Murais políticos continuam forma de passar mensagens
Em 1964, António Alves entrou para o MRPP, tinha 16 anos e já levava um de pintura de paredes.
"Comecei a pintar na parede pelos 15 anos, mas não eram ainda murais. Eram grafites, frases políticas: pelo regresso dos soldados, em solidariedade com os povos das ex-colónias. Fiz parte de uma organização que na altura fazia campanhas sobre essas matérias, e estive envolvido seriamente nisso", recordou em entrevista à agência Lusa.
Só mais tarde, no final de 1975, é que começou a pintar murais. "Primeiro ainda fizemos 'stencils', a partir de platex. Digamos que foi um trabalho pré-murais, em que fazíamos imagens e letras, e combinávamos três cores essencialmente", contou.
A liberdade, habitação, saúde e reivindicações dos trabalhadores eram, nesse tempo, o tema primordial dos murais, que foram "subindo gradualmente de qualidade e de dimensão e tinham sempre que ver com campanhas específicas que a organização [MRPP] fazia".
António Alves lembrou que "se vivia um momento quente, um momento revolucionário".
"Tinha havido o 25 de Abril [de 1974] e este país estava em ebulição. Os grandes centros urbanos, Lisboa em particular, respiravam energia e isso refletia-se também na arte e na cultura, e nós nessa vertente fazíamos murais que espelhavam a nossa posição face ao momento político", recordou.
Destes murais pouco ou nada resta nas paredes das cidades. "Por um lado há a erosão do tempo, e não são recuperados. A incidência da intempérie provoca a sua deterioração.
Por outro lado, começa a haver repressão, de uma forma dessaborida, contra os murais e a liberdade das pessoas em se manifestarem e em se revoltarem", notou.
O antigo muralista do MRPP, partido de onde acabou por sair há cerca de 12 anos, recordou alguns "episódios bastante negativos" que aconteceram com quem pintava paredes, como aquele em 1995, em que "um grupo de cerca de 20 ativistas, militantes, é cercado pela polícia, de forma desproporcionada, para impedir [a realização de] um mural que reproduzia os murais do passado".
Apesar do tom calmo e pausado com que se exprime, António Alves fala com alguma revolta de "autênticos atentados" aos murais, com "centenas e milhares de metros de publicidade". "Chegaram a destruir muros que continham murais para colocarem publicidade", observou.
Além disso, "a legislação foi endireitando também". "Hoje não há legislação que permita os murais, exceto se o proprietário permitir que isso aconteça. Mas mesmo assim, há um acaso recente em Guimarães, em que o proprietário permitiu e a câmara foi lá e destruiu o mural", disse.
Hoje, os temas variam, mas são "de caráter social e político, naturalmente". "Nós continuamos a fazer murais, falo em nós porque participo coletivamente, nem que seja com crianças em associações, em cooperativas de habitação", referiu.
Para António Alves, "é difícil estar de braços cruzados perante a política e a hecatombe social, até um terrorismo social, que está patente na governação deste país".
"Eu não posso estar alheio a isso. Não podendo fazer murais farei 'stencil', que é uma coisa mais prática e rápida", disse.
O antigo muralista do MRPP não acredita que haja hoje uma repetição dos murais antigos, mas "talvez outro tipo de atividade, com outras nuances".
"Hoje há outros meios, há internet, há uma sofisticação grande do trabalho interventivo, social e político que se pode fazer. Antes pintava-se com os dedos ou pincéis rudimentares, e hoje há outras formas: há pincéis melhores, há rolos, latas de spray. Há muitas formas de fazer murais, muitas formas de trabalhar", afirmou.
Seja de que maneira for, António Alves defendeu que esta continua a ser uma boa maneira de passar mensagens.
"Isto teve um papel muito importante na altura, de passar mensagens, porque nas televisões só por si não chegava. Era o exprimir uma ideia, um sentimento de luta. Acho que tinha todo o cabimento continuar a fazer-se", vincou.
Para António Alves, "é muito importante manter vivo este espírito", esta "forma de expressão", por isso continua uma atividade em que deu os primeiros passos há 40 anos.