MP contesta arquivamento e apela à Relação para que leve oficial e agentes a julgamento

O Tribunal de Instrução Criminal tinha despronunciado os três polícias de todos os crimes da acusação do Ministério Público. Procurador apela agora a tribunal superior
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O procurador do Ministério Público (MP) - coordenador do DIAP da Amadora - que acusou o oficial e dois agentes da PSP por agressões a um homem em pleno tribunal, apelou à Relação que revogue o arquivamento do juiz de instrução criminal e leve os três polícias a julgamento. Hélder Cordeiro é o mesmo magistrado que acusou, em julho do ano passado, os 18 polícias da esquadra de Alfragide por agressões e racismo contra jovens da Cova da Moura, e desde esse processo que tem dado atenção especial às queixas de violência policial na sua comarca.

Conforme o DN noticiou no final de janeiro, o oficial acusado neste caso, um subcomissário que comandava a esquadra da Brandoa, pediu a abertura de instrução e o juiz decidiu despronunciá-lo de "todos os factos" que constavam da acusação do MP: ofensa à integridade física qualificada, falsificação de documentos e denúncia caluniosa. Por arrasto, os dois agentes, acusados também de agressões, viram também o seu processo arquivado. O MP tinha concluído que Eugénio S. fora agredido violentamente pelos polícias nas instalações do tribunal da Amadora, em março de 2017, depois de uma troca tensa de palavras, e que o oficial tinha mentido no auto de notícia sobre a situação, colocando a culpa na vítima.

O juiz de instrução, Pedro Faria de Brito, analisou as "provas" apresentadas pelo MP e detetou nos depoimentos das testemunhas uma "clara incongruência" entre o que tinham dito no inquérito e o que disseram em tribunal, com "versões não inteiramente coincidentes". O magistrado entendeu ainda que havia contradições sobre as agressões, com "narrativas divergentes relativamente ao mesmo aspeto essencial do acontecimento, que era o "diálogo" prévio às alegadas agressões. Esta situação, disse o juiz, tornava "não suportável, por insuficiência e incoerência, a matéria indiciária elencada na acusação". Para o juiz, também todos os outros crimes imputados ao subcomissário (falsificação de documentos e denúncia caluniosa) "não podem ser suportados". Apesar de não terem pedido instrução, decidiu também não pronunciar os agentes.

Perante isto, o procurador do MP sublinha que, antes da acusação, foi feita uma "apreciação crítica da prova recolhida e das diferente versões" e que "expôs de forma clara e notória as flagrantes discrepâncias entre os relatos", mesmo entre os próprios arguidos, "todos membros da mesma força de segurança e nem sequer enquanto arguidos, obrigados a falar a verdade". Assinala que houve depoimentos, alguns de outros agentes da PSP, que "não mereceram qualquer credibilidade", embora se entendesse que deviam "ser arrolados como testemunhas". Em contrapartida, destaca o depoimento de Eugénio S., a vítima, "produzido de forma isenta, serena, sem que se tenha vislumbrado qualquer desejo ou manifestação de vingança contra os agentes", bem como "o depoimento dos dois ilustres advogados presentes no local dos acontecimentos e que contribuíram decisivamente para o cabal esclarecimento dos factos".

O coordenador do DIAP da Amadora defende que o MP "fez uma opção clara - acusando os arguidos pelos factos que descreveu na acusação, imputando-lhes os crimes a cuja conduta criminosa entendeu ter-se subsumido, com base no depoimento das testemunhas presentes, sustentada nos indícios recolhidos, na apreciação que fez" dos mesmos " e da maior credibilidade que conferiu aos depoimentos recolhidos, de acordo com as regras de experiência comum".

O procurador refere no recurso que enviou à Relação que "o que está em causa não é o diálogo prévio existente entre o ofendido e, pelo menos, um dos arguidos" (em cujos relatos o juiz de instrução viu "contradições") mas sim "a ofensa à integridade física do ofendido e os atos subsequentes imputados ao arguido Hugo Correia [o subcomissário] que, aliás, não foram sequer apreciados nem valorados jurídico-penalmente no despacho de não pronúncia, ora sob censura". O magistrado refere que, ao não ter "fundamentado" porque não pronunciou o oficial por esses crimes, o tribunal de instrução violou a Constituição e o Código de Processo Penal. "Deverá, pois, revogar-se a decisão judicial de não pronúncia, ora sob censura e, em consequência, ser proferido despacho de pronúncia pelos factos e qualificação jurídica imputada da acusação do MP", apela Hélder Cordeiro aos magistrados da Relação.

A violência policial no nosso país tem estado em destaque nos últimos dias, depois da divulgação do relatório do Comité para a Prevenção da Tortura (CPT) do Conselho da Europa, dando conta de que existe um número "considerável" de casos registados e que os afrodescendentes sofrem maiores abusos. Nesta semana, a Amnistia Internacional informou que, de 2016 até agora, recebeu 72 denúncias de violência policial e más condições nas prisões.

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