Mourinho apela à centralização dos direitos televisivos em Portugal

Treinador português esteve esta segunda-feira a debater regulamentação e quadros competitivos com Jorge Braz, José Couceiro e José Pereira
Publicado a
Atualizado a

"Os clubes grandes não vão gostar do que vão dizer, mas uma questão fundamental é a da centralização dos direitos televisivos. Devemos ser o único ou um dos únicos países de topo no futebol que não tem direitos televisivos centralizados. Se os pequenos não conseguem chegar perto dos grandes, se um recebe quatro milhões e outras 80, não há competitividade suficiente. Há clubes que fazem um trabalho fantástico para podermos viver o campeonato com alguma emoção", criticou José Mourinho, num painel em que debateu regulamentação e quadros competitivos com o selecionador nacional de futsal Jorge Braz, o diretor técnico nacional José Couceiro e o presidente da Associação Nacional de Treinadores de Futebol (ANTF) José Pereira.

"Sou defensor da centralização dos direitos televisivos desde os tempos do Sindicato. Para haver equilíbrio competitivo, nas competições americanas por algum motivo há Draft. O gap das receitas de direitos televisivos do primeiro ao último clube em Inglaterra e na Suécia é de 1.3, em Portugal é de 15.4. No dia em que alguém tem o mercado todo, deixa de haver mercado. É um cartel", acrescentou José Couceiro, que deu também o exemplo do que se faz no campeonato holandês.

"Na Holanda, que tem entre 17 e 18 milhões de habitantes, o valor total dos direitos televisivos é inferior ao nosso, mas os principais clubes já propuseram haver uma distribuição das verbas oriundos das competições europeias", sublinhou o antigo técnico de FC Porto, Sporting e Vitória de Setúbal, entre outros.

Ainda sobre a mesma temática, Couceiro apelou ao "equilíbrio competitivo como base do sucesso de uma competição", a criação de "níveis competências", um balanço entre "representatividade e competitividade" e a colocação do "jogador sempre em primeiro lugar".

Jorge Braz assumiu que no futsal a realidade não é muito diferente: "No futsal, todos os anos já se sabe que vai ser Benfica ou vai ser Sporting."

Mourinho puxa cassete atrás

Além da temática do painel, José Mourinho recordou alguns capítulos da carreira, nomeadamente os vividos em Itália, onde treinou o Inter de Milão, e Inglaterra, onde orientou Chelsea por duas vezes e Manchester United. "Fui para Itália em 2008, mas encontrei um campeonato italiano que privilegiava os aspetos defensivos, com modelos super defensivos mas de grandíssimas organização. Éramos uma das equipas que queriam ser campeãs, mas sentimos dificuldades tremendas. Não deve haver nenhum miúdo de 11 ou 12 anos que não domine tudo o que é organização defensiva. Em 2004 o futebol inglês era completamente britanizado, mas quando regressei em 2013 encontro um futebol inglês invadido por ideias diferentes e trazidas por aqueles que considero mais importantes por nós, os jogadores. À exceção do Messi, acho que os melhores jogadores do mundo passaram por ali. A entrada de jogadores de outras origens e academias veio mudar o futebol inglês, que o que de inglês tem agora é que se os adeptos estiverem felizes vão para o pub e se não estiverem contentes... também vão para o pub", descreveu o special one.

"Quando cheguei a Itália, o nosso primeiro jogo fora foi com a Sampdoria e o segundo com o Catania. Ganhámos com um autogolo ao minuto 80 e tal. Estavam todos contentes, menos eu. O Moratti, que era dono do Inter. E eu: 'sim, três pontos...'. E ele: 'mister. Ganhámos! Três pontos fantásticos. E eu pensei: 'ótimo! Estou em casa", acrescentou, bem-disposto.

Embora tenha trabalhado em países de menor dimensão futebolística, como Turquia e Lituânia, José Couceiro contou a sua experiência. "Na Turquia, havia um grande respeito pelo mais velho. E todos passavam a bola ao mais velho. Como é que desmontamos aquilo? Tivemos de dar a situação e trouxemos o mais velho para o nosso lado", disse Couceiro. "E há coisas que não se desmontam e mandam-nos de férias", acrescentou Mourinho, em jeito de brincadeira.

"O treinador não pode fugir muito da sua identidade, não pode fugir muito às suas ideias-base, mas pela minha experiência, que trabalhei em quatro países, a adaptação a cada país é diferente e a qualidade dos jogadores que se tem à disposição é importante. Tenho um colega que chegou a um clube, não gostou de nenhum dos laterais que tinha e mudou os quatro. Acho que em três anos gastou mais de 200 milhões em defesas laterais", completou Mourinho, muito provavelmente em alusão ao Manchester City de Pep Guardiola, que contratou os laterais Danilo, Walker e Mendy nesse período.

O futebol do futuro segundo Mourinho

As novas regras recém-aprovadas pelo International Board têm merecido a reflexão de José Mourinho, que apelou aos seus colegas de profissão para também pensarem nelas, que vão entrar em vigor a partir da próxima época. "Temos de começar a pensar na mudança das regras, como o pontapé de baliza sem a necessidade de a bola sair da área e com a possibilidade dos jogadores em situação defensiva poderem pressionar dentro da área. Vai ter consequências grandes a nível de jogo. Nos últimos dez anos houve uma grande evolução a nível da construção de jogo e agora? Será um progresso ou retrocesso? Se calhar muitas equipas vão abdicar da construção para bater direto na frente. Vamos pensar um bocadinho nisso... os que estiverem a trabalhar, porque se calhar eu não estou", opinou.

Outro aspeto que o special one salientou é o da variabilidade tática que as equipas terão que ter para responderem aos desafios que cada jogo coloca. "Os modelos de jogo estão a ir numa direção em que um modelo de jogo é utilizado com vários sistemas táticos e muitas vezes dentro do próprio jogo. As pessoas querem ver cada vez mais a sua equipa a ser dominadora. Para fazer face a equipas super organizadas, uma equipa terá que em organização ofensiva ir alterando de sistema tático", comentou, assustado pelos atuais valores de mercado dos principais clubes europeus: "Quando se falava que um clube inglês em que eu trabalhei seria vendido por 2,5 biliões, andei à procura do valor de mercado de outros clubes de topo e valiam mais ou menos o mesmo. E fico a pensar que somos o CEO de uma grande empresa que vale dois ou três biliões. Nem sei quantos zeros tem."

A comunicação com os jogadores foi outro dos assuntos abordados, com José Mourinho a mostrar-se crítico da nova geração de futebolistas. "Se nós treinadores nos focarmos nos aspetos táticos e esquecermos a comunicação, é complicado de gerir. Antigamente tinhamos que gerir 20 jogadores e as pessoas à volta, agora cada jogador traz à volta 10 jogadores: o pai, a mãe, o primo, a prima, o agente, o cão, etc. Muitas vezes estão melhor estruturados do que nós e ainda há as notícias e as fake news. Nós treinadores hoje caminhamos para uma direção em somos o cano de esgoto do futebol. Somos os culpados de tudo e cada vez menos responsáveis pelo que de bom acontece", vincou, abordando especificamente a comunicação com os atletas ao intervalo. "Temos de intervir depois e antes de os gajos da nova geração se pentearem ao espelho", disparou o técnico setubalense, bem-humorado.

Artigos Relacionados

No stories found.
Diário de Notícias
www.dn.pt