Entrevista: Arnaldo Matos, Advogado e ex-líder do PCTP/MRPP

O ex-líder do PCTP/MRPP fala sobre o 25 de Abril e diz acreditar que a Revolução, «como uma velha toupeira», vai ressurgir, «mais cedo ou mais tarde, na luta contra a globalização»
Publicado a
Atualizado a

Como primeiro líder do PCTP/MRPP, que viveu o 25 de Abril por dentro, que leitura faz da Revolução, 30 anos depois?

O balanço da Revolução de Abril é globalmente positivo. A Revolução liquidou o colonialismo português, conquistou os direitos, liberdades e garantias fundamentais de um regime democrático e permitiu um certo grau de desenvolvimento económico, social e cultural.
Claro está que a Revolução não logrou alcançar aquilo que, em determinada altura, passou a ser seu objectivo principal: a liquidação do capitalismo e da exploração do homem pelo homem e a instauração do socialismo. Estas continuam a ser as tarefas centrais e cada vez mais actuantes da Revolução em Portugal e no Mundo

Sente-se hoje um um ídolo de Abril?

Já me têm chamado muita coisa, mas essa ainda não. É evidente que não sou nem nunca fui nada disso.
Qual foi o papel do PCTP/MRPP em todo o processo de mudança em Portugal?
Foi o papel de um pequeno partido marxista-leninista: denunciar o revisionismo e o oportunismo, organizar a classe operária e mobilizar o povo para as tarefas da Revolução. Por isso, foi sempre visto como o figadal inimigo do MFA, do PCP, do PS, do PPD, do CDS e da UDP e de todos quantos apareceram para se instalar no poder e ainda lá estão instalados.

A verdadeira história sobre o golpe de Estado e a participação de Spínola e Otelo, o papel do PCP, ainda está por contar? Considera que, ainda hoje, a elite militar tem demasiado peso nas relações entre poderes?

Sim. A história do golpe de Estado da madrugada de 25 de Abril, bem como das figuras e elites que nele participaram ainda está por fazer. Quando for feita, ver-se-á que não passava de uma autêntica quartelada reaccionária, que visava unicamente resolver problemas corporativos da tropa e substituir a camarilha marcelista por uns quantos tecnocratas, mas deixando tudo o mais na mesmo, incluindo colónias, censura, PIDE, prisões políticas. Quem ouve hoje os militares de Abril a falar ficará a pensar que esses indivíduos desde o ventre das respectivas mães que se propunham salvar a Pátria, quando, na verdade, só se propunham salvar o pêlo. O levantamento popular nas primeiras horas do golpe militar é que fez a Revolução contra as intenções dos próprios militares.

Este é o País com que sempre sonhou? A tal justiça social que tanto se falava perdeu-se na memória?

Este é o meu País. Não quero outro. Não é o País com que sempre sonhei, mas há-de sê-lo um dia. Quanto à ânsia de justiça social, permanece viva nos corações das mulheres e homens do Povo. Nunca morrerá.

Na sua opinião, o que é que falhou na Revolução?

Não falhou nada. Não estavam reunidas na altura, e não o estão hoje, as condições objectivas e subjectivas para ir mais além.
Mas a Revolução, como uma velha toupeira, continua a socavar o seu caminho, e haverá de ressurgir, mais cedo ou mais tarde, precisamente na luta contra a globalização.

Está preocupado com o futuro de Portugal?

Não. Nunca.

Como encara a participação da actual juventude nos destinos do País?

É uma participação decisiva. A verdade é que os jovens são, no momento, o sector mais consciente e combativo de Portugal

E a esquerda?

A esquerda deste país é uma merda.

Que análise faz à participação e actuação dos sindicatos e partidos, quer em termos de parlamento, quer no discurso dirigido à sociedade civil?

Os sindicatos ainda não perceberam qual é o papel que lhes cabe hoje. Não compreenderam as modificações profundas que se operaram nas suas bases de apoio, não alcançaram o significado das alterações nas relações de produção da mais-valia e não entenderam, designadamente, o sentido e o alcance das novas tarefas política internacionalistas que a globalização lhes impõem. Quanto aos partidos, estamos conversados: os da direita estão satisfeitos, porque estão no poder, e os outros estão satisfeitos, porque lambem as migalhas do poder. É fartar, vilanagem!

Perfil

Arnaldo Matos
Advogado

De líder do MRPP a advogado de sucesso
Líder do MRPP de 1970 a 1982, nasceu na Madeira e estudou na Faculdade de Direito de Coimbra. Passou por Macau e Moçambique na década de 60. Regressa a Portugal e termina o curso em Lisboa. Ganha as eleições para a Associação Académica (1967/68). Crítico do «revisionismo do PCP», lidera o processo de fundação do PCTP/MRPP, em 1970. A 28 de Maio de 75 é preso em Caxias com muitos camaradas de partido que entram em greve de fome. Nasce o mito do «grande educador da classe operária». Em 1982, abandona o MRPP. Deixara de valer a pena: a «contra-revolução tinha ganho». Hoje é advogado.

Artigos Relacionados

No stories found.
Diário de Notícias
www.dn.pt