Movimento 5 Estrelas: da ascensão dos antissistema italianos ao caos
O último revés para o Movimento 5 Estrelas (M5S, na sigla original), que foi o mais votado nas legislativas de 2018 em Itália mas tem vindo a perder força, não veio dos eleitores, mas da justiça. Um tribunal de Nápoles suspendeu esta semana a eleição do ex-primeiro-ministro Giuseppe Conte como líder do M5S, que ocorreu em agosto do ano passado. Isto dias depois de o chefe da diplomacia italiana, Luigi di Maio, ter deixado a mesa diretiva, alegando querer "liberdade" para criticar o que considera que está mal no partido. "Não podemos negar, a situação é muito complicada", disse o fundador do M5S, Beppe Grillo, nas redes sociais.
A decisão do tribunal foi tomada a pedido de três militantes, que se queixaram de não terem conseguido participar na eleição interna. Nessa altura, o M5S já tinha deixado de usar a plataforma Rousseau, símbolo da democracia direta que marcou a formação desde a sua génese, em outubro de 2009, e que permitia aos militantes votarem nas decisões mais importantes do partido online. Tudo porque os administradores da plataforma se queixavam da falta de pagamentos da parte dos membros eleitos do partido, que tinham que pagar 300 euros por mês, alegando que já havia uma dívida de 450 mil euros (o partido negou este valor).
O M5S tem estado num processo de reforma. O movimento populista e antissistema criado pelo humorista Beppe Grillo como um ato de protesto contra a política tradicional, tem estado à procura do seu nicho dentro da política italiana. Nas eleições de março de 2018, o movimento recebeu mais de dez milhões de votos (33%) e tornou-se no maior partido na Câmara dos Deputados, praticamente duplicando a sua presença no hemiciclo para 227 representantes. Também no Senado, ganhou mais 58 eleitos do que nas eleições de 2013, passando a contar com 112.
O partido entrou então num governo de coligação com o segundo mais votado, a Liga (extrema-direita), numa aliança improvável liderada pelo tecnocrata independente Conte. A experiência não durou muito, mas em 2019 o M5S acabou por fazer uma nova aliança com o Partido Democrático (PD, centro-esquerda) e Conte continuou no poder. A pandemia de covid-19 e o impacto económico tiveram contudo consequências políticas e o primeiro-ministro acabaria por se demitir após ter perdido um voto no Senado, dando lugar ao governo de união liderado por Mario Draghi - que inclui todos os partidos no Parlamento à exceção da extrema-direita dos Irmãos de Itália.
O debate sobre se o M5S deveria ou não apoiar o governo de Draghi foi um dos que dividiu o partido - os militantes votaram sim na plataforma Rousseau, mas alguns senadores votaram não, levando à sua expulsão. Não foram os primeiros, tendo o partido sofrido também várias deserções. O partido continua a ser o maior no Parlamento, mas tem agora apenas 158 deputados e 73 senadores. E o cenário não é o melhor para as eleições previstas para 2023: no início de fevereiro o seu apoio nas sondagens tinha caído para cerca de 15%, atrás do PD, dos Irmãos de Itália e da Liga.
No meio do caos, no meio do ano passado, Grillo - que deixou a liderança em 2017 mas continua a ser uma espécie de garante do partido - convidou Conte para "refundar" o movimento que estava sem líder. Di Maio, que lhe tinha sucedido, tinha saído em janeiro de 2020 e o partido estava nas mãos de um líder interino, Vito Crimi. As eleições internas de agosto resolveram a situação, com Conte a ter o apoio de 92% dos militantes que votaram, um dia depois de terem aprovado o novo estatuto do partido.
Entre as alterações que Conte introduziu está, por exemplo, a ideia de criar uma estrutura de poder de cima para baixo e até ter uma sede formal. Além disso, em novembro, o M5S quebrou outra barreira, inscrevendo-se oficialmente como partido político e abrindo assim a porta a receber donativos dos impostos dos contribuintes - estes podem escolher destinar parte dos seus impostos a um partido político em vez de ao Estado.
O tribunal decidiu contudo suspender as alterações de estatuto e a consequente eleição de Conte, considerando ter havido "defeitos graves" no processo de decisão e de 80 mil novos membros terem sido excluídos de uma votação que não atingiu o quórum necessário (metade dos militantes). Os que apresentaram queixa acreditam que a decisão do tribunal restaura o princípio da participação de todos, esperando um novo processo aberto.
Ainda não é contudo claro o que o partido fará agora ou se as divisões internas, acentuadas pelo processo de reeleição do presidente Sergio Mattarella, podem originar novas cisões. Conte quis avançar com uma candidata, mas Di Maio não concordava. No fim de semana, este optou por deixar o cargo de responsável pela comissão que garante o respeito dos estatutos e que valida os candidatos a cargos nacionais e locais. "Quero ter a liberdade de levantar a minha mão e dizer o que está errado ou o que pode ser melhorado", afirmou.