Guerra em Espanha, estilhaços em Lisboa. Adecisão de suspender o Jornal Nacional de 6.ª Feira da TVI, que culminou com o afastamento de Manuela Moura Guedes e a demissão da direcção de Informação, foi da Prisa espanhola e da responsabilidade do seu presidente, Juan Luis Cebrián. Acontece num momento de grande tensão entre o patrão do grupo espanhol e primeiro-ministro socialista José Luis Zapatero, de quem era até agora muito próximo. .O desentendimento, relacionado com o negócio da Televisão digital Terrestre (TDT), levou Cebrián a dizer de Zapatero que "quer dominar os meios de comunicação e favorecer os amigos" e que o seu governo se comporta como "uma república das bananas". Estas declarações, a 21 de Agosto, fazem-no politicamente insensível às repercussões que a sua decisão tenha em Portugal, em vésperas das eleições legislativas. Nomeadamente, para o primeiro-ministro José Sócrates. Este reconheceu ontem que a suspeita de uma interferência do PS neste caso poderia criar dificuldades aos socialistas (ver texto ao lado). .O primeiro-ministro classificou o jornal como uma "caça ao homem" na sequências das suas reportagens sobre o caso Freeport. Manuela Moura Guedes disse ao DN que o jornal de hoje incluiria mais um trabalho sobre o processo..Segundo apurou o DN, Manuela Moura Guedes tomou conhecimento de que seria afastada na quarta- -feira à noite, embora não tenha acreditado que esse cenário se pudesse concretizar como veio a acontecer ontem de manhã, quando o director de Informação João Maia Abreu foi chamado por Bernardo Bairrão, director-geral interino da TVI desde a saída de José Eduardo Moniz, a 5 de Agosto..A demissão conjunta da direcção de Informação, de que também faz parte Mário Moura, foi tomada ontem de manhã. Nenhum dos elementos aceita voltar a ficar com qualquer cargo (Maia Abreu apenas se manterá em funções até ser anunciado quem o substitui). .Moura Guedes, contactada pelo DN, confirma que continuará no canal. "Sou funcionária da TVI", disse, rementendo as demais explicações para a administração. A TVI, em comunicado, sublinha que "o respeito pelos valores da liberdade de expressão e o direito de informação constituem, juntamente com a independência, rigor e profissionalismo, os fundamentos sobre os quais se constrói a identidade da estação". .Primeiros sinais na sexta.O primeiro sinal de que o jornal de Moura Guedes poderia ter os dias contados foi dado por Cebrián num telefonema para Lisboa na sexta-feira, dia 28, pedindo para falar com os responsáveis portugueses da Media Capital - o administrador-delegado Miguel Gil e Bernardo Bairrão. Fez perguntas e teceu vários comentários sobre o noticiário, todos eles depreciativos, segundo apurou o DN, mas não tomou uma decisão. .Na segunda-feira foi feito o contacto oficial entre Cebrián e Bernardo Bairrão. A decisão foi comunicada de forma clara: não queria Manuela Moura Guedes a apresentar o noticiário nem que haja noticiário com aqueles moldes. .Bernardo Bairrão terá tantado fazer perceber a Juan Luis Cebrián que este não era o momento para tomar a decisão - por ser a semana do regresso daquele formato, o que mostrava um completo desrespeito profissional pelos envolvidos - com as consequências que acabaram por se verificar, quando podia ter sido tomada aquando a saída de Moniz, durante o período de férias do jornal. Na pior das hipóteses, devia ser adiada..Havia também a leitura política, em vésperas de eleições. Tanto mais que se trata de um noticiário altamente criticado pelo actual Governo e considerado persecutório do primeiro-ministro..Indiferente aos argumentos, Cebrián levou a sua decisão para a frente. O presidente da Prisa e a restante administração espanhola não entendem claramente a realidade e as relações dos media e da política em Portugal, estranham que os jornais e as televisões não assumam que partido apoiam. Ao ponto de Cebrián ter afirmado, segundo apurou o DN, que é impensável um espaço de informação "hostilizar o primeiro-ministro de um país", até pelos efeitos que isso pode ter nos negócios da empresa em Portugal. .Em Espanha, os seus desentendimentos com o presidente do governo por ter sido aprovado o diploma da TDT paga foram motivo de editorial do jornal mais influente do grupo, o El Pais, e tema de entrevista à sua rádio, a Cadena Ser. .Abertura dos telejornais.Ontem na TVI vivia-se um ambiente de grande expectativa. Reinava a convicção de que a Media Capital pode ser vendida a qualquer momento ao primeiro interessado e que houve sempre uma enorme falta de respeito de Espanha para com os responsáveis portugueses, vistos sempre como figuras menores..A suspensão do Jornal Nacional motivou ainda as demissões de funções dos chefes de redacção António Prata e Maria João Figueiredo e da editora de política Constança Cunha e Sá e do comentador Vasco Pulido Valente. .O caso motivou aberturas dos noticiários nocturnos da RTP1 e da SIC, e o comentário de Miguel Sousa Tavares na própria TVI. À tarde, depois de um plenário de redacção,grande parte dos jornalistas assinaram um abaixo-assinado de repúdio face à decisão da administração, considerando "que põe em causa a seridade e competência dos profissionais". .A ERC (Entidade Reguladora para a Comunicação Social) pretende abrir um processo de averiguações ao caso. O presidente, Azeredo Lopes, considera a suspensão "absolutamente inaceitável". "A empresa não poderia ignorar que isto iria determinar a agenda política". E motivou ainda um comunicado do Sindicato de Jornalistas pedindo "um cabal esclarecimento das circunstâncias que conduziram à demissão". .Mesmo os que criticam e contestam Manuela Moura Guedes na TVI lamentam que ela saia deste caso como uma "heroína" e que entendem que este é o pior momento político para a tirar do ar, já que a decisão vai soar a saneamento político e não como uma decisão editorial com a qual até concordam.