Multidão apoia Artur Mas julgado por referendo com outro já no horizonte
Artur Mas regressou ontem simbolicamente à Generalitat da Catalunha, à qual presidiu entre 2010 e 2016, para ser recebido pelo seu sucessor, Carles Puigdemont, antes de começar a ser julgado pela realização do referendo independentista de 9 de novembro de 2014. Consigo estavam Joana Ortega e Irene Rigau, ex-vice-presidente e ex-responsável pela Educação, as duas outras acusadas deste processo.
Puigdemont mostrou a sua "indignação" com o julgamento de Mas, sublinhando que esta situação "nunca" deveria ter acabado em tribunal. "Muita gente sente-se representada por Mas, Ortega e Rigau", sublinhou. "Muitos nos sentimos julgados", prosseguiu o líder da Catalunha, expressando a sua "indignação" por serem os tribunais a tratarem de uma "questão política
Houve direito a foto de família, com elementos do atual e anterior governos, antes de iniciarem o percurso a pé entre o Palácio da Generalitat e o Palácio de Justiça de Barcelona, acompanhados por milhares de pessoas, vindas de toda a Catalunha, que gritavam palavras de ordem como "independência" ou "não estão sozinhos", empunhando bandeiras da Catalunha. Um percurso que durou 75 minutos e que contou com um grande dispositivo policial, fardados e à paisana, mas do qual não há relatos de incidentes.
O julgamento tinha início marcado para as 9.00 locais (8.00 em Lisboa), mas Artur Mas, Joana Ortega e Irene Rigau só chegaram 25 minutos depois e ainda estiveram a tirar fotos e a trocar abraços. Depois, finalmente, o trio de acusados decidiu entrar no Palácio de Justiça, não sem antes saudar os manifestantes.
O Ministério Público pede que Artur Mas seja impedido de exercer funções públicas durante 10 anos pelo seu envolvimento na consulta independentista. E nove anos de inabilitação para Rigau e Ortega. Os três são acusados dos delitos de desobediência grave e prevaricação, com Artur Mas como autor do crime e as conselheiras como colaboradoras necessárias.
O conflito entre Madrid e a Catalunha arrasta-se há várias décadas, mas tem vindo a subir de tom nos últimos anos, tendo o movimento independentista ganho uma nova intensidade a partir de 2010, quando o Constitucional anulou o "Estatuto" da Catalunha, que desde 2006 conferia à região muitas competências e o título de "Nação".
Os partidos separatistas têm uma maioria de deputados no parlamento regional desde setembro de 2015 o que lhes deu a força necessária em 2016 para declarar que irão organizar até setembro deste ano um referendo sobre a independência da Catalunha, mesmo sem o acordo de Madrid.
"Não havia intenção de cometer nenhum delito, nem desobedecer a nada", declarou ontem em tribunal Artur Mas, que fez uma declaração de 45 minutos, evitando assim as perguntas do Ministério Público e limitando-se a responder ao seu advogado. O ex-presidente da Catalunha recordou ainda que o Constitucional não alertou para as consequências que poderiam advir da realização da consulta popular. "Se era tão evidente que era um delito, como é possível que o Constitucional nada tenha feito para fazer cumprir a sua resolução?", questionou.
Mas apresentou-se como sendo um político numa encruzilhada de deveres: "o dever de cumprir" a resolução do Constitucional e um "dever maior" de obedecer ao "mandato parlamentar" e ao "clamor das ruas" para votar sobre a independência. "Eu fui responsável por tudo", garantiu Mas no final da sua intervenção. Hoje começam a ser ouvidas as testemunhas.
Impróprio e prejudicial
O ministro da Justiça do governo de Mariano Rajoy garantiu que o "número" organizado ontem por grupos independentistas nas ruas de Barcelona antes do início do julgamento de Mas, Ortega e Rigau é "absolutamente impróprio" de uma democracia.
Rafael Catalá, em declarações à rádio Cope, defendeu que "a democracia é o respeito pelas instituições e o que se está a fazer hoje não é respeitar o poder judicial", numa referência às manifestações de apoio a Mas nas ruas de Barcelona.
O PP, através do seu vice-secretário de Comunicação, Pablo Casado, recordou que Artur Mas está a ser julgado por ter "desobedecido" ao Constitucional, sublinhando que a manifestação que antecedeu o início do julgamento foi "sobretudo" protagonizada por "funcionários públicos" porque "a Catalunha real estava a trabalhar".
Da parte do PSOE, o porta-voz da Comissão Gestora, Mario Jiménez, considerou que com o "espetáculo visto hoje ninguém ganha e todos perdemos", sublinhando que "nada é possível em Espanha à margem da lei". "Tão prejudicial para a democracia é que um ex-presidente tenha de desfilar pelos tribunais por desobedecer ao Constitucional, como a convocatória de cidadãos à porta de um tribunal", acrescentou.
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