Músculos e estética. O que leva cada vez mais homens a querer mudar a sua aparência?

A ideia da cultura da estética como algo exclusivo do universo feminino ficou bem atrás no passado. Hoje, quer seja nos ecrãs de cinema, em fotografias nas redes sociais, no mundo do desporto e até no dia a dia estamos rodeados de corpos e caras masculinas cada vez mais trabalhados e os homens são os novos "alvos" da chamada "indústria da beleza".

Numa era dedicada à busca intensiva pela perfeição, glorificada visualmente no universo das redes sociais, os procedimentos estéticos, no corpo e no rosto, são agora tratamentos quase banalizados também entre os homens, com os estigmas anteriormente associados a desaparecerem em prol de um maior relevo a conceitos de saúde e bem-estar.

Bruno Maia, de 31 anos, faz parte dessa nova geração masculina que encara o corpo como um instrumento importante para o seu bem-estar e auto-estima. Há três anos começou a realizar procedimentos estéticos com o objetivo de aumentar a sua confiança. Botox, microneedling para reduzir cicatrizes de acne e carboxiterapia para reduzir as olheiras foram os tratamentos que realizou numa clínica, em Lisboa, com o objetivo de "acabar com algumas inseguranças".

"Como já passei dos 30 anos começam a aparecer alguns pequenos sinais da idade que tento esconder através dos tratamentos. Sou uma pessoa muito expressiva, então acabo por ter marcas de expressão muito vincadas. Fui fazendo os meus procedimentos numa perspetiva de melhorar as minhas cicatrizes, que me incomodavam. Depois avancei para tratamentos que me permitem manter a naturalidade, mas de uma forma harmoniosa", explica, em conversa com o DN.

A cada sete meses, Bruno volta à clínica para fazer a manutenção dos procedimentos e pretende continuar este processo. Mas não é o único. A medicina estética é cada vez mais uma tendência masculina.

Para Bruno Maia, tudo se resume a uma questão de bem-estar pessoal. Afinal, "o que todos querem é sentir-se bem". "Acho que aos poucos se começa a não ligar tanto ao que se vê online e muitos começam já até a perceber quando se utilizam filtros para passar uma imagem que não é a verdadeira. As pessoas têm agora sim uma preocupação diferente, que é a da autoestima. É aí que entram os cuidados estéticos", acrescenta.

Pedro Melo, especialista em medicina estética e co-proprietário da Art Beauty Clinic, responsável pelos procedimentos de Bruno, testemunha que houve uma mudança de mentalidades, sobretudo entre os homens.

"Nota-se cada vez mais uma mudança de paradigma. Isto é, antigamente os homens apenas vinham às clínicas para acompanhar as mulheres, mas hoje em dia já aparecem sozinhos, de todos os estratos sociais e todas as idades, a quererem vir fazer os tratamentos. Já se preocupam mais com a aparência, em cuidar-se e em manter a jovialidade, como parte integrante dos seus cuidados de saúde", diz.

Na opinião de Pedro Melo, isto acontece porque "os procedimentos estéticos já não são vistos como uma vaidade ou algo supérfluo, mas como uma ferramente que pode ajudar a melhorar a autoestima", esclarece. Além disso, "as pessoas já não encaram a medicina estética como um luxo, mas como algo enquadrado dentro dos cuidados de saúde".

De acordo com o especialista, "os homens procuram maioritariamente realizar a harmonização facial" - um tratamento que consiste na combinação de vários procedimentos estéticos que têm como objetivo tornar o rosto mais "equilibrado", reduzindo os sinais da idade.

Mas a que se deve esta procura pela perfeição? De acordo com o médico, "existe neste momento muita pressão das redes sociais por parte de alguns modelos de aparência do mundo do futebol, atores e influencers". Aliás, o facto de as figuras públicas expressarem abertamente que recorrem a procedimentos estéticos "leva a que os homens percam a vergonha e encarem a estética como algo profundamente natural".

Nessa perspetiva, entre os procedimentos faciais com mais procura, durante todo o ano, encontram-se a projeção do queixo, atenuação das rugas, bem como salientar o contorno da mandíbula. Já na época pré-verão, procuram-se sobretudo tratamentos do corpo, em termos da gordura localizada.

"Existe uma certa tendência a procurar este tipo de tratamentos consoante a idade. Nas idades mais jovens, independentemente do género, há preocupação na hidratação da pele ou em aumentar algum tipo de característica da face, como por exemplo os lábios. Nas idades mais avançadas já existe a procura pelo botox para atenuar as rugas de expressão", afirma.

