Municipais no Brasil. "Voltar ao voto manual seria como voltar ao videocassete"

Luís Roberto Barroso, presidente do Tribunal Superior Eleitoral, explica a opção pelo voto eletrónico no país, ao contrário do que sucede nos Estados Unidos. "Tem se revelado impermeável a <em>hackers</em> e fraudes", garantiu em conversa com os correspondentes estrangeiros no Brasil.
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Luís Roberto Barroso, um dos 11 juízes do Supremo Tribunal Federal (STF) e atual presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), respondeu em entrevista a correspondentes estrangeiros no Brasil, entre os quais o do DN, a dúvidas sobre as eleições municipais de domingo dia 15, sob sua responsabilidade.

Além da pandemia, que adiou o sufrágio em mais de um mês, do apagão no Amapá, que impossibilita a ida às urnas na capital Macapá, foram abordadas, sobretudo, a questão das fake news, tema central na presidencial de 2018, e a da dicotomia "votos eletrónicos versus votos manuais", com as demoras e suspeitas na contagem dos votos geradas nos Estados Unidos como pano de fundo.

Barroso, 62 anos, é juiz do STF desde 2013, por nomeação da então presidente Dilma Rousseff. Com carreira no Rio de Janeiro, é considerado um dos juízes da corte mais progressistas, em matéria de costumes, e também dos mais alinhados às teses da Operação Lava Jato.

Eis um conjunto de perguntas e respostas sobre as municipais brasileiras com a contribuição, nalgumas delas, do jurista.

Quando é a eleição?

Domingo, dia 15, dia da proclamação da República no Brasil. As segundas voltas, caso necessárias, serão a 29. As datas originais, 4 e 25 de outubro, foram adiadas em virtude da pandemia.

Além da data, como a pandemia afetou a eleição?

O uso de máscara é obrigatório, sob pena de quem chegar ao local de votação com o rosto descoberto ser impedido de votar, além da utilização de álcool gel nas mãos antes e depois do voto.

O horário de votação foi ampliado, das 7h (10 h em Portugal) às 17h (20h em Portugal), com horário preferencial das 7h às 10h para maiores de 60 anos.

Foi pedido aos eleitores para, se possível, não levarem crianças nem acompanhantes na hora da votação. Quem estiver com febre ou tiver tido Covid-19 nos 14 dias antes da votação, deve ficar em casa.

A lista completa de regras foi estabelecida por médicos de dois dos principais hospitais de São Paulo, o Sírio Libanês e o Albert Einstein, e pela Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), instituição de pesquisa e desenvolvimento em ciências biológicas localizada no estado do Rio de Janeiro.

Quem vai a votos?

517.786 candidatos aos 5.568 cargos de prefeito, aos 5.568 cargos de vice-prefeito e aos 57.942 cargos de vereador dos 5.568 municípios do Brasil. É uma relação de 8,6 candidatos por vaga.

Cada partido deverá reservar a quota mínima de 30% para mulheres filiadas.

A idade mínima para se eleger prefeito ou vice-prefeito é 21 anos e para vereador 18 anos.

Qual o partido com mais candidatos?

O partido do ex-presidente Michel Temer é o mais disseminado no Brasil, beneficiando-se de ter sido o único de oposição autorizado a existir no período da ditadura militar (de 1964 a 1985).

Quantos brasileiros estão aptos a votar?

147.897.396.

O voto é obrigatório?

Sim. Quem não votar sofre multa pecuniária e outras punições.

Todos os 26 estados votam em simultâneo?

Salvo as diferenças horárias, sim. Mas há uma exceção: as eleições em Macapá, a capital do Amapá, foram adiadas em virtude de um apagão elétrico que afetou a região nas últimas semanas.

