Mudanças radicais

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Vivemos tempos de profundas mudanças. Em rigor de mudanças radicais. E só o domínio mediático de um interessante, e surpreendente, Mundial de futebol nos tem afastado de uma precisa consciência de tais mudanças. Recordo John Kennedy, um dos mais expressivos presidentes americanos: "A mudança é a lei da vida. E aqueles que olham para o passado ou para o presente irão com certeza perder o futuro." Por cá há mudanças radicais na banca, em particular num dos bancos de referência de Portugal: o Banco Espírito Santo. E permanece uma alta crispação política e social com uma complexa, assumida e frontal luta de poder no Partido Socialista. Mas como ocorreu com a crise que atravessou o mesmo partido na sequência do Bloco Central - o governo PS e PPD/PSD constituído em razão de uma exigência do FMI! - e da criação, eleitoralmente relevante, do então Partido Renovador Democrático - impulsionado, a partir de Belém, pelo então presidente da República Ramalho Eanes - algumas feridas serão saradas depois desta "luta". Desde que haja poder e, principalmente, a sua ocupação. Mas acredito que desta vez nem todas as feridas serão saradas.

Mas é no Médio Oriente e nas fronteiras da Rússia que estão a desenvolver-se mudanças significantes. Em rigor radicais. No Médio Oriente sente-se, em rigor, o fim do Iraque. Ou, em outra perspetiva, o fim dos acordos Sykes-Picot de 16 de maio de 1916 e que traçaram, nesse momento, as linhas de fronteira nesse imenso espaço que vai da Turquia ao Iraque e que passa pela Síria. Linhas de fronteira delimitadas entre franceses e ingleses e que definiam zonas de controlo direto destes dois Estados europeus e, ao mesmo tempo, dos "seus" protetorados. Esta partilha não vai durar cem anos. Está a terminar. É o que representa a criação, a progressão e a sedimentação do Estado Islâmico do Iraque e do Levante (EIIL). E percebemos, aqui, que a União Europeia nem tem opinião nem voz. E os Estados europeus que fizeram a "partilha" ou perderam a memória ou, então, confessam expressamente a sua impotência. O que nos mostra, também neste âmbito, que a Alemanha é o centro de um poder europeu e que sem a sua voz nem existe posição europeia nem existem vozes europeias autónomas.

E é, aqui, que situamos o outro lado do poder na Europa. Todos conhecemos a águia bicéfala que caracteriza o poder russo. O lado ocidental russo aí está a afirmar--se. E a consolidar-se. E a Ucrânia é esse espaço de afirmação da "nova Rússia" de Putin. O seu "estrangeiro próximo" tem uma soberania limitada. E a seguir à Ucrânia será, como já se antevê, a Moldávia. A Europa Central e do Leste têm de envolver um "cordão sanitário". Antes seria uma "cortina de ferro". Agora são os "tubos de gás". Na verdade a questão energética, e por excelência o gás russo, condiciona todas as posições. As americanas e, acima de tudo, as europeias. E, aqui, o dualismo estratégico da Alemanha, de Berlim, é bem claro. A União Europeia "serve" para atacar Moscovo. As relações bilaterais, entre Berlim e Moscovo, "servem " para apaziguar Putin. E este dualismo está a levar-nos a uma Ucrânia Ocidental e a uma Ucrânia Oriental. O que nos leva a outro tempo da nossa história e a outra divisão da Europa.

Vivemos, assim, uma recomposição radical no Médio Oriente e em parte da Europa. E a mudanças radicais em instituições portuguesas. É o fim de uma época. Eu diria: é o fim de uma época ocidental. Num lado renascerá um "grande califado". No outro uma nova Rússia "alargada". Mudanças radicais diremos. Lá e cá. Cada uma na sua dimensão. E cada uma com consequências bem diversas. Que importa acompanhar mesmo não esquecendo a parte final do Mundial do Brasil. Que para uns é dor e para outros prazer. Recordo sempre Max Weber: "A ação política de sucesso é sempre a arte do possível. Contudo, o possível é muitas vezes atingido apenas quando há empenhamento para atingir o impossível que lhe estásubjacente".

*Advogado

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