"Nas redes sociais praticamente só se vê corpos em forma e as pessoas não querem ficar fora dessa idealização". É nos ginásios (sobrelotados) que se encontram a maior parte das pessoas em busca de um corpo perfeito. Quer seja por motivos de saúde, bem-estar físico e psicológico, ou até mesmo por questões de autoestima, os portugueses procuram cada vez mais exercitar o corpo.

Quem o garante é Sérgio Miguel, personal trainer e treinador de Crossfit há cerca de dez anos, que explicou ao DN as novas tendências dos corpos masculinos.

"Hoje são cada vez mais as pessoas que treinam do que as que não treinam. No caso dos homens, a maioria procura obter uma estética mais bonita e privilegia sempre a zona do peito e dos ombros, visto que dão largura ao tronco. Querem ter o típico peito à Arnold Schwarzenegger", admite.

Sérgio considera que muita da vontade de trabalhar o corpo surge devido à influência das redes sociais, particularmente a plataforma Instagram, que incentiva as pessoas a "terem um estilo de vida mais ativo e mais saudável". Porém, admite que muitos treinam "com objetivos mais estéticos" e "para poderem aumentar a sua autoestima perante uma sociedade cada vez mais exigente e que cada vez mais olha para as aparências".

Segundo o treinador, existe alguma pressão para ter um corpo musculado, que se pode atribuir ao impacto das figuras públicas ou influencers. Chris Hemsworth, Jason Momoa ou Henry Cavill - três "heróis" da atualidade (Thor, Aquaman e Super Homem, respetivamente) -, são três exemplos de celebridades que inspiram muitos homens a querer um corpo excessivamente musculado.

Nesse sentido, "há cada vez mais homens a treinar", tendo o número de frequentadores de ginásios aumentado consistentemente. Na verdade, a dedicação ao corpo fez com que surgisse o termo gym bros, que satiriza os homens que passam a maior parte do seu tempo livre no ginásio.

Apesar de muitos recorrerem aos típicos treinos nas academias e ginásios, Sérgio Miguel alerta para o aumento da procura na modalidade de Crossfit - um tipo de treino intenso que "permite treinar todo o corpo".

"Vê-se cada vez mais uma tendência para o treino funcional, como o Crossfit.Os homens estão cada vez mais à procura de fugir aos treinos tradicionais e à musculação. Neste caso, o treino funcional foge à norma e num só treino é possível estimular todo o corpo. As pessoas têm cada vez menos tempo livre, devido ao trabalho, e, com o cross training, num curto tempo de espaço conseguem treinar tudo. Além disso, neste tipo de treino existe um enorme sentido de comunidade que une os atletas e os motiva a não desistir", defende.

A ideia de rejuvenescer, ou envelhecer de forma cuidada, é de forma geral uma atitude que já abrange pessoas de todos os géneros e idades. Cada vez mais se procuram formas de corresponder à ideia de jovialidade, quer seja através do tratamento da pele, do corpo ou até da roupa que se veste. "Conforme se diz para as mulheres que os antigos 50 são os novos 30, isso também se aplica nos homens", começa por exemplificar Paula Camarneiro, consultora de imagem.

A busca por confiança é o principal fator de mudança, confirma a especialista, que aconselha desde jovens que tentam iniciar a sua vida profissional até muitos homens adultos que procuram uma mudança de visual.

"Os homens estão mais confiantes e tudo o que os ajudar a aumentar a autoestima é uma prioridade", afirma Paula. Conseguir ter um "estilo mais charmoso" é o objetivo de muitos, que agora prestam mais atenção ao que vestem e "aos pequenos detalhes" que se podem incluir na moda. Além disso, a barba, o cabelo e a depilação são também fatores cada vez mais cuidados.

No entanto, nem todo o esforço remete para o aspeto físico. "Os homens não estão só preocupados com o físico, mas também com o interior e a sua autoestima. Ao contrário do que acontecia antigamente, os homens agora cuidam-se para se sentirem melhor. E com tanta informação ao dispor, aderem às novas tendências", diz.

Paula Camarneiro alerta também para a saúde mental masculina, que muitas vezes pode ser afetada em questões de pressão social. Na sua profissão, a especialista considera que é importante perceber as razões que levam alguns homens a quererem mudar o seu físico, bem como a forma como agem e socializam.

"A parte da socialização, hoje em dia, está cada vez mais em alta. Todos querem saber socializar, conhecer pessoas novas... e sentir-se bem no seu próprio corpo é uma parte importante do processo", sublinha.

ines.dias@dn.pt