejo, a versão feminina, encarnada por Marília Mendonça ou Maiara & Maraísa, as nonas mais vistas.

O terceiro, o quinto e o sexto da lista elaborada pela Folha são gospel, também chamado de música cristã contemporânea ou pop cristão para se distinguir dos espirituais negros americanos. O segredo do estilo de Bruna Karla, Aline Barros e Anderson Freire e tantos outros é a facilidade de propagação, atrelado à expansão da fé evangélica, que em 2040 pode ser a preferida dos brasileiros. Assinala a pesquisadora Fabiana Batistela que, ao contrário dos agentes culturais que alugam casas de espetáculos, pagam impostos e investem em equipamentos e bandas, a igreja ocupa uma garagem, não é tributada, põe fiéis a cantar de graça e é a única opção de diversão em bairros carentes Brasil afora.

Para completar os dez primeiros, em quarto ficou o infantil Galinha Pintadinha e, em nono, o funkeiro MC Kevinho, com 2,8 mil milhões de audições desde 2016, quando começou a carreira. Ele e MC Livinho (18.º da lista) são os ícones da variante conhecida como funk ousadia, com letras erotizadas a ponto de o género ter sido alvo de uma proposta de criminalização no Congresso Nacional. Antes da crise estava na moda o funk ostentação, a cavalgar na bonança económica da era Lula, entretanto evaporada. Ambas são versões paulistas do funk carioca, que canta há décadas a violência das favelas. O êxito nacional de MC Kevinho e dos outros está, segundo os especialistas, associado à adequação perfeita desses artistas às novas ferramentas de divulgação, como o YouTube, usado no Brasil, em 95% dos casos, para ouvir música.

Um dos dados interessantes do estudo é que a cada 20 faixas ouvidas no Brasil, 17 são de artistas locais.

Outro, ainda mais extraordinário, é o ritmo torrencial a que surgem novos nomes no país - não espantará se numa lista de daqui a um ou dois anos Marília Mendonça, 22 anos, for considerada passado. A exceção à voracidade do tempo é o 16.º classificado da lista, um tal de Roberto Carlos, consumido por 1,8 mil milhões de utilizadores no período em causa, e que depois de amanhã vai apresentar o seu "especial de fim de ano" na TV Globo pelo 43.º ano seguido.

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