Obra recém-descoberta de Almada mostra-se no Porto
Os desenhos originais de Almada Negreiros exibidos em Madrid em 1929 eram um mistério para Mariana Pinto dos Santos quando fez a curadoria da retrospetiva que esteve no Museu Gulbenkian no primeiro semestre deste ano. "Não se percebia quando a exposição de Lisboa foi montada como é que tinha sido projetado", conta. "Eu até tinha ido à Cinemateca e tinha falado com especialistas. Uma das hipóteses era ter usado um aparelho antepassado do retroprojetor, que se chama epidiascópio". Foi já depois da inauguração de Uma Maneira de Ser Moderno que a resposta foi encontrada.
As imagens de La Tragedia de Doña Ajada começaram a circular e, explica a curadora, "há alguém que percebe que tem em casa uma obra que é do Almada". Os desenhos correspondiam às imagens que tinha em casa. "Uma família tinha há muito tempo guardado os vidrinhos com aqueles originais fotografados e pintados à mão". Desconheciam que eram do artista e para que serviam estes objetos que verão a luz pela primeira a partir de quinta-feira, no Museu Nacional Soares dos Reis, na exposição José de Almada Negreiros: Desenho em Movimento.
O mistério desfazia-se. "Almada fez fotografar os desenhos originais. Não os mostrou nada naquele epidiascópio, mostrou-os sim num verdadeiro aparelho de lanterna mágica e, mais do que isso, pintou cada vidro à mão", refere, com inegável entusiasmo a curadora. "Eles têm uma cor que não é a que está nos desenhos originais".
Na nova mostra dedicada ao trabalho de Almada Negreiros, as imagens serão projetadas em formato digital. "Com a cor que na verdade tinham. É muito diferente", refere a curadora. Os vidros, por sua vez, estarão em exposição.
Os seis desenhos originais, recortados em silhueta, da obra La Tragédia de Doña Ajada foram exibidos em Madrid e correspondia-lhes um libreto (que se perdeu) e a uma composição musical de Salvador Bacarisse que só voltou a ser tocada em março deste ano pela Orquestra Gulbenkian. Esse concerto foi gravado e poderá ser ouvido no Museu Soares dos Reis.
"É muito inusitado encontrar um artista a trabalhar este suporte em 1929", nota Mariana Pinto dos Santos ao DN. "O aparelho de lanterna mágica era já completamente obsoleto. É curioso ser usado para acompanhar um concerto musical com uma parte narrada, precisamente no ano em que surge o cinema sonoro", refere a historiadora de arte.
O artista, como outros da sua época, interessa-se pelo cinema (elogia Manoel de Oliveira e Os Verdes Anos, de Paulo Rocha), mas é crítico do cinema sonoro. Para Almada, é no cinema de animação que se encontra a arte. Di-lo depois de ver A Branca de Neve e os Sete Anões.
Uma nova exposição
Observar José de Almada Negreiros (1893-1970) pela importância que o cinema imprimiu ao seu trabalho é o que interessa a Mariana Pinto dos Santos. Era disso que tratava uma parte da exposição da Gulbenkian, um conceito que se amplia no Museu Soares dos Reis. José de Almada Negreiros: Desenho em Movimento é outra exposição. Com a mesma curadora (e a colaboração da Fundação Calouste Gulbenkian). "Há quem o queira estudar do ponto de vista performativo, que também é muito relevante. Isto [a perspetiva cinematográfica] é uma proposta que não invalida outras perspetivas", considera a curadora, que tem trabalhado o Modernismo e investiga o espólio escrito de Almada Negreiros desde 2001 e a obra plástica desde 2012.
Almada Negreiros: Desenho Inventado voltará a mostrar os 64 desenhos de Naufrágio da Ínsua, produzidos durante umas férias com a mulher Sarah Afonso em Moledo do Minho. "É um momento muito curioso e importante de salvar", defende a curadora. "É um artista que leva para o quotidiano a linguagem cinematográfica. Não deixa de criar, fazer acontecer arte, num contexto mundano, do dia a dia", observa ao DN. "É uma ideia de criação em que o que importa é criar", acrescenta, lembrando ser esta uma das razões pelas quais outro artista, Ernesto de Sousa (também estudado por Mariana Pinto dos Santos), "elegeu Almada como figura tutelar figura tutelar daquilo que ele acreditava que devia ser a arte, uma arte experimentalista, conceptual, performativa, uma ideia muito importante nos anos 60 e 70".
No Soares dos Reis os desenhos estão em maioria, mas não só. Vão lá estar As Banhistas, as pinturas da Engomadeira, da Sargaceira, e, entre outros trabalhos, um retrato inédito oferecido a Maria Madalena Amado (uma menina da aristocracia que participou nos bailados de Almada e a quem o artista ofereceu várias obras) e "estudos dos painéis da Rocha Conde de Óbidos que não estiveram em Lisboa e que se encontram em depósito no Museu do Chiado ".
Do capítulo painéis, há fotografias as de um painel de uma casa em Cascais que até agora não estava documentado e imagens de época dos exteriores do cine San Carlos, em Madrid, hoje muito deteriorados, "um baixo relevo a preto e branco com a história do cinema", revela Mariana Pinto dos Santos. Impressas em grande dimensão, para "dar a perceber a escala que tinham".