Mosquitos estão a invadir territórios que não visitavam, espécies em Portugal estão controladas

Entrámos na época dos mosquitos. De maio a outubro os técnicos que trabalham no programa de vigilância REVIVE não têm mãos a medir. É preciso saber as espécies que entram no país e onde se alojam. Nos últimos anos, o Aedes albopictus, vetor do vírus do Dengue, Zika e Chikungunya, é a grande preocupação, mas até agora controlada. "É pouco provável haver surtos por enquanto", diz investigadora do INSA.
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Na lista dos biólogos há, pelo menos, 100 espécies invasoras no Mundo, mas há só uma de mosquito, Aedes albopictus. E é esta que agora é motivo de preocupação. No entanto, em Portugal já foram identificadas 40 espécies de mosquitos. A Aedes albopictus é de origem asiática, oriunda do Japão, e um vetor para os vírus Dengue, Zika e Chikungunya. Ao longo do tempo, tem atravessado para o outro lado do mundo de forma muito curiosa: instalando os seus ovos nos pneus, que são transportados por barco a céu aberto, para serem recauchutados na Europa ou nos EUA. Foi assim que chegou a Portugal.

A investigadora no Departamento de Doenças Infeciosas do Instituto Nacional de Saúde Ricardo Jorge (INSA) e coordenadora da Rede Nacional de Vigilância de Vetores (REVIVE), Maria João Alves, diz ao DN que, por enquanto, "o que tem sido encontrado no país faz acreditar que a espécie está controlada e com uma probabilidade muito reduzida de haver casos autóctones e surtos".

No entanto, destaca: "Não podemos dizer que não há possibilidade de surtos, porque o Aedes albopictus é um vetor, e a qualquer momento as coisas podem mudar, mas na vigilância que fazemos há mais de 15 anos nesta área nunca encontrámos mosquitos infetados e para que estes possam infetar pessoas teria de haver uma combinação de fatores, como aumentar muito a sua abundância e haver uma pessoa infetada, com Dengue, vinda de uma zona tropical, que se fosse instalar precisamente numa região de Portugal onde este mosquito existe, para poder infetar os mosquitos que não estão infetados".

Mas só isto não chega. Ou seja, mesmo que haja abundância de mosquitos e condições climatéricas favoráveis à transmissão de vírus ao mosquito, o que aconteceria pelo facto de este se "alimentar" do sangue humano, a infeção só tinha lugar se a pessoa se instalasse naquela região nos primeiros cinco dias como portador do vírus, o que faz com que o risco de haver casos autóctones de Dengue, Zika ou Chikungunya, noutros locais fora do seu habitat natural, seja muito reduzido.

Maria João Alves dá o exemplo de França, onde o Aedes albopictus foi identificado, pela primeira vez, "em 1999, mas só em 2010 é que foi vetor, passando o vírus de Dengue, e gerando os primeiros casos autóctones", mas, ao todo, e em toda a Europa, desde 2010 até agora, só foram registados 144 casos autóctones. Destes, 65 foram registados em França e cinco em Itália, no ano passado.

Destaquedestaque Ao todo, em toda a Europa, desde 2010 até agora, só foram registados 144 casos autóctones. Destes, 65 foram registados em França e cinco em Itália, no ano passado.

Em Portugal, e segundo o relatório do REVIVE de 2022, recentemente publicado, há três zonas do país onde o Aedes albopictus já foi identificado: Norte, em 2017: Algarve, 2018; e Alentejo em 2022. A coordenadora do programa explica ao DN que a introdução do Aedes albopictus no nosso país aconteceu numa fábrica de recauchutagem de pneus em Penafiel.

E porquê numa fábrica de pneus? Precisamente porque foi assim que chegaram ao resto do mundo: "Este mosquito tem origem no Japão, onde, historicamente, não fazem recauchutagem aos pneus, que começaram a ser exportados, nos anos de 1960 e 1970, para os EUA e Europa em barcos, a céu aberto, para serem recauchutados. Os mosquitos alojavam-se nos pneus e deixavam os seus ovos, que são muito resistentes, que esperavam por boas condições para eclodirem. Quando eclodem e, como são uma espécie invasora, conseguem substituir as outras espécies", explica a investigadora.

É esta dominância que é preocupante, mas Maria João Alves reforça que "a vigilância e monitorização dos mosquitos, que permitem sabermos quantos são e onde estão, dá-nos a vantagem de reagir atempadamente e de reduzir as condições em que é possível serem infetados. É o que temos feito com o REVIVE."

Através deste sistema de vigilância, o mosquito tem sido investigado e, neste momento, já se sabe que os exemplares da Aedes albopictus, que apareceram em Penafiel, são muito semelhantes aos que surgiram em Itália, enquanto os que apareceram no Algarve são mais idênticos aos que circulam em Espanha, "o que quer dizer que o mosquito teve introduções diferentes, esta última terá sido através da fronteira terrestre."