Luís Roberto Barroso conta o que sucedeu: "O Tribunal Regional Eleitoral do Amapá deu indicação de que a situação estaria regularizada até domingo, dia da ida às urnas. Mas como houve desabastecimento de luz, de água e de comida, o que gerou saques e tumultos, com grupos criminosos a explorar a situação, o tribunal mudou o seu entendimento, pedindo-nos o adiamento. Falei com as autoridades de segurança e de defesa locais para ter opiniões técnicas e decidimo-nos pelo adiamento".

A contagem dos votos no Brasil é tão demorada (e tão passível de suspeitas e de judicialização) como a dos Estados Unidos?

Não. Graças ao método da urna eletrónica: o eleitor digita o número dos candidatos em quem deseja votar num aparelho não muito diferente de um multibanco.

A contagem é considerada rápida, segura e eficiente por especialistas tendo em conta o gigantismo do país.

"Urnas eletrónicas não dão espaço a judicialização porque tudo é auditado e sem brechas para fraudes, somos contrários ao voto impresso precisamente porque iríamos ter uma enorme judicialização com esse sistema", afirma Luís Roberto Barroso.

"Estive como observador nos Estados Unidos e é difícil estar agora a comparar os métodos, pelo modo de apuração de votos, urna eletrónica aqui e voto manual lá, por ser eleição de um dia aqui e haver a figura do voto antecipado lá", prosseguiu o juiz.

"Mas o que sucedeu desta vez é que como esse voto antecipado lá foi de 100 milhões de eleitores, quase todos democratas, isso gerou aqueles questionamentos, mas tudo isso são situações que não encontram eco aqui".

Desde quando é usada a urna eletrónica no país?

Desde 1996.

O Brasil é o único no mundo a usar essa tecnologia?

Segundo levantamento do Instituto Internacional para a Democracia e a Assistência Eleitoral sediado em Estocolmo, na Suécia, também a Suíça, o Canadá, o México, o Peru, o Japão, a Coreia do Sul e em certa medida a Índia, maior democracia do mundo em número de eleitores (800 milhões), usam o método.

É mais ou menos fiável do que o voto manual usado em Portugal? Jair Bolsonaro, que disse ter provas, sem as mostrar, de que teria sido eleito à primeira volta em 2018, já disse que pretende o regresso do método antigo...

"Fernando Henrique Cardoso, Lula da Silva, Dilma Rousseff, Jair Bolsonaro foram todos eleitos pela urna eletrónica. Alguém duvida que era essa a vontade popular?", pergunta o juiz do STF Luís Roberto Barroso.

"E os resultados", prossegue, "foram sempre próximos das sondagens". "Jamais houve uma evidência de fraude e olhe que nós abrimos o sistema a hackers para o testarem mas nunca nenhum chegou ao coração do sistema".

E conclui: "O voto impresso agora seria como hoje, na era do streaming, comprar um aparelho de videocassete".

Sobre o projeto de Bolsonaro, ainda como deputado de ligar uma impressora às urnas, Barroso é claramente contra até pelo custo financeiro: "O pedido em causa, de acoplar impressoras, custaria 2,5 mil milhões de reais - o custo total do ato eleitoral, sem elas, é de 1,2, menos de metade".

O Brasil pretende manter o método da urna eletrónica no futuro?

Segundo Barroso, a ideia é, em atos futuros, votar pelo telemóvel. "O dispositivo pessoal, numa era em que se faz tudo por aplicativos, seria mais rápido e barato porque a manutenção das urnas é cara".

E como o TSE se preparou para as fake news, tema chave das eleições de 2018?

O presidente do tribunal afirmou que estabeleceu parcerias com aplicativos de mensagens e redes sociais. "Demos ênfase ao Whatsapp, usado por 70 milhões de brasileiros, que se comprometeu nesse combate e estabelecemos canais de comunicação direto com as medias sociais, que mudaram de comportamento, ao deixarem de dizer que são apenas a via de propagação das notícias falsas".

"Além disso fizemos parceria com nove agências de confirmação de dados, o meu empenho em combater fake news não é só por razões eleitorais, mas porque a democracia é feita de debate público de qualidade e as fake news comprometem esse debate".

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