Mossos d'Esquadra, divididos entre o dever e o voto
Albert Donaire foi independentista toda a vida e nunca teve problemas em dizê-lo. Nem quando se tornou em 2010 num Mosso d"Esquadra, a polícia da Catalunha. Agora, está à frente do grupo dos Mossos pela Independência, lembrando que "antes de tudo" é um democrata e que respeita "tanto os que querem votar Sim, como os que querem votar Não". No domingo, quando os Mossos estão a ser chamados a impedir a votação, diz que vai "garantir o livre desenvolvimento da jornada eleitoral, evitando problemas de ordem pública". Para este polícia, "a prioridade é que não haja problemas para a cidadania".
"Dói-nos esta situação", desabafa Josep Miquel Milagros, porta-voz da União Sindical da Polícia Autonómica da Catalunha, um dos sindicatos dos Mossos d"Esquadra. A polícia catalã está dividida entre a obrigação de cumprir as ordens que vêm da justiça, estando subordinada ao controlo de um coronel da Guardia Civil, e ter que interferir no dia do referendo ilegalizado pelo Constitucional contra outros catalães como eles que só querem poder votar. "Nós estamos no meio. Esta situação não é agradável para nós, porque afinal também somos cidadãos da Catalunha", conta ao DN.
Mas Miquel Milagros tem a solução, lembrando antes de mais que como todas as polícias, os Mossos d"Esquadra são um corpo hierárquico e que por isso os agentes irão acatar as ordens dos superiores - Josep Lluís Trapero é o líder máximo. "Iremos fazer o nosso trabalho", refere, para depois acrescentar um "a questão é como". Apesar de a conversa decorrer por telefone é como se tivesse havido um "piscar de olho" implícito.
"Imagine que temos a ordem de fechar um centro de voto. Mas somos dois em patrulha e estão centenas de pessoas à porta. O que fazemos? Pedimos reforços. Vêm mais dois. O que fazemos? Causamos nós desordem pública? Claro que não. Levantamos um auto, dizemos que por problemas de segurança não podemos desalojar as pessoas e pronto", explica. "O que não podemos é ter revoltas cidadãs por culpa da polícia." A ordem das associações independentistas é, no dia do referendo, fazer filas frente aos locais de voto de manhã cedo e ficar aí o dia inteiro para garantir a votação.
"Não se trata de fazer a vista grossa. É ter uma ordem de prioridades", conta Albert Donaire. "E o prioritário é que a jornada possa decorrer sem problemas. Estou certo que é a premissa comum e a prioridade das pessoas", acrescenta este agente, que nasceu numa pequena povoação, Cellera de Ter, e atualmente divide o seu tempo com a cidade de Olot. "No domingo, o que haverá é uma festa democrática, em que milhões de catalães vão expressar livremente os seus desejos democráticos", porque "todos os povos têm direito à autodeterminação".
Mas na Catalunha não há apenas Mossos d"Esquadra, houve também um reforço de dez mil agentes da Guardia Civil (que ontem apreenderam 2,5 milhões de boletins de voto) e da Polícia Nacional, que respondem diretamente ao coronel Diego Pérez de los Cobos, nomeado pela procuradoria da Catalunha para coordenar a operação de segurança no dia do referendo. Nas redes sociais, foi motivo de piada o facto de os reforços ficarem alojados num ferry com a imagem de vários desenhos animados da Looney Tunes, repetindo-se os cartazes que dizem "libertem o Piu-piu", numa referência a um desses bonecos.
Foi alegadamente para "baixar tensões" que o presidente da Generalitat, Carles Puigdemont, convocou uma reunião da Junta de Segurança da Catalunha, defendendo que era através deste organismo que se devia gerir as diferentes polícias no terreno. O responsável pela pasta do Interior na Generalitat, Joaquim Forn, admitiu após o encontro que os Mossos têm "que cumprir funções de polícia judicial". Contudo, "não podemos pôr a polícia entre a espada e a parede", acrescentou, lembrando que há "um bem superior", que é a "segurança dos cidadãos". O conselheiro indicou ainda que caiu a decisão dos Mossos fazerem um "perímetro de segurança" de cem metros em redor dos locais de voto, para impedir o referendo.
Antes de Forn, que reiterou que a consulta é para avançar, o secretário de Segurança do governo espanhol, José António Nieto, reiterou que não vai acontecer um referendo, "porque é ilegal", pedindo a Puigdemont que o suspenda. E convidou os catalães a fazerem "um piquenique" ou participar "numa manifestação", lembrando que o governo não quer limitar a liberdade de expressão de ninguém. "Pedimos que nenhum corpo policial seja protagonista de nada que não seja garantir que nesse dia Barcelona ou qualquer outra cidade ou povoação da Catalunha tenha um dia de festa e celebração", defendendo "a paz, o respeito pela lei e pelo Estado de Direito".
Só no domingo se saberá se haverá votação e de que forma esta vai decorrer. Para já, nas ruas, os Mossos fazem o trabalho de sempre, sorrindo para quem passa, declinando falar do que aí vem. Por enquanto, vigiam as Ramblas, onde em agosto houve um atentado, e outros pontos da cidade. Ou garantem a segurança dos que participam na manifestação de estudantes a favor da independência, que ontem foi da Praça da Universidade até à estação de Sants, atrás de um cartaz onde se lia "Esvaziemos as salas de aula. Defendamos o referendo" e sob o lema "não nos suspendam a democracia". Segundo a Guardia Urbana (a polícia de Barcelona, também muito visível nas ruas), eram 16 mil os estudantes em protesto. Para os organizadores, eram 80 mil.
Depois de 1 de outubro, Josep Miquel Milagros admite não saber o que se passará. "Não sou político, mas o que está claro é que a sociedade catalã em geral já não sente que forma parte de Espanha", explica. Dizendo falar como "mais um cidadão da Catalunha", defende que a situação é "insuperável. Alguém tem que intervir e dizer que isto não pode continuar assim e que temos que chegar a um acordo."
* enviada a Barcelona