No ano passado, foi identificada nova presença da espécie em Mértola, no Alentejo. Aqui não foram detetados mosquitos adultos, mas sim ovos. Ao todo, eram 11 ovos e os técnicos acreditam que podem ter chegado também através de Espanha, mas "houve ação imediata de vigilância e monitorização".

Destaquedestaque"Analisarmos todos os anos mosquitos e não encontrarmos nenhum infetado é um resultado excelente", sublinha a bióloga Maria João Alves.

Maria João Alves diz que o Aedes albopictus "está a progredir no país", mas "o risco de termos casos autóctones por enquanto é mínimo, talvez daqui a dez a 15 anos". Destaca mesmo: "Metade dos casos registados na Europa por transmissão autóctone só ocorreram muitos anos depois, no ano passado, o que quer dizer que se for feita vigilância e monitorização, a espécie está controlada", mas "se nada disto for feito, a situação pode tornar-se mais complicada".

A bióloga do INSA recorda que, durante estes 15 anos de vigilância em Portugal, foram testados muitos mosquitos e "nunca encontrámos nenhum infetado com vírus. Sabemos exatamente a quantidade de mosquitos desta espécie que existem no nosso país e onde estão. É por isso que digo que o risco de casos autóctones de Dengue, Zika ou Chikungunya é bastante baixo".

O sistema de vigilância de vetores REVIVE funciona em Portugal desde 2008, através de um protocolo do Ministério da Saúde, que envolve técnicos do INSA, Direção-Geral da Saúde e das Administrações Regionais de Saúde. E foi criado precisamente para vigiar espécies de mosquitos invasoras que podem ser vetores de alguns agentes de doença. Em 2010 e 2016, as direções regionais de Saúde da Madeira e dos Açores também integraram este protocolo e o país está hoje totalmente coberto neste tipo de vigilância. Ao fim de três anos do início da vigilância aos mosquitos foi acrescentada a vigilância às carraças, que também podem provocar duas doenças nos humanos (a febre da carraça e a doença de Lyme) e, em 2016, a vigilância aos flébotomos, também insetos.

Para Maria João Alves, uma das suas principais preocupações é que este tipo de vigilância (ou de programa) deixe de existir no nosso país. "É muito importante que o REVIVE continue, porque a situação pode mudar de um ano para o outro com nova introdução de mosquitos e para se controlar a situação é preciso saber onde é que estes se encontram em que quantidade".

O REVIVE integra cerca de 300 pessoas nas várias regiões do país para "controlar e reduzir a abundância dos mosquitos de maneira a que não haja transmissão autóctone", especifica a investigadora. O facto de "analisarmos todos os anos os mosquitos e de não encontrarmos nenhum infetado é um resultado excelente", sublinha, e não um resultado que faça desistir desta vigilância.

É este tipo de vigilância que nos permite saber que a espécie de mosquito mais abundante no país é aquela que só causa incómodo, obrigando aos cuidados normais, durante as horas de maior prevalência destes, amanhecer e entardecer (como uso de roupas claras e de repelente, nas crianças de acordo com indicações dos pediatras), e não a que traz doenças por transmissão autóctone.

A Rede Nacional de Vigilância de Vetores (REVIVE) tem como objetivo caraterizar espécies vetoras e a sua ocorrência sazonal, identificando agentes patogénicos importantes em saúde pública como arbovírus (ex: Dengue, Zika, Chikungunya), plasmodium, leishmania, rickettsias, borrélias, vírus Febre hemorrágica Crimeia-Congo, para, depois, e se for caso disso, serem emitidos "avisos para a adequação de medidas de controlo". De 2011 a 2021 foram feitas colheitas em 282 concelhos de Portugal continental e Madeira e pesquisados 498 596 mosquitos (97 553 ovos, 287 791 imaturos e 113 252 adultos).

Em 2022, esta vigilância realizada pelos técnicos do REVIVE foi feita através de colheitas em 236 concelhos do país num total de 75 417 mosquitos (35 251 ovos, 34 262 imaturos, 5 904 adultos) de maio a outubro. De acordo com o Regulamento Sanitário Internacional, os pontos de vigilância específicos, considerados pontos de entrada e onde todos os anos se fazem colheitas, são seis aeroportos, dois aeródromos, 14 portos e cinco outros pontos de entrada, como fronteiras e zonas industriais.

Depois de pesquisados todos os mosquitos para a presença de vírus, os resultados foram negativos. "O que é espetacular", salienta Maria João Alves. Embora haja situações em monitorização, nomeadamente em relação à espécie Aedes aegypti (espécie exótica/invasora, vetor de dengue, Zika, Chikungunya e outros), presente na Madeira desde 2004 e responsável por único surto de Dengue na Ilha, em 2012, com mais de 2000 casos; assim como em relação ao Aedes albopictus, também uma espécie exótica/invasora, vetor de Dengue, Zika, Chikungunya), já identificada nas regiões Norte, Algarve e Alentejo.